Não há na teoria econômica um fundamento que sustente a tese do presidente Jair Bolsonaro de que é melhor sofrer com inflação do que com o desabastecimento. Até porque a segunda opção pode levar à primeira.
É o que defende a economista e professora Juliana Inhasz, coordenadora do Curso de Graduação em Economia do Instituto de Ensino e Pesquisa, o Insper, em entrevista para a Sputnik Brasil.
Na quinta-feira (10), respondendo às cobranças de seus apoiadores em redes sociais, Bolsonaro afirmou que é melhor para o país um pouco de inflação que o desabastecimento.
"Tivemos um aumento anormal de alguns produtos. Soja, arroz. Agora, é melhor, ou menos ruim, ter uma inflação do que ter desabastecimento", disse o presidente durante evento em Porto Alegre.
Mas a história brasileira mostra que uma opção não é, necessariamente, contraponto à outra. Em 1986, passada a euforia inicial do congelamento de preços imposto pelo Plano Cruzado no governo do presidente José Sarney, e a consequente queda da taxa de inflação, sua extensão além de um trimestre, por pressões políticas em ano eleitoral, levou ao desabastecimento, ao ágio e à volta da inflação.
"Já vivemos isso, já passamos por isso. Com a falta de produtos, procurava-se uma solução no mercado paralelo e isso provocou pressão inflacionária. Há muitas questões relacionadas à inflação. É preciso, por exemplo, saber de onde ela vem e qual o nível dela. Não há relação teórica na fala do presidente", explicou a economista.
Segundo Juliana Inhasz, as duas opções são "péssimas".
"A inflação bate mais em quem ganha menos, ela é muito problemática especialmente para quem ganha pouco. O desabastecimento também é ruim porque a falta dos produtos, em algum momento, vai forçar a inflação. A rigor, a opção é, claro, continuar crescendo e produzindo", disse.
Para ela, o risco de desabastecimento é baixíssimo, e mesmo assim, se houver, será muito localizado e circunstancial.
"É muito pouco provável um desabastecimento generalizado. O que acontece é uma influência sazonal, condições climáticas, variação de safra, como acontece agora com a batata e o tomate", contou.
A inflação
No mês de novembro, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 0,89%, a maior para o mês em cinco anos. No ano, ela acumula alta de 3,13% e, em 12 meses, de 4,31% e acima do centro da meta definida pelo governo para 2020 que é de 4%.
Para os alimentos, no entanto, a inflação é bem maior. Apenas em novembro, a alta foi de 2,54%. No acumulado de janeiro a novembro, alcançou 12,14%, a maior desde 2002.
Segundo a economista, o caminho para entender a alta da inflação passa pela COVID-19.
"A pandemia reduziu a produção no país e com isso a disponibilidade de bens diminuiu, incluindo-se ali os alimentos. O auxílio emergencial, consequência da pandemia, foi usado essencialmente na manutenção do padrão parcial do poder de compra das pessoas. Com a queda da oferta de bens, também em função da valorização do dólar diante do real e a produção sendo desviada para o exterior, houve um descompasso entre esta disponibilidade e a demanda gerada pelo auxílio. E isso pressiona os preços", explicou Juliana.
Para 2021, a economista entende que há mais dúvidas do que certezas no ar.
"Minha impressão é que deverá haver um rescaldo da inflação do fim de 2020, mas é preciso ver como fica a situação do auxílio, se ele continua ou termina. E precisamos esperar o que o governo e autoridades econômicas vão decidir sobre a política monetária porque se houver aumento de juros, como parece, isso muda a taxa de câmbio e pode favorecer uma retomada de produção destinada ao mercado interno e até uma queda de preços", concluiu.
As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik
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