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'Alvo não é o Hamas': no Oriente Médio e no mundo, EUA precisam de guerra e caos, avaliam analistas

© AP Photo / Vahid SalemiManifestante derrama gasolina nas bandeiras de Israel e dos EUA, antes de atear fogo a elas, durante um protesto em Teerã contra a viagem de Biden ao Oriente Médio. Irã, 16 de julho de 2022
Manifestante derrama gasolina nas bandeiras de Israel e dos EUA, antes de atear fogo a elas, durante um protesto em Teerã contra a viagem de Biden ao Oriente Médio. Irã, 16 de julho de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 22.11.2023
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Especialistas analisam como o desengajamento dos Estados Unidos no Oriente Médio abriu espaço para a China e os impactos da insistência de Washington em manter o apoio incondicional a Israel.
Com um histórico de intervenções no Oriente Médio, os EUA buscam se colocar como mediadores de conflitos e paladinos da democracia na região. A atuação do país, no entanto, deixa um rastro de destruição. Recentemente, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que os Estados Unidos necessitam de caos constante no Oriente Médio para alcançar seus objetivos.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam se a política de Washington para a região de fato é calcada no acirramento de conflitos e comenta quais benefícios isso poderia trazer para o país.
Para Javier Vadell, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a declaração de Putin tem como base a incapacidade dos EUA de se adaptar.

"Ele [Putin] vem repetindo isso há tempos, e não só em relação ao Oriente Médio. A única forma [dos Estados Unidos] de responder às novas mudanças da história é por meio da criação de caos. Só que o caos, nesse sentido, eu entendo de uma maneira diferente, porque o caos não é só criado, é uma situação estrutural", afirma Vadell.

Vladimir Putin, presidente russo, ouve Xi Jinping, presidente chinês, durante cerimônia de boas-vindas aos chefes das delegações participantes do 3º Fórum do Cinturão e Rota, no Grande Salão do Povo, em Pequim. China, 17 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 08.11.2023
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Ele acrescenta que o mundo, hoje, vivencia um período de transição entre uma configuração unipolar — baseada em uma globalização neoliberal, que muitos acreditavam que iria perdurar ainda por muito tempo — e outra configuração, muito mais complexa, com característica multipolar.
Ele destaca ainda que há uma narrativa de Guerra Fria e aponta os documentos recentes dos EUA, que classificaram China e Rússia como potências revisionistas que ameaçam a estabilidade global.

"Está muito longe de ser uma Guerra Fria no estilo da década de 1960, 1970. A realidade é outra. A narrativa se manteve por inércia, mas a realidade é que convivem nessa transição guerras híbridas, guerras localizadas, guerras por recursos. Não só os velhos recursos tão importantes ainda como o petróleo e o gás, como também novos recursos para novas tecnologias, [e] a China, hoje, lidera na fronteira tecnológica."

Questionado se a guerra entre Israel e o Hamas beneficiaria Washington, uma vez que os Estados Unidos atualmente detêm 40% do mercado de produção de armas, Vadell afirma que "a produção e a venda de armamento no mundo é um grande negócio, seja de maneira legal e, sobretudo, de maneira ilícita também". Porém, ele destaca que os EUA têm outro alvo no conflito atual que não o Hamas.

"Ninguém vai combater um grupo terrorista mobilizando porta-aviões e navios de guerra no mar Mediterrâneo, como estão fazendo os Estados Unidos. Então o alvo não é o Hamas. Por isso, nós temos que observar esse conflito localizado na perspectiva geopolítica global. Nós temos uma configuração e uma mudança nessa geopolítica nos últimos dois anos que qualquer ocidental ficaria nervoso."

Segundo Vadell, essa mudança está relacionada à aproximação do Irã com a China e à aliança militar firmada entre Teerã e Moscou. Ele afirma que a entrada do Irã na guerra do Iêmen, apoiando os houthis contra a coligação saudita, que tem o apoio dos EUA, é outro fator de preocupação para os Estados Unidos, assim como a entrada do Irã e dos Emirados Árabes no BRICS+. "Então, o Hamas é mais uma peça. E o conflito Israel-Hamas é mais uma peça em algo muito maior."
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Vadell aponta ainda que os EUA perderam a capacidade e a legitimidade para sustentar uma invasão, como fez no passado com o Iraque, alegando a existência de armas de destruição em massa, que nunca foi comprovada, como pretexto para atacar o país e derrubar o governo de Saddam Hussein. Segundo ele, hoje os Estados Unidos enfrentam as consequências de sua política fracassada para o Oriente Médio.

"Há dois anos, [os EUA] se retiraram do Afeganistão, depois de 20 anos de ocupação. Qual é o resultado disso? O Talibã mais forte, com mais legitimidade interna. Eles [os Estados Unidos] começaram todo um processo de radicalização religiosa [do Talibã] e de utilização da religião durante a Guerra Fria. Observem os lutadores pela liberdade, os mujahideen, contra a União Soviética naquele momento. E o resultado foi esse. Em 20 anos de ocupação, [os EUA] não construíram uma ponte nem uma estrada."

O especialista destaca que Washington está engajado em cinco frentes: a disputa de influência com a Rússia, com a China, os conflitos na Ucrânia e, agora, no Oriente Médio; os problemas internos relacionados à crise econômica, que agravaram a desigualdade, e à crise na saúde, desencadeada pela epidemia no uso de opiáceos; "além da polarização existente [na sociedade norte-americana] em um cenário de pré-guerra civil para o ano que vem".

Biden falha em insistir em 'aliança inquebrantável' com Israel

Para Andrew Traumann, professor de relações internacionais no Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba) e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), e autor do livro "Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979–1985)", o presidente dos EUA, Joe Biden, errou ao não perceber a mudança na opinião pública norte-americana em relação a Israel e à Palestina.
Ele destaca que os Estados Unidos têm todo um histórico de intervenções no Oriente Médio, com grande influência das indústrias petrolífera e armamentista na eclosão de guerras e conflitos na região. Porém, ele ressalta que, desde 2010, há uma mudança na política externa norte-americana, que começou com o início da retirada de tropas do Iraque.
"Nós temos uma política externa norte-americana mais voltada ao que eles chamam de contenção da China", explica o especialista, acrescentando que o foco deixou de ser o Oriente Médio e passou a ser a Ásia.
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"Houve uma espécie de desengajamento dos EUA do Oriente Médio e, agora, o que nós estamos vendo é o presidente Joe Biden, mais uma vez, errando o tom, como sempre faz. Ele chega com aquele discurso pronto, de uma aliança inquebrantável entre Estados Unidos e Israel, de um apoio total e incondicional, e quando volta para casa percebe que o partido dele está rachado, pois há, hoje, dentro do Partido Democrata, muitos parlamentares que se colocam a favor dos palestinos."

Traumann afirma que, somado a isso, a memória do Holocausto está cada vez mais distante, à medida que o tempo passa e a cada nova geração nos EUA.
"A gente sabe que Israel, infelizmente, sempre utilizou muito a memória das vítimas do Holocausto quase como uma desculpa, uma carta branca, para fazer o que faz com os palestinos. Não é à toa que nós temos toda uma indústria cultural fazendo todo ano um filme sobre o Holocausto. Só que o que está acontecendo agora nos Estados Unidos é um fenômeno muito interessante. As últimas vítimas do Holocausto vivas estão morrendo. A cada ano que passa, essa memória do Holocausto vai se esvaindo, e nós temos uma efervescência, especialmente nas universidades americanas, de estudantes, de jovens, questionando esse alinhamento automático com Israel."
Questionado se a mudança na opinião pública americana pode resultar em uma mudança na política externa dos EUA, Traumann ressalta que as eleições podem moderar o discurso de Biden em torno de Israel, mas afirma que uma mudança substancial na agenda norte-americana em torno do assunto levará mais tempo.

"Ano que vem é ano de eleição nos Estados Unidos […], o único ano em que os políticos escutam mais os seus eleitores. Acho que essa aliança com Israel realmente não vai mudar, […] não é uma coisa que nós vamos ver. Talvez seja uma coisa para mais uma ou duas gerações. Mas acho que [o ano eleitoral] pode dar uma matizada, um pouco mais de equilíbrio [à retórica de Biden]. Porque o que Biden fez até agora foi basicamente dar uma carta branca para Benjamin Netanyahu fazer o que ele bem entender."

Política de contenção da China alimenta o 'fetiche' da Terceira Guerra Mundial

Questionado se a atual política dos EUA de contenção da China se dará militarmente ou diplomaticamente, Traumann ressalta que não há muita diplomacia envolvida quando os Estados Unidos levam navios de guerra para o mar do Sul da China. Ele aponta que a medida expõe um comportamento agressivo.
"Acredito que as questões comerciais entre China e EUA vão continuar de uma forma bastante acirrada. Não estou dizendo […] ou prevendo que haverá uma guerra entre Estados Unidos e China, porque isso, sim, seria o famoso fetiche de muita gente, infelizmente, que é o da Terceira Guerra Mundial. Porque toda vez que começa uma guerra, alguém pergunta se será a Terceira Guerra Mundial", diz o especialista.
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Ele acrescenta que as ações dos EUA em relação à China serão voltadas para a dissuasão de Pequim. "É a mesma lógica de quem tem uma bomba atômica. Ninguém tem uma bomba atômica para usar realmente, mas para manter os inimigos afastados. Então seria mais ou menos por aí."
Traumann observa que o desengajamento dos Estados Unidos no Oriente Médio possibilitou que a China ampliasse sua influência na região.

"Isso é muito interessante do ponto de vista de que a China, até então, era um país que tinha uma política externa muito tímida, que basicamente era tudo ligado apenas a questões comerciais. E em março deste ano nós assistimos a China mediar o reatamento das relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Irã, que estavam rompidas desde o final de 2016", destaca o especialista.

Ele explica que o avanço da China no Oriente Médio foi possibilitado, em parte, pela desconfiança que países da região têm dos EUA.
"O Irã não confia nos Estados Unidos, e tem todas as razões do mundo para não confiar. Então a China se mostrou um mediador mais imparcial, um mediador na acepção da palavra. A China é aquele país que quer ficar bem com todo mundo, […] tem ótimas relações com Israel, Arábia Saudita, Irã."
Segundo Traumann, "o interesse principal da China sempre vai ser o comercial, mas [o país] começa a atuar também nessa área diplomática, seguindo a lógica de que a paz é boa para os negócios".

"Seria ruim para as exportações chinesas [a eclosão de] conflitos, [o] rompimento de relações. Então […] tenta, de toda forma, dissuadir isso. Agora, se a China vai conseguir ser um mediador na questão entre Israel e Hamas, isso já é mais discutível. O caso dos EUA é exatamente o oposto. As armas movimentam seu comércio […], os Estados Unidos vendem armas para o mundo inteiro, têm uma indústria [bélica] que vem lá do tempo do presidente [Harry S.] Truman, uma indústria bélica que precisa girar, precisa dar vazão à sua produção. Por isso, eles precisam de guerras. Na história do norte-americano, eles não ficam uma década sem entrar em conflito."

Navio da Guarda Costeira da China (à direita) supostamente obstrui navio Malabrigo, da Guarda Costeira das Filipinas, perto do atol Second Thomas Shoal, no mar do Sul da China, 30 de junho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 23.10.2023
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