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Censo: como polarização, violência e atraso podem afetar retrato socioeconômico traçado pelo IBGE?

© Foto / Tânia Rêgo/Agência BrasilO recenseador Patrick Emanuel Miranda durante sua primeira saída para entrevistar a população
O recenseador Patrick Emanuel Miranda durante sua primeira saída para entrevistar a população - Sputnik Brasil, 1920, 01.09.2022
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Previsto para 2020, o Censo Demográfico do IBGE começou em agosto deste ano. A Sputnik Brasil conversou com o instituto, recenseadores e demógrafo para explicar os principais entraves e desafios da sondagem.
O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) teve início em 1º de agosto, após um atraso de dois anos e um corte de 96% no orçamento do instituto em 2021.
Foi o segundo atraso na pesquisa desde a primeira sondagem feita pelo IBGE, em 1940, quatro anos após sua fundação. O primeiro atraso ocorreu em 1990, durante a gestão de Fernando Collor de Mello. Na época, cortes orçamentários implementados pelo governo inviabilizaram a sondagem, que foi realizada apenas no ano seguinte.
Na conjuntura atual, a sondagem, que deveria ter ocorrido em 2020, foi adiada por conta da junção de dois fatores: a crise econômica e a pandemia de COVID-19.
O censo demográfico tem uma grande importância e não é realizado apenas pelo Brasil, mas por diversos países. Muito além da contagem populacional, ele oferece um retrato da situação socioeconômica atual da população. As informações coletadas na sondagem servem de base para a criação de políticas públicas nas áreas de saúde, previdência social e educação para a população em geral. A sondagem também possibilita a criação de políticas de assistência a grupos específicos, como mulheres, crianças, adolescentes e idosos.
Segundo um recente balanço, apresentado em uma coletiva do IBGE no último dia 30, quase 60 milhões de moradores já foram visitados.
Diante disso, a Sputnik Brasil explica como o atraso na realização do Censo pode impactar a sondagem e o teor dos dados coletados. Especialistas destacam como a polarização e o temor de violência afetam a sondagem. A Sputnik Brasil também conversou com representantes da iniciativa União dos Recenseadores, que relataram a situação dos cerca de 180 mil recenseadores, que têm um papel crucial na coleta de dados.
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Como o corte de recursos impacta na qualidade do Censo 2022?

Para José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, pesquisador aposentado do IBGE e colunista do site EcoDebate, "o ideal é que haja recursos econômicos abundantes e ilimitados para uma pesquisa". Porém ele argumenta que "evidentemente nenhum instituto consegue um cheque em branco para fazer um recenseamento".

"De fato, o orçamento do Censo 2022 foi muito restrito, e isso gerou uma série de limitações na preparação do levantamento. A não realização da contagem populacional, em 2015, também por falta de recursos financeiros, foi um fator que prejudicou a preparação para o censo atual", diz o demógrafo à Sputnik Brasil.

Alves também aponta que a polarização vem prejudicando a pesquisa. Segundo ele, "muitos recenseadores estão sendo mal recebidos e mesmo sendo vítimas de agressão por parte de alguns moradores".

"Tudo isso pode prejudicar a qualidade do Censo 2022. Mas ainda tenho a esperança de que o resultado final seja satisfatório e o Brasil possa ter um censo com uma boa cobertura populacional e um bom retrato da realidade do país", disse.

Embora pareça algo novo, a desconfiança em relação à sondagem é bem mais antiga. Antes da fundação do IBGE, o imperador Dom Pedro II determinou a realização de uma sondagem, em 1852, mas a iniciativa foi mal recebida pela população, que acreditava ser uma interferência na vida particular e uma tentativa de enfraquecer o poder da Igreja Católica.

Qual é o impacto do atraso na sondagem?

Para que o governo federal tenha um retrato preciso da situação socioeconômica do país, o ideal seria que a pesquisa fosse feita regularmente, a cada dez anos, e no meio desse período fosse realizada uma contagem populacional. José Eustáquio Alves argumenta que "essa regularidade é importante para se dar conta das mudanças ocorridas na sociedade".
O último Censo do IBGE foi realizado em 2010, mas a contagem populacional que deveria ter sido feita em 2015 foi adiada para 2016 por conta da crise econômica. Em 2016, com o país ainda em crise política e econômica, o levantamento foi cancelado.
A falta de dados da contagem populacional, somada ao adiamento do Censo em 2020, impede que o país tenha uma real noção de sua situação. Segundo Alves, "todo o país perde com o atraso do Censo Demográfico".

"As últimas informações gerais do país aconteceram no Censo 2010, que já está totalmente defasado. Por conta desse atraso, o IBGE (e o Brasil) não conhece a situação detalhada dos municípios, dos domicílios e da população. Isso prejudica as políticas de saúde, educação, emprego. Até os investimentos do setor privado também ficam prejudicados, pela ausência de informações detalhadas e atualizadas."

Consultado pela Sputnik Brasil, o IBGE informou que o orçamento solicitado pelo instituto para a realização da sondagem foi liberado após deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) e destacou que o cancelamento da contagem populacional de 2015 torna o Censo 2022 ainda mais importante.
"O IBGE espera fazer o melhor Censo possível e atender às demandas da sociedade brasileira pelas informações estruturais que balizam o seu planejamento, seja no âmbito das empresas, das instituições acadêmicas ou das três esferas de governo", disse o instituto.
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Qual a expectativa sobre o teor dos dados?

À Sputnik Brasil, o IBGE informou "que espera atender às expectativas da sociedade brasileira" e listou algumas novidades presentes no Censo 2022. O instituto aponta que a sondagem atual trará informações que não foram investigadas em recenseamentos anteriores, "como os dados sobre a população quilombola e sobre pessoas diagnosticadas como autistas, além do georreferenciamento de cada um dos domicílios do país".
"Essas coordenadas digitais permitirão o desdobramento dos resultados do Censo 2022 em diversos recortes geográficos que não eram exequíveis até então, como bacias hidrográficas, pequenos povoados rurais".
Alves, por sua vez, destaca que o recenseamento por si só "não é capaz de responder a todas as perguntas da sociedade".

"Conhecer a realidade local e nacional é essencial, mas não se pode cair no erro comum de esperar que o Censo Demográfico responda todas as perguntas demandadas pela sociedade. O mais importante não é responder tudo, mas sim ter uma completa cobertura geográfica e populacional, com uma estruturada caracterização demográfica, social e econômica de todos os domicílios e habitantes do país."

Ele acrescenta que "perguntas adicionais devem ser respondidas por pesquisas específicas com metodologias adequadas". "Outros inquéritos do IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [PNAD Contínua], a Pesquisa de Orçamentos Familiares [POF], a Pesquisa Nacional de Saúde [PNS] e a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde [PNDS], vão completar o conhecimento da realidade brasileira".
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Um ponto de controvérsia apontado por Alves é o tamanho do questionário do Censo Demográfico, que há anos é alvo de críticas. O Censo 2022 terá dois questionários: um básico, com 26 perguntas; e outro mais amplo, com 77 perguntas. Toda a população visitada responderá ao questionário básico, mas uma parcela de 11% será selecionada para responder ao questionário mais amplo. Essa seleção se dará de forma aleatória e apenas em municípios com grande população.
Alves considera que o atual "conjunto de perguntas é suficiente para traçar o retrato social, econômico e demográfico do país", mas destaca que o sucesso da sondagem também depende da população.

"O mais importante é que todos os habitantes do país possam responder todos os quesitos com o melhor grau de precisão possível. O Brasil está passando por uma conjuntura difícil, e o IBGE tem sido prejudicado em muitos aspectos. Mas agora o Censo 2022 está na rua, e é preciso a união de todos para que o recenseamento possa retratar da melhor forma possível a realidade brasileira", diz o demógrafo.

Qual a situação dos cerca de 180 mil recenseadores?

A situação dos recenseadores impacta diretamente na qualidade da coleta de informações. Pelo contrato, além do salário, eles têm direito a auxílio-transporte, auxílio-alimentação, auxílio-escolar e férias e décimo terceiro proporcionais. O pagamento do salário está ligado à produtividade e depende da quantidade de questionários aplicados. Atualmente eles têm uma meta de 95% de domicílios ocupados com questionário, com uma tolerância de 5% de recusas e ausências.
Porém muitos deles vêm se queixando de falta ou atraso de pagamento e afirmam que não têm recebido os benefícios, que são fundamentais para a realização da sondagem. Em 8 de agosto, o IBGE assumiu ter atrasado o pagamento de 44 mil recenseadores, se comprometendo a quitar o pagamento na semana seguinte.
A promessa, no entanto, não foi totalmente cumprida, o que desencadeou a realização de uma greve no último dia 26, organizada pela iniciativa União dos Recenseadores.
A Sputnik Brasil conversou com Gabriella Silva Freitas, responsável pela coordenação de comunicação da iniciativa, para entender a situação atual dos recenseadores.
Freitas destaca que, apesar da promessa do IBGE, alguns recenseadores "ainda estão com entre duas e uma semana de pagamento atrasado e outros ainda não receberam nada até o momento".
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Questionada sobre os benefícios firmados na contratação, ela informa que os recenseadores estão recebendo apenas "uma ajuda de custo, que é o dinheiro do transporte". "Esse pagamento está atrasado e alguns recenseadores nunca chegaram a receber", diz Freitas.
"Muitos recenseadores trabalham longe do posto de coleta e ficam sem ter onde almoçar. E com a falta do auxílio-alimentação, para comprar uma garrafa d'água ou um almoço, têm de tirar do próprio bolso", explica Freitas.
Ela também destaca que os recenseadores demandam um reajuste na porcentagem de recusas e ausências. De acordo com ela, a meta de 95% de domicílios ocupados com questionário, com uma tolerância de 5% de recusas e ausências, foi implementada após o treinamento e a contratação. "É uma meta quase impossível de atingir. Ficamos impedidos de fechar o setor e de receber o pagamento integral referente ao setor", explica Freitas.
Além do comprometimento com os pagamentos e o reajuste da meta, ela destaca que os recenseadores demandam total transparência por parte do IBGE, pois não sabem quando e quanto vão receber. "Estamos trabalhando no escuro em relação aos pagamentos", explica Freitas.
Com relação à forma como os recenseadores têm sido recebidos, ela afirma que "casos de violência são raros" e que "grande parte dos recenseadores é bem recebida pelos moradores".
"Esse número aumentou depois que começamos a expor nosso problema nas mídias. Alguns moradores têm um certo receio com relação à segurança, o que é totalmente compreensível. Mas após a verificação do nosso crachá e a confirmação de identidade, as pessoas ficam mais tranquilas", diz Freitas.
Consultado pela Sputnik Brasil, o IBGE informou que tomou conhecimento da mobilização pela greve. "Rumores sobre uma paralisação dos recenseadores chegaram à Direção do IBGE através das redes sociais."
"Os fatores que geravam entraves na operação censitária estão sendo equacionados e solucionados, para aumentar a eficiência do processo e garantir as melhores condições de trabalho aos nossos quase 200 mil servidores temporários", disse o instituto.
Questionado sobre a regularização dos pagamentos reivindicados, o IBGE informou que "mais de 95% dos problemas de pagamento ocorridos no início do Censo 2022 já foram solucionados".

"Isso foi exaustivamente explicado pelo IBGE em entrevista coletiva realizada na manhã de hoje [dia 30 de agosto]. Também foram implementados novos procedimentos para agilizar o processo de supervisão dos setores censitários já completados e entregues pelos recenseadores. Com isso, na operação censitária, será reduzido o intervalo de tempo entre a conclusão da tarefa e o recebimento da remuneração", informou o instituto.

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