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BRICS usa diplomacia cultural para difundir valores do grupo para o Ocidente, dizem analistas

© AP Photo / Gianluigi GuerciaLuiz Inácio Lula da Silva, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi e Sergei Lavrov posam para foto durante a Cúpula do BRICS, no Centro de Convenções de Sandton, em Joanesburgo. África do Sul, 23 de agosto de 2023
Luiz Inácio Lula da Silva, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi e Sergei Lavrov posam para foto durante a Cúpula do BRICS, no Centro de Convenções de Sandton, em Joanesburgo. África do Sul, 23 de agosto de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 29.04.2024
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam como países do grupo exportam cultura e modo de vida como ferramenta de soft power.
A diplomacia cultural é uma importante ferramenta de soft power. É por meio dela que governos ao redor do mundo propagam suas ideias e seus costumes para influenciar as sociedades de outros países.
Um dos exemplos mais clássicos de diplomacia cultural é a indústria cinematográfica dos EUA, que por meio de Hollywood propaga o modo de viver americano.
Diante de um mundo em transformação, com a ascensão do Sul Global, países do BRICS — um dos principais vetores dessa mudança — têm se voltado para a diplomacia cultural para difundir sua cultura e seus valores entre países fora do conjunto. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam como um grupo de países com características tão distintas pode usar a diplomacia cultural a seu favor.
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Pedro Paulo Martins, mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e bacharel em relações internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que a diplomacia cultural "é o aspecto mais humano da diplomacia, no sentido que toca as pessoas diferentemente".

"A maior parte do trabalho de diplomata é feito com outros diplomatas, seja do próprio país, ou seja, com outros diplomatas de outros países, ou então com seus superiores, […] inferiores ou seus colegas. A diplomacia cultural, principalmente quando atua de maneira concreta, não simplesmente na parte de elaboração de política, […] lida muito com o ser humano", explica.

Ele afirma que o Brasil investe em diplomacia cultural desde a época do Barão do Rio Branco, que atuava para patrocinar artistas brasileiros no exterior. Essa tendência continuou nas gestões de Getúlio Vargas.
"Ele tentou fazer isso. E aí tinha uma questão até interessante, que internamente Vargas apoiava a cultura popular brasileira, o samba, a capoeira, o futebol, mas quando tinha que exportar essa cultura, ele preferia a exportação da cultura clássica, a cultura erudita brasileira. Só a partir dos anos 60, 70, 80 que você começa a ter algumas obras mais populares. […] teve o show do Tom Jobim, em Nova York, inclusive com a participação do Frank Sinatra. […] teve vários outros elementos, mas sempre foi limitado por uma questão de orçamento."
Ele sublinha que um dos principais exemplos de exportação da cultura brasileira foi a cantora e atriz Carmen Miranda.
"Ela não é brasileira, ela é portuguesa, apesar de ser todo o estereótipo. Era um dos vários exemplos de atrizes, de artistas brasileiros, que foram para o exterior apoiados depois que tiveram sucesso."
Com relação ao BRICS, Martins aponta que os principais desafios dos países do grupo relativos à diplomacia cultural são o idioma e as diferenças culturais, uma vez que o grupo é heterogêneo.

"A cultura americana, com todos aqueles filmes de Hollywood e tal, eles são facilmente consumíveis em qualquer lugar do mundo. Porque o inglês é uma língua facilmente aprendida em qualquer lugar do mundo. É um pouco mais diferente do russo. […] o mandarim também é uma língua difícil de aprender, ainda mais para o ocidental, mesmo depois de várias reformas que o governo chinês fez na própria língua para tentar facilitar."

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Ele acrescenta que, nesse aspecto, "todos os países do BRICS […] estão mais ou menos nivelados, porque o que acaba sendo uma vantagem em um é uma desvantagem em outro".

"A questão diplomática também é difícil de comparar, porque os países do BRICS […] têm muita coisa em comum, mas eles também têm diferenças fundamentais."

Porém, Pedro Paulo Martins destaca que as duas principais potências do agrupamento, Rússia e China, têm institutos dedicados à difusão de sua cultura, o Instituto Pushkin, da Rússia, e o Instituto Confúcio, da China. Já Brasil e África do Sul têm questões econômicas que impedem um investimento maior em diplomacia cultural.
"Brasil e África do Sul, apesar de terem culturas mais ocidentalizadas, que seriam mais palatáveis para o Ocidente, porque seriam mais facilmente consumidas, têm dificuldade de orçamento."
Ele acrescenta que a questão do comércio influencia a diplomacia cultural e cita o exemplo da montadora chinesa BYD, que superou a Tesla na venda de carros elétricos. Segundo ele, essa também é uma estratégia do Brasil.

"É você chegar em um país e oferecer os seus serviços de cooperação técnica, como o Brasil já faz muitas vezes na África. Por exemplo, [] tem escritórios da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] na África. Você tem alguns escritórios da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] em Moçambique."

Diplomacia cultural blinda o Brasil contra hostilidades

Cássio Eduardo Zen, pesquisador do Grupo de Estudos sobre o BRICS da Universidade de São Paulo (GEBRICS/USP), doutor em direito internacional na USP e advogado em tribunais criminais internacionais, explica que "o Brasil tem uma imagem lá fora que é do indivíduo tranquilo, do indivíduo não agressivo".

"Não importa em qual país você estiver, você coloca uma bola de futebol e fala que é brasileiro, vão te reconhecer como brasileiro. Você vai estar relativamente seguro. Não há uma hostilidade grande contra o Brasil lá fora como a gente vê com outros países. Então isso daí é um exemplo de vitória diplomática", explica.

Ele destaca que os outros países da formação inicial do BRICS também têm investido na diplomacia cultural, e cita como exemplo Índia e China.
"A Índia, todo mundo gosta de alguma produção cultural deles, Bollywood, ioga, que são práticas que a gente tende a associar à Índia […]. Hoje é muito difícil você ver um filme, até mesmo os produzidos em Hollywood, que não tenha alguma referência chinesa. [No caso do] kung fu, por exemplo, as pessoas estão aprendendo chinês, adotando práticas culturais da China. A Rússia agora fez eventos esportivos de grande volume, [com] grande quantidade de pessoas. Isso daí não deixa de ser também uma diplomacia ligada, de certo modo, à cultura. A África do Sul, com a bandeira de que eles são uma porta de entrada para o continente africano e mostrando toda a cultura riquíssima daquele país."
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No entanto, ele sublinha que países que aderiram ao BRICS recentemente, como Arábia Saudita e Irã, têm mais dificuldade em exportar suas culturas para o Ocidente.
"A Arábia Saudita pode ter valores diferentes dos ditos do Ocidente. Eles têm a religião, a linha religiosa deles, a wahabita, que é bem estrita em uma série de elementos culturais, então a cultura ocidental acaba tendo um pouquinho de restrição em alguns aspectos lá. Por exemplo, o consumo de álcool é banido [na Arábia Saudita e] também no Irã."

Diplomacia cultural é sinônimo de soft power?

Questionado se no mundo contemporâneo a diplomacia cultural pode ser um sinônimo de soft power, suplantando a antiga diplomacia militar, Cássio Eduardo Zen explica que é "praticamente um sinônimo", mas destaca que há outras maneiras de exercer o soft power.

"A diplomacia é a arte e o soft power é o poder que é exercido através dessa diplomacia cultural, entre outros. A diplomacia cultural não é o único elemento de soft power dos países. Você tem um soft power, às vezes econômico, tem um poder que pode vir de várias vertentes. As pessoas dizem tradicionalmente que o hard power é o poder militar, é o poder que, por exemplo, o Brasil não teria, mas também vários países da Europa não têm um exército significativo", explica.

"O Japão, por exemplo, tem uma estrutura militar de autodefesa só, mas ainda assim eles têm um poderio econômico incrível para exercer a diplomacia deles, inclusive através de meios culturais. Então o que eu diria é que a diplomacia cultural é um elemento do soft power, mas o soft power pode ser exercido por outras maneiras, a diplomacia econômica e outras estruturas, como a diplomacia puramente dita. Então os países que têm uma circulação muito boa, por exemplo, no Conselho de Segurança das Nações Unidas [CSNU], países que têm influência em diferentes organizações internacionais e o próprio BRICS. O BRICS se desenvolve agora como um mecanismo de soft power também dos países do grupo."

Brasil como 'ponte' para o Sul Global

Cássio Eduardo Zen destaca que entre os trunfos da diplomacia do Brasil está o poderio econômico do país, que está entre os maiores do mundo, e o fato de o Brasil ser considerado "uma ponte para o Sul Global".

"Nós temos um poderio econômico, somos um país que alguns falam que somos uma potência regional, outros dizem que somos uma potência global. Nós somos um dos países que mais esteve no Conselho de Segurança das Nações Unidas até hoje, dos transitórios. Nós somos considerados uma ponte. A grande vantagem do Brasil é que nós sempre fomos considerados uma ponte entre o Norte Global e o Sul Global", afirma.

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Ele acrescenta que a força da diplomacia brasileira permite uma boa interlocução com países que não dialogam entre si.

"A gente senta na mesa [de negociações] com a Rússia, a gente senta na mesa com a China, a gente senta na mesa com Israel, a gente senta na mesa com a Palestina […]. o Brasil sempre foi um dos países que era considerado o mediador em várias situações e conversas dentro da ONU [Organização das Nações Unidas]."

Questionado se o fato de o Brasil ter se posicionado quanto à ofensiva de Israel na Faixa de Gaza — alinhando-se à África do Sul na acusação de genocídio perpetrado contra o povo palestino por parte de Tel Aviv — pode ter comprometido a agenda diplomática do governo brasileiro, Cássio Eduardo Zen destaca que o Brasil não teve opção a não ser se posicionar.
"A diplomacia é sempre uma corda bamba. Você tenta manter as relações de maneira amigável, até porque o Brasil, logo no começo da crise no ano passado, sempre se dispôs a tentar ser o mediador [do conflito entre Israel e o Hamas]. Só que diante do agravamento da situação, o Brasil meio que foi forçado a botar a carta na mesa e adotar um posicionamento mais assertivo. […] mas isso daí é o natural que acontece com os países conforme as crises vão se agravando. Então o Brasil teve que tomar um posicionamento […]. Isso daí faz parte da diplomacia. O Brasil toma um posicionamento, e por esse posicionamento sempre acaba sendo julgado. Apesar de o Brasil sempre buscar uma postura mais neutra, chega um momento em toda crise que os países acabam tomando um posicionamento um pouco mais incisivo", conclui.
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