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Crise entre Irã e Israel pode chegar ao bolso da população brasileira? Analistas explicam

© Marcello Casal Jr / Agência BrasilPosto de combustível em Brasília (DF)
Posto de combustível em Brasília (DF) - Sputnik Brasil, 1920, 22.04.2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam qual a possibilidade de o acirramento entre os países levar a uma disparada no preço do petróleo e como isso poderia afetar a popularidade de Lula.
A decisão do governo israelense de se lançar em um embate contra o Irã ameaça repercutir no bolso da população brasileira.
Teerã e Tel Aviv vivenciam uma escalada de tensão iniciada após Israel lançar um ataque contra a seção consular da embaixada iraniana em Damasco, na Síria, em 1º de abril, matando sete membros da elite do Corpo de Guardiões da Revolução Islâmica (IRGC, na sigla em inglês).
Desde então, houve retaliação do Irã, seguida de resposta de Israel, ambas em formas de ataques aéreos, com danos limitados, que serviram como medição de força entre os lados.
Porém as constantes postagens da chancelaria israelense nas redes sociais, defendendo o que chama de "parar o Irã", indicam que Israel ainda pretende seguir com os ataques ao país, da mesma forma como anunciou que vai manter sua ofensiva na Faixa de Gaza. Em ambas as frentes, Tel Aviv conta com o apoio incondicional de Washington, o que, segundo analistas, incentiva o governo israelense a assumir riscos elevados que podem agravar a crescente agitação no Oriente Médio.
Lar de uma das mais vastas reservas do mundo, com 33 trilhões de metros cúbicos, o Irã é um dos maiores produtores globais de petróleo. Ademais, o país é a potência dominante na região do estreito de Ormuz, no golfo Pérsico, rota marítima por onde passam mais de 30% do petróleo global. Embora não detenha o controle sobre a passagem, a ameaça de bloqueio à rota é apontada como uma das possíveis armas de dissuasão de Teerã, que caso seja consolidada teria impactos sem precedentes no fornecimento mundial de petróleo.
Veículos do Exército israelense se dirigem ao longo da fronteira com o território palestino em meio ao conflito entre Israel e o grupo militante Hamas, em 16 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 21.04.2024
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Atualmente, o preço do barril de petróleo bruto Brent, utilizado como referência na cotação, gira em torno de US$ 87 (R$ 453). Porém projeções apontam que o valor pode chegar aos US$ 100 (R$ 521) caso o acirramento entre as partes continue.
Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil alertam que se Israel optar por se engajar de fato em uma guerra com o Irã, é muito provável que os efeitos do confronto cheguem às bombas de gasolina no Brasil. E um aumento no preço dos combustíveis é sempre acompanhado de um efeito dominó, afetando todas as cadeias de produção e gerando uma alta inflacionária, sobretudo nos preços dos alimentos.
Na semana passada, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, descartou um aumento imediato no preço dos combustíveis, mas destacou que a empresa está acompanhando o cenário internacional.

"Estamos avaliando as condições todas de mercado. Não há razão nenhuma para aumento agora. Não está sendo avaliado [aumento para as próximas semanas]. Estamos monitorando o cenário internacional. Por enquanto não há nada que faça mover. E o preço do petróleo indica isso", disse Prates em um evento no Rio de Janeiro.

Quais as chances de uma disparada no preço do petróleo?

Mauro Rochlin, economista e coordenador acadêmico da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que se os preços do petróleo continuarem em um patamar elevado, "o aumento vai ser inevitável", uma vez que "a importação de óleo diesel e mesmo de gasolina se torna extremamente deficitário".

"Veja você que com essa defasagem os importadores já se eximiram de importar, ninguém vai importar petróleo por 'x' para vender aqui por um preço menor, não faria sentido. Lembro, aliás, que no governo Dilma [Rousseff], quando isso ocorreu, e ocorreu durante um bom tempo, a Petrobras é que ficou encarregada de fazer isso [vender abaixo do valor de mercado], portanto foi a Petrobras que foi penalizada", explica o economista.

A Cúpula de Ferro, sistema de defesa aérea israelense, é acionada para interceptar mísseis disparados do Irã, no centro de Israel, em 14 de abril de 2024 (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 15.04.2024
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Ele afirma que na época a Petrobras acumulou um prejuízo bilionário, que fez com que "se tornasse uma das petroleiras mais endividadas do mundo".
"Portanto, em longo prazo, havendo o aumento, mesmo a manutenção dos preços de petróleo nesse patamar [atual], e havendo a necessidade de importação, porque ela existe, o país não pode ficar desabastecido, certamente o governo vai ter que aumentar o preço. Acho muito difícil o governo assumir essa despesa. O governo tem hoje um déficit importante, tem problemas com relação ao arcabouço fiscal. A gente está vendo que a mudança de meta fiscal gerou uma turbulência muito forte no mercado. Portanto, não acho que essa conta vai ficar por força da Petrobras e nem vai ficar pendurada na conta do governo. Acho que, no final das contas, quem vai pagar o preço vai ser o consumidor mesmo."
O advogado e economista Alessandro Azzoni afirma que há possibilidade de uma ligeira alta no preço do petróleo, mas descarta uma disparada no valor da commodity. Ele ressalta que desde o início da guerra de Israel contra o grupo palestino Hamas houve pouca variação no valor do barril de petróleo Brent, que permaneceu girando em torno do patamar de US$ 90 (R$ 468), e aponta dois fatores que levaram a essa estabilidade: a mudança de matrizes energéticas, com maior procura por carros elétricos e fontes renováveis, e a desaceleração da economia global.

"A previsão do FMI é que o PIB mundial cresça no máximo 3%, quando muito ultrapassando 3,5%. Isso mostra que as economias do mundo vão crescer muito pouco, e uma vez que cresçam pouco, a demanda por esses derivados de petróleo, e pelo petróleo, para alavancar a produção, automaticamente cai. Por isso está estagnada [a cotação do barril]", explica.

Azzoni discorda que o Irã utilize o fechamento do estreito de Ormuz como estratégia. Segundo ele, o que ocorre é que quando conflitos eclodem no entorno da rota, ela é fechada por precaução, por conta da escalada de violência.
"Não é uma estratégia do Irã travar o estreito de Ormuz, é que como vira uma área de conflito, vai ter bombardeios, vai ter mísseis, ataques de aviões, porque aí se torna uma guerra muito mais intensa […]. Muito tempo atrás, quando teve o conflito no Haiti, automaticamente todos os voos que tinha para a Jamaica, para aquelas regiões, foram cancelados, pois se tornaram áreas de risco de guerra. Então é a mesma coisa, […] você fica naquela, bloqueia ou ataca aqueles navios [que transitam pelo estreito]."
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Ele afirma que se o estreito de Ormuz fosse bloqueado, nesse caso, sim, haveria uma disparada no preço do petróleo.

"Aí sim nós vamos ter um problema na alta dos preços, justamente porque ali praticamente escoam 30% da produção do petróleo consumido do mundo. […] realmente aí nós teríamos um impacto significativo ou provavelmente maior do que o da guerra da Ucrânia, que ultrapassou US$ 120 [o valor do barril do petróleo Brent]. E para as economias do mundo já colapsadas seria uma situação muito conflitante."

Ele acrescenta que nesse cenário o Brasil, como todas as economias do mundo, seria impactado, uma vez que os preços do petróleo são cotados internacionalmente.
"Apesar de o Brasil produzir petróleo, ele tem que acompanhar [a cotação internacional]. É o mesmo caso do preço do trigo, da soja. Se o preço da soja aumenta internacionalmente, você não vai falar para o produtor rural daqui vender mais barato porque vai ficar caro no Brasil. Ele tem seus custos de produção e ele tem que ter seus ganhos, porque nós vivemos em um país capitalista. É a mesma coisa [com o petróleo], a Petrobras tem um produto final que é cotado em dólares, ela teria que automaticamente ter seus lucros. Ela não pode pegar e subsidiar uma situação dessas, dando prejuízo a uma empresa totalmente de capital aberto para segurar mercado internacional", explica o especialista.
Porém ele sublinha considerar interessante a estratégia que vem sendo traçada pelo Ministério de Minas e Energia para blindar o país contra uma eventual disparada no preço do petróleo.

"O ministro de Minas e Energia [Alexandre Silveira] está fazendo uma força-tarefa justamente para acompanhar os preços e, se houver um risco de aumento por causa do conflito, fazer compras de contratos futuros a preços mais baixos, para assegurar o fornecimento a um preço mais baixo. Caso não tenha necessidade, ele vende esses contratos futuros mais para frente com preço maior e ainda tem uma lucratividade em cima disso."

Ele acrescenta que o Brasil é o nono produtor mundial de petróleo, mas poderia "ultrapassar tanto o Irã como os Emirados Árabes se houver a exploração na Amazônia Equatorial".
"Ali [na Amazônia Equatorial] tem um petróleo de muita qualidade, e aí aumentaria nossa capacidade produtiva."

Como a situação pode impactar a popularidade de Lula?

Pesquisas recentes apontam que a popularidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva caiu de 54%, em dezembro de 2023, para 51% em março deste ano. Para Rochlin, essa queda de popularidade pode se agravar, pois "aumento de preços nunca traz popularidade para governo nenhum".

"O governo está diante de um dilema, se aumenta o preço do petróleo. Certamente […] isso acaba por exercer pressão sobre a inflação, o que é ruim, e também é ruim sobre a popularidade do governo, sem dúvida nenhuma. Por outro lado, não aumentar significa tornar a condução da política macroeconômica muito mais difícil, portanto acho que o impacto vai ser, no final das contas, ou uma maior inflação, se o governo decidir pelo aumento de preços, ou então uma dificuldade maior em termos de condução da política fiscal do país", explica Rochlin.

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Azzoni, por sua vez, afirma considerar que "não dá para colocar os impactos da crise do petróleo somados com o cenário econômico do país".
"O que nós temos realmente [no Brasil] é uma crise fiscal, o governo gasta mais do que arrecada. Isso é uma preocupação, sempre foi um cenário muito grande das contas do PT: sempre gastou, sempre investiu mais, sempre acabou gastando mais do que arrecadava. Mas se você olhar no histórico do governo Lula no primeiro mandato, ele conseguiu reduzir a dívida pública na época, é o que [Fernando] Haddad [ministro da Fazenda] está tentando fazer: fazer com que as medidas que foram aprovadas, como a reforma tributária, a questão do arcabouço fiscal, sejam aprovadas nas regulamentações internas pela Câmara, para que isso possa ter resultado favorável, os resultados comecem a aparecer nas demonstrações financeiras. Senão não adianta nada ter aprovado uma reforma tributária, se você não tem as aprovações no Congresso", afirma Azzoni.
Ele acrescenta que o governo federal não tem gerência sobre uma crise internacional que impacta todas as economias do mundo, por isso considera "completamente absurda" a atribuição de culpa ao governo Lula. Ele afirma, no entanto, que a popularidade de Lula é afetada por questões econômicas internas.

"A questão fiscal, isso sim pode ser atribuído diretamente ao governo. O governo deveria fazer uma reforma administrativa, cortes significativos dentro do governo, elencar os projetos prioritários para que tenha a redução do déficit público; isso deveria ter sido feito. Eu acho que são duas coisas completamente desconexas [os preços do petróleo e a crise fiscal]. Lógico que dão impacto econômico, mas praticamente em uma o governo não tem gerência nenhuma. Na outra ele tem gerência e tem que realmente trabalhar nesse sentido, fazendo uma gestão maior nas questões das contas públicas, e cobrar do Congresso a sua aprovação sem contrapartidas. Porque não adianta nada você colocar projetos significativos, que vão trazer melhora para a população, se o próprio Congresso, o centrão, cobrar por isso. Aí a conta fica cara", conclui.

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