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'Sinal vermelho': analista explica qual é o papel dos EUA na crise desestabilizadora no Haiti

© AFP 2023 / Clarens SiffroyUm homem sai da área da prisão e abaixa a cabeça por causa do tiroteio nas proximidades, em Porto Príncipe, Haiti, 4 de março de 2024
Um homem sai da área da prisão e abaixa a cabeça por causa do tiroteio nas proximidades, em Porto Príncipe, Haiti, 4 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 12.03.2024
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Com uma crise social, econômica e política bastante grave, o Haiti representa um "sinal vermelho" cuja instabilidade poderá afetar em maior ou menor grau os países e regiões vizinhas, alerta um analista em entrevista à Sputnik.
Se a crise de segurança que o Haiti atravessa atualmente se prolongar, existe o risco de aprofundar a condição de Estado falido que vive a nação caribenha, afirma Rocío Méndez Bautista, mestre em relações internacionais pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM).
"Se essa situação continuar nos próximos dias, teremos que considerar o Haiti um Estado falido [...]", afirma.
No dia 3 de março, gangues armadas invadiram duas prisões em Porto Príncipe e libertaram mais de 3.000 presos, aumentando as tensões em torno do mandato do primeiro-ministro haitiano Ariel Henry, porque ele não convocou eleições desde o assassinato de seu antecessor, Jovenel Moïse, isto é, há quase três anos.
Devido à forte onda de violência, Henry não pode retornar à sua nação. Ele estava em Nova Jersey, nos Estados Unidos, quando a situação começou e, após retornar ao território caribenho no dia 5 de março, seu avião não conseguiu pousar. Embora procurasse descer na República Dominicana, o governo local o impediu de fazê-lo, então ele teve que descer em Porto Rico.
Primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry - Sputnik Brasil, 1920, 12.03.2024
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Mídia: primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, renuncia ao cargo
Entretanto, o governo haitiano, que está atualmente sob as ordens do primeiro-ministro interino Patrick Michel Boivert, declarou estado de emergência, que foi prorrogado até 3 de abril deste ano. Ao mesmo tempo, o corpo diplomático de diversas nações foi retirado do país caribenho e os voos na região foram suspensos. Escolas e edifícios governamentais estão sitiados e a economia local está virtualmente paralisada pelo crime.
Ao mesmo tempo, o ex-policial e líder de gangue Jimmy Barbecue Chérizier, acusado de alimentar a violência no Haiti, exigiu a renúncia de Henry ou, caso contrário, "iremos direto para uma guerra civil, que levará ao genocídio".
Henry renunciou ao cargo na noite desta segunda-feira (11). A decisão foi divulgada, segundo o G1, por Irfaan Ali, presidente da Guiana e atual líder da Comunidade do Caribe (CARICOM), da qual o Haiti faz parte, após a reunião da CARICOM sobre o Haiti, que aconteceu na Jamaica.

Repercussões para o Haiti e o papel dos EUA

As consequências desta onda de violência para o Haiti são de diversos tipos e vão desde o deslocamento forçado de milhões de pessoas até o aumento do número de homicídios. Mas, se não agirmos em pouco tempo, além do Estado falido, a situação poderá se espalhar para outras nações, reflete Méndez Bautista.

"[O Haiti] é um sinal vermelho no Caribe, ao qual se deve prestar muita atenção para evitar que isso se espalhe para outras regiões. É uma situação que saiu do controle", ressalta a acadêmica.

Quanto às nações que poderiam cair nisso, o especialista indica que onde haveria o maior boom seria em Porto Rico, não só pela sua proximidade geográfica, mas também pelos seus laços com os Estados Unidos.
"As gangues haitianas relutam [à intervenção de outros países] porque os Estados Unidos reconhecem o governo de Henry; culpam Washington por essa administração antidemocrática. Da mesma forma, o êxodo de pessoas pode chegar a Miami e até ao México [...]. Ao saírem, porém, membros de grupos de gangues poderiam entrar sorrateiramente, o que poderia causar alguma instabilidade [no território dos Estados Unidos], o que impactaria nas eleições presidenciais", explica o analista.
A ilha está atolada em vários problemas sociais e políticos há anos. Em 7 de julho de 2021, o presidente haitiano Jovenel Moïse foi assassinado, após meses de protestos contra ele, depois de o chefe de Estado ter aumentado o seu mandato por mais um ano e ter tentado realizar um referendo para modificar a Constituição.
Neste caso, estão sendo investigados o ex-primeiro-ministro Claude Joseph, o ex-diretor da Polícia Nacional do Haiti, León Charles, e a viúva do presidente haitiano, Martine Moïse, que foi hospitalizada após ser ferida no ataque contra seu marido. Da mesma forma, há mais de 40 detidos pelo assassinato.
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Após o crime, Moïse foi substituído por Ariel Henry, que deveria deixar o cargo em 2022. Porém, isso não aconteceu e ele deveria ter realizado eleições até 2025, o que gerou descontentamento na população local.
Outra prova da crise que o Haiti atravessa é a quantidade de moradores que fogem da ilha para outras nações. De acordo com o relatório "O Impacto do Deslocamento Forçado na Mobilidade Humana" apresentado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 71% dos haitianos indicaram que o motivo pelo qual deixaram suas casas foi o medo gerado devido à violência, isso pelo menos até 2023, que é o ponto final da investigação.

A pesquisa anda de mãos dadas com dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), que mostram que mais de 8.400 pessoas foram vítimas de violência de gangues no ano passado e, só de 3 de março até hoje, quase 15.000 pessoas tiveram que deixar o país.


Veículos carbonizados permanecem estacionados enquanto a violência de gangues se intensifica em Porto Príncipe, Haiti, em 9 de março de 2024.  - Sputnik Brasil, 1920, 10.03.2024
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Antigos laços com Washington

Desde o século XX, os Estados Unidos têm tido uma forte interferência na nação caribenha, primeiro devido a uma ocupação militar e, nos últimos anos, devido à dependência econômica gerada no território norte-americano, que lhe fornece armas e dinheiro.
"Há um jogo duplo, uma retórica dupla. Por um lado, há a questão humanitária com abrigos e tudo o que isso implica. E por outro lado, o reforço militar que nos Estados Unidos se traduz não no envio de tropas, mas em enviar dinheiro e armas para continuar multiplicando a guerra interna", declarou a pesquisadora Marcela Landazábal Mora, doutora em estudos latino-americanos e membro do Comitê Executivo da Associação Mexicana de Estudos do Caribe, em entrevista anterior à Sputnik.
Essa questão ganha ainda mais força depois que fontes próximas a Washington indicaram ao Marine Corps Times que Washington estaria analisando o envio de um grupo do Corpo de Fuzileiros Navais para o Haiti. Sobre o caso, Méndez Bautista detalha que isto seria contraproducente dada a situação atual na região do Caribe.
"O líder da gangue Barbecue está firme em sua posição de não acabar com o massacre até que haja eleições e o fato de um grupo de fuzileiros navais ou do Exército, até mesmo da Polícia Internacional, entrar para reduzir o nível de violência, causará uma questão mais complexa; está colocando lenha na fogueira e não seria uma decisão pertinente", acrescenta.
Além disso, ela recorda que, desde 2023, a ONU autorizou uma missão de segurança para enfrentar gangues haitianas, questão que não se concretizou devido a vários fatores, incluindo recursos econômicos para armar os agentes.
Para a internacionalista, grande parte dos problemas que atualmente assolam este território derivam de "más decisões, especialmente do governo dos EUA".
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Possíveis soluções para a crise no Haiti

Derivado da crise de segurança no Haiti, várias nações tomaram algumas medidas. O caso mais notável foi o dos Estados Unidos, que retirou por via aérea pessoal não essencial de sua representação diplomática no território caribenho em 10 de março.
Diante desta situação, os países que compõem a Comunidade do Caribe (CARICOM) e alguns outros, como o México e os Estados Unidos, realizam uma reunião de emergência na Jamaica, no dia 11 de março, para determinar estratégias para remediar o que está acontecendo na ilha.
Da mesma forma, alguns atores políticos na América Latina manifestaram-se sobre o assunto. O comentário mais recente foi do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que considerou que os grupos criminosos de Porto Príncipe deveriam ser aniquilados, como foi feito na nação que ele dirige.
Quanto à proposta do chefe de Estado salvadorenho, Méndez Bautista descarta que o modelo aplicado naquela nação possa ser implementado no Haiti, dado que cada país tem características diferentes, somadas ao fato de o sistema judiciário haitiano ser fraco neste momento.
A especialista opta por outros cenários. Por exemplo, que se pressione por melhorias locais antes de pedir mais apoio da comunidade internacional.
Da mesma forma, considera que as eleições devem ser realizadas o mais rapidamente possível. "A não presença do primeiro-ministro no Haiti pode ser aproveitada para começar a gerir e promover este evento democrático. Também teria que ser criado novamente um Parlamento porque foi dissolvido em 2020 por decreto", aponta.
Por fim, a internacionalista acrescenta que, através das negociações, os atores políticos procuram não só reduzir a violência, mas também garantir que não haja intervenção de outras nações nas eleições e na política haitiana em geral.
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