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Ao balancear interesses dos EUA e China, Cabo Verde dá exemplo de soberania, afirmam analistas

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O arquipélago de Cabo Verde, localizado no oceano Atlântico próximo à costa da África, é palco de uma disputa de grandes poderes mundiais. Sem pender para nenhum lado, a ilha africana exerce sua soberania equilibrando as influências antagônicas dos EUA e da China em função de seus interesses nacionais, disseram especialistas à Sputnik Brasil.
Por que Cabo Verde está sendo disputada pela China e pelos Estados Unidos? O que a nação de ilhas tem a oferecer? E como ela está conseguindo tirar o melhor proveito disso?
Essas e outras questões foram debatidas no Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.

O que EUA e China querem com Cabo Verde?

Cabo Verde recebeu nos mesmos dias uma visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e de uma delegação chinesa do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa (CPDFund, na sigla em inglês). Tamanha atenção dada ao pequeno país não é sem importância.
Para Kauê Lopes, professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o motivo não é comercial. "Países como Espanha, Portugal, Itália, Angola e África do Sul têm um peso muito maior nas parcerias comerciais de Cabo Verde do que China e Estados Unidos", afirmou.
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Dados do Observatório de Complexidade Econômica (OEC, na sigla em inglês) apontam que 9% das importações que chegaram em Cabo Verde são de origem chinesa, enquanto 40% são de origem portuguesa. Por outro lado, 63% dos valores obtidos das exportações cabo-verdianas foram para a Espanha, enquanto 4,3% se destinaram aos Estados Unidos.
João Almeida Medina, jornalista, professor e pós-reitor da Universidade de Cabo Verde, afirma que há um interesse claro dos EUA na ilha. "Todo apoio que se dá a Cabo Verde tem a ver com a estabilidade política e social do país, mas sobretudo com sua integração nessa costa ocidental africana."

"A ideia é que Cabo Verde possa servir de porta de entrada para um mercado extremamente importante com os países do CEDEAO [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental], um mercado com mais de 300 milhões de habitantes, mas que tem um problema permanente de conflitos."

O arquipélago, explica Medina, não tem esse problema de conflitos institucionais que podem levar a rupturas como o que acontece em países da região. "Cabo Verde tem essa força institucional de ser uma porta de entrada para essa região que 'vigia o político' extremamente importante para os Estados Unidos, não só do ponto de vista estratégico, político, mas também do ponto de vista econômico."
"Logo após 1975, que é o ano da independência de Cabo Verde, a China apoiou a construção do Palácio do Governo, a construção do Palácio da Assembleia Nacional, e depois foram apostando na construção de infraestruturas, nomeadamente da captação de águas, que é extremamente importante para um país onde chove pouco", destaca Medina.
Kauê Lopes destaca que essa área do Atlântico ainda possui grande valor estratégico para ambas as nações. É nela que os EUA delimitaram seu domínio de expansão durante o início do século XX e, ao mesmo tempo, é uma zona de difícil influência para seus opositores geopolíticos — primeiro a União Soviética e, agora, a China.

"A China batalha em outros termos, diferentes da União Soviética, mas é uma área de desafio à expansão dessa força asiática na atualidade."

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'Pragmatismo diplomático': uma estratégia africana

Como Cabo Verde consegue equilibrar essas duas influências estrangeiras, de poderio econômico e político milhares de vezes superior?
A resposta é, segundo Medina, uma tradição da administração pública de Cabo Verde, o "pragmatismo diplomático". "Mesmo quando da luta pela independência de Cabo Verde, a partir das matas da Guiné-Bissau", afirma o pós-reitor, "os ideólogos da independência de Cabo Verde tiveram a destreza de perceber que tinham que ir à procura de apoios, tanto do chamado mundo socialista, do bloco socialista, como do mundo ocidental, do bloco capitalista."

"Sempre navegamos nesses dois mundos com uma grande capacidade tátil e estratégica para conseguir os objetivos de um país pequeno, com uma população não mais de meio milhão de habitantes, sem recursos naturais."

"Esta é a grande aventura cabo-verdiana nas relações internacionais: conseguir atrair apoios de blocos diferentes", analisou Medina.
Kauê Lopes destaca que Cabo Verde consegue realizar um exercício de soberania ímpar. "O que estão fazendo é exercer a sua soberania diante das possibilidades que se apresentam."
"Se é um país que está negociando com duas forças políticas que estão postas em um campo antagônico, vamos dizer assim, Estados Unidos e China, significa que ela está exercendo plenamente a sua soberania e discutindo melhores alternativas políticas e econômicas em função dos seus interesses nacionais".
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Para o professor da Unicamp, essa política neutralidade perante os grandes conflitos ideológicos mundiais é uma estratégia adotada por muitos líderes africanos. "Os países africanos têm uma inteligência importante de ser apontada ao lidar justamente com esses interesses externos."

"Na Guerra Fria, os países africanos foram, de certa forma, exitosos em manejar diálogos com os Estados Unidos e a União Soviética ao mesmo tempo. Teve até algumas obras de infraestrutura que foram construídas com financiamento soviético e estadunidense, que é o caso, por exemplo, da represa de Akosombo."

Que outras relações tem Cabo Verde?

Uma das peculiaridades de Cabo Verde é que o arquipélago só foi habitado a partir das navegações portuguesas. Descoberta em 1460, logo a região se tornou instrumental no comércio escravagista, sendo colonizada por europeus e africanos trazidos do continente.
Com forte miscigenação e uma história que inicia com a sua colonização, Cabo Verde hoje mantém boas relações com países europeus, como Espanha, Portugal, Itália e nações africanas, sendo membro da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
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A depender do país que está em poder, aponta Medina, ora Cabo Verde aponta para seu lado europeu, ora para o lado africano, com fortes relações tanto com países da CEDEAO quanto com outros de língua portuguesa, como Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique e, agora, com a francófona Guiné Equatorial.
Para o especialista, contudo, essa posição indecisa, que de certa forma atrasa uma maior integração aos países africanos, é errônea.

"Do ponto de vista das relações internacionais", afirma, "há sinalizações claras tanto da parte da Rússia como dos Estados Unidos, da China e da Europa de que o que interessa é haver essa integração africana".

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