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Corte de 70% na pasta da Defesa e em investimentos do PAC pode afetar relação de Lula com militares?

© Ricardo Stuckert / Presidência da RepúblicaPresidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia do Dia do Exército. Brasília, 19 de abril de 2023
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia do Dia do Exército. Brasília, 19 de abril de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 09.02.2024
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Para evitar uma desidratação nos recursos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), principal vitrine do novo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo federal cortou quase R$ 1 bilhão dos recursos para custeio dos ministérios. O maior deles foi na pasta da Defesa, que chegou a 70%.
Considerada uma das alas mais sensíveis para o governo do presidente Lula, diante do forte apoio ao antecessor Jair Bolsonaro e até o envolvimento de alguns militares na tentativa de golpe orquestrada pelo antigo governo, como revelou a operação da Polícia Federal na última quinta-feira (8), o petista teve uma difícil escolha no início do mandato sobre quem comandaria o Ministério da Defesa. Pela primeira vez em cinco anos, um civil foi alocado para o cargo, que dialoga diretamente com os comandos das Forças Armadas.
Para enfrentar o desafio, coube ao político considerado experiente e que também possui trânsito com civis e militares, José Mucio Monteiro Filho, que logo nos primeiros dias de trabalho já enfrentou os ataques do 8 de Janeiro de 2023 aos três Poderes da República. O coordenador do MBA em gestão financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, disse à Sputnik Brasil que o ministro tem "prestígio" frente ao governo Lula e, apesar de assustar, o corte deve ser recomposto ao longo do ano e não deve afetar as relações entre os setores. Os recursos passaram de R$ 103,6 milhões no ano passado para R$ 42,3 milhões em 2024.

"Proporcionalmente, foi um corte elevado. Agora, esses cortes normalmente são feitos quando você precisa fazer ajustes no orçamento de uma maneira geral. E, depois, dentro das reais necessidades de cada ministério, a situação é recomposta. Então, o que é um orçamento? O orçamento é uma autorização para o gasto. No momento que você, por exemplo, suspende a autorização para o gasto, isso não significa que você não vai encontrar outras formas de financiar aquelas despesas que estavam ali", resume o especialista.

A tesourada, que acende alerta entre servidores e dirigentes da pasta, está relacionada aos gastos administrativos para manter as atividades, como contas de água e luz, papel e projetos internos, mas não afeta as despesas com pessoal. Além disso, também não possui relação com o funcionamento das Forças Armadas, que possuem orçamento separado.
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Para o professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Bocaccio Piscitelli, é um corte substancial, mas que não é exclusivo da Defesa. Toda a administração pública perdeu R$ 1 bilhão para o custeio das rotinas administrativas, apesar de pastas como Direitos Humanos virem um incremento nos recursos. "O que não se pode comprometer são aquelas despesas de manutenção sem as quais se deterioraram o patrimônio público, e pelo descaso com a conservação do que já foi construído, corre o risco de ter de refazer da estaca zero", disse à Sputnik Brasil.
Além disso, o especialista pontua que "tudo é um grande xadrez político", no qual ministros mais "fortes" tendem a manter mais integridade em seus orçamentos e preservar fatias de poder. Para Piscitelli, cortes e contingenciamentos podem revelar deficiências na elaboração das despesas. "Um orçamento criterioso pode escalonar as necessidades, evitando descontinuidades e paralisações e, consequentemente, desperdícios com obras e serviços interrompidos ou abandonados, conjugando-se a execução financeira com a programação orçamentária, evitando o acúmulo de restos a pagar e conciliando as necessidades com as possibilidades", acrescentou.
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Quantos por cento do PIB o Brasil investe em defesa?

Em um cenário de redução do orçamento de custeio para a Defesa, que também sofreu um corte dos recursos destinados para o PAC neste ano — de R$ 6 bilhões para R$ 5,6 bilhões —, o Congresso Nacional discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê um mínimo anual de 2% do produto interno bruto (PIB) para a Defesa Nacional. Historicamente, o Brasil possui um gasto de 1,4% a 1,5% no setor contra 2,3% da média mundial antes do aumento das tensões geopolíticas ao redor do globo, que devem ter feito o percentual aumentar.
O professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest-UFF), Eduardo Heleno de Jesus Santos, pontuou à Sputnik Brasil que 80% dos gastos da área estão relacionados às despesas de pessoal e o que sobra vai para investimentos em tecnologia, projetos e gastos administrativos. "Esses cortes realizados não afetam tanto a questão operacional. Muitas vezes, esse corte inicial é feito e, dependendo do sucesso econômico [do país com a arrecadação], isso é recuperado. Agora, é claro que os comandantes militares vão solicitar sempre maior apoio, visando esses 2% que ainda não temos no Brasil", declarou.
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Como funciona o sistema de defesa do Brasil?

Apesar da estratégia brasileira de defesa estar focada na ação diplomática, a atuação das Forças Armadas é crucial para o país e as relações externas. Porém, há uma série de desafios no setor, como o baixo investimento e, principalmente, os altos gastos com despesas de pessoal, aponta o especialista. Segundo Santos, mesmo com uma eventual aprovação da PEC dos 2%, essa situação pode ser uma barreira.

"Tradicionalmente no Brasil, os gastos de defesa são estruturados com pessoal por conta de questões como pensões de filhas e familiares de militares que consomem uma boa parte desse orçamento. Mesmo com a mudança efetuada nos últimos 20 anos, era comum um oficial ir para a reserva com dois postos acima do período que ele realmente estava. Então, um major vai direto para coronel, com um salário infinitamente maior. Por mais que se aprove a PEC dos 2%, ainda vai ter um nível de gasto com pessoal muito elevado", enfatiza.

Além disso, o especialista pontua que a questão da Defesa vai muito além das Forças Armadas. "Tem a ver com um complexo acadêmico e industrial que uma sociedade pode construir, a mobilização de vários setores sociais em torno da defesa, e nisso estamos um pouco atrás. Não é só o equipamento militar, é uma cultura ampla, que enquadre e absorva as demandas de Norte a Sul do país, com integrantes também da sociedade civil. Nesse aspecto, o diálogo está sendo formulado, mas ainda não está maduro", diz.
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Início caótico no governo

O professor da UFF avalia ainda que José Mucio assumiu o ministério em meio a uma profunda crise logo nos primeiros dias de governo: a invasão das sedes dos três Poderes em janeiro de 2023. Além disso, Santos lembra que o almirante Garnier Santos, então comandante da Marinha e próximo ao ex-presidente Bolsonaro, não participou da cerimônia de troca de cargo para o almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen, algo inédito na história.

"Toda a estrutura militar passou por uma tensão muito forte. Então o Mucio, ao assumir, teve que lidar com uma instituição que passa por uma profunda crise interna e, ao mesmo tempo, servir de ponte para o presidente da República, que foi visto por muitos militares da reserva como um inimigo. Então ele tem tido jogo de cintura para fazer isso, tem também uma boa influência", finaliza.

Já o Ministério da Defesa afirmou que "diante do atual cenário orçamentário, técnicos da pasta buscam alternativas para assegurar a manutenção das atividades e dos principais projetos do Ministério".
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