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Do Sul Global para o Sul Global: banco do BRICS se consolida como alternativa ao sistema ocidental

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Sede do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) em Xangai, na China - Sputnik Brasil, 1920, 05.02.2024
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Fundado há dez anos por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) iniciou as atividades em 2015 com foco em ampliar empréstimos em moedas locais e apoiar o avanço da infraestrutura nos países. E cada vez mais se consolida como alternativa às instituições dominadas pelo mundo ocidental.
Criado pelo Sul Global para o Sul Global. Com capital inicial de US$ 100 bilhões (R$ 496,2 bilhões), um acordo histórico firmado durante a cúpula do BRICS em Fortaleza, no Ceará, em julho de 2014, selou a criação de uma nova instituição financeira revolucionária: o Novo Banco de Desenvolvimento. Além dos cinco membros fundadores, fazem parte do NBD Bangladesh, Egito e Emirados Árabes Unidos. O Uruguai está em processo de adesão e a Arábia Saudita iniciou negociações para aderir.
O professor do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Bruno de Conti lembrou, em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que o banco do BRICS se consolida cada vez mais como uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI). "Um banco precisa ter retorno sobre os seus empréstimos, mas o Banco Mundial [e o FMI], como todos sabemos, acaba tendo uma atuação que vai muito além de meramente oferecer crédito", diz.
Conforme o especialista, a organização faz imposições aos países que recorrem ao financiamento sobre como gerir a própria economia, além de pressionar por reformas trabalhistas e previdenciárias e políticas de austeridade, ao contrário do NBD, que não realiza tamanhas exigências. Outra questão que o torna inovador na comparação com as tradicionais instituições ocidentais é o "equilíbrio na alocação de recursos feita por cada país-membro, para que não ocorra mudança na estrutura de governança".

"Isso é o contrário do que é feito com o FMI, onde a maior parte dos recursos vem dos Estados Unidos, e o poder de veto [sobre projetos] advém desse montante, o que significa que para decisões relevantes [serem aprovadas] é necessário alcançar 85% dos votos; para outras é metade mais um. E os EUA, tendo essa cota maior, têm 17% dos votos, o que significa que sozinhos têm poder de veto sobre qualquer coisa que seja relevante dentro do fundo monetário", explica.

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Brasil deve ter mais projetos aprovados no banco

A cada quatro anos um país-membro assume a presidência rotativa do Novo Banco de Desenvolvimento, que entre 2021 e 2025 cabe ao Brasil. Desde o ano passado, com a mudança no governo federal, a ex-presidente Dilma Rousseff está no comando da instituição, que só em 2023 emprestou US$ 2,8 bilhões (R$ 13,9 bilhões) ao país — o montante representa 45% de todos os recursos já destinados. Também há financiamentos a projetos nas áreas de energia limpa, saneamento básico e desenvolvimento ambiental, além de infraestruturas digital, social e de transportes, tanto para o poder público quanto para o setor privado.

"No caso brasileiro, nos primeiros anos o desembolso [do banco] foi muito baixo. Já temos um banco de desenvolvimento interno, que é o BNDES, e que em alguma medida já cumpre essa função de fomento a crédito de longo prazo e com taxas subsidiadas. Mas acesso a crédito nunca é mal visto, e um dos motivos que levaram [ao baixo uso de recursos inicialmente] foi a ausência de um escritório no Brasil, e isso faz diferença. Agora tem em São Paulo e Brasília, fazendo com que os possíveis demandantes de crédito tenham maior conhecimento sobre o banco", resume o especialista.

Para ele, um dos maiores desafios do banco é justamente ampliar a concessão dos empréstimos em moedas locais, o que protege os contratos das flutuações cambiais — a meta é chegar a 30% das transações realizadas. "O sistema monetário internacional tem um componente inercial que faz com que não seja fácil fugir da chamada armadilha do dólar. Tem questões técnicas que tornam difícil para o NBD emprestar em real. Afinal de contas, os seus ativos são em dólares, eles teriam que captar em real no Brasil", acrescenta.
Além disso, há uma série de pressões exercidas pelos Estados Unidos, que, segundo Bruno de Conti, usam o dólar até como arma de guerra. "Embora haja motivos suficientes para isso [caminhar rumo à desdolarização], os EUA não vão abrir mão disso, sabem do poder que possuem em função do dólar. São poderes que se retroalimentam, eles terem a moeda-chave e o poder bélico. Certamente vão reagir, e já estão", frisa.

Qual é o principal objetivo do banco do BRICS?

Paralelamente ao NBD, que é um dos instrumentos criados pelo BRICS como alternativa ao sistema monetário e financeiro internacional, o professor da Unicamp citou as quatro iniciativas propostas pela Rússia, que neste ano assumiu a presidência do grupo, para os bancos centrais dos países-membros. Entre as principais, conforme o analista, está reduzir o poder das agências de classificação de risco, que avaliam a economia dos países e empresas ao redor do globo — atualmente as principais são Moody's, Fitch e S&P (Standard & Poor's), todas sediadas nos Estados Unidos.

"É um absurdo o poder dessas agências de rating que hoje dominam o mercado financeiro internacional, porque estão avaliando não apenas empresas, mas também países e seus setores públicos. Quando elas atribuem nota A mais, B menos, tiram ou dão o grau de investimento a um país e tiram do outro, e ficam na base das ameaças também. Eu fiz um estudo junto com alguns colegas, a gente olhou mais de 80 relatórios dessas agências, e são ameaças o que elas fazem", enfatiza Conti.

Um exemplo é a pressão exercida contra o Brasil durante o auge da pandemia, quando eram registradas mais de mil mortes por dia, para políticas de austeridade. "Então essas agências têm um protagonismo aberrante e que acaba sendo, inclusive, antidemocrático. Muitas vezes um governo é eleito com uma plataforma e é impedido de fazer essa plataforma por uma coação feita via mercados financeiros e vocalizada por essas três agências, sobretudo. Então o enfrentamento do poder dessas agências de rating e a tentativa de criar alternativas é parte relevante desse esforço para transformar o sistema", diz.
Outro ponto importante é o esforço na criação de alternativas às plataformas de pagamento internacionais, também dominadas pelo Ocidente.
"Isso em função das sanções também, que não são novas. Foram feitas contra Venezuela e Irã, mas na proporção que vêm sendo feitas com a Rússia é inédito. E deixa mais explícito para o mundo o risco geopolítico disso tudo. Os Estados Unidos usam dessas plataformas como uma arma para tentar desestabilizar países entendidos como rivais", conclui.
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Quem financia o banco do BRICS?

Os recursos do banco são alocados justamente pelos países-membros, que não necessariamente também fazem parte do BRICS. "O NBD, digamos que possui resultados mais concretos, porém menos ambiciosos. Resultados como o de Bangladesh [que não faz parte do grupo], com uma economia carente de recursos e financiamento para obras de infraestrutura. Mas, claro, a participação no BRICS abre portas […]. Há a articulação de interesses em torno de propostas comuns, e não se restringindo somente aos encontros do BRICS, mas também em outros mais amplos, como o G20, que vai acontecer no Brasil, no qual podem emplacar agendas comuns."

Já a professora associada da O.P. Jindal Global University Karin Costa Vazquez pontua à Sputnik Brasil a importância de o Novo Banco de Desenvolvimento ter a atuação focada nos países emergentes. No caso da entrada de algum país desenvolvido, há limite de participação acionária em 20%. "Essa é uma grande inovação, quando, na verdade, em várias das outras instituições do sistema de Bretton Woods essa relação é inversa. Os países desenvolvidos que emprestam os recursos têm um poder de voz e voto maior, comparados aos países que tomam os empréstimos", afirma.

Como um exemplo da importância de instituições alternativas como o NBD, Vazquez cita a grave crise vivida pela América Latina na década de 1980, quando as dívidas já eram bastante atreladas ao dólar. "Quando as taxas de juros nos Estados Unidos subiram, houve uma quebra generalizada. Por isso é preciso fortalecer o uso das moedas nos países, por diferentes razões. No ano passado, o Brasil e a China assinaram um acordo para fazer uso do yuan e do real nas transações entre os dois países. Existem estimativas hoje de que isso traria uma redução de até US$ 1 bilhão (R$ 4,57 bilhões) em dez anos em custos de transações comerciais entre os dois países", conta.

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