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'Déficit de modernidade': representante do Brasil diz que G20 terá reforma da ONU como prioridade

© AP Photo / Ted ShaffreySede da Organização das Nações Unidas (ONU) durante Assembleia Geral com os 193 Estados-membros. Estados Unidos, 12 de dezembro de 2023
Sede da Organização das Nações Unidas (ONU) durante Assembleia Geral com os 193 Estados-membros. Estados Unidos, 12 de dezembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 05.02.2024
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Desde dezembro o Brasil exerce a presidência do G20, cuja cúpula será realizada em novembro, no Rio de Janeiro, em meio à escalada de conflitos e falta de efetividade da principal organização internacional. Além das discussões sobre mudanças climáticas e o combate à fome, o Brasil terá como prioridade a agenda de reforma das Nações Unidas.
Um dos conflitos mais sangrentos da história recente do Oriente Médio tem levantado preocupações em todo o mundo, diante da possibilidade cada vez maior de uma escalada dos combates em outras regiões além da Faixa de Gaza. Após quase quatro meses, dados apontam mais de 100 mil palestinos mortos, feridos ou desaparecidos. Ainda em dezembro, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) chegou a aprovar uma resolução que pedia o cessar-fogo e o envio de ajuda humanitária, que foi totalmente ignorada por Israel.
A falta de efetividade na atuação da principal organização internacional levou o Brasil a ter como uma das prioridades na presidência do G20 a reforma da governança global de todo o sistema das Nações Unidas. É o que contou o embaixador Mauricio Lyrio, coordenador da Trilha de Sherpas (como sherpa brasileiro, Lyrio é representante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva), em entrevista coletiva realizada nesta segunda-feira (5).
Em preparação para a cúpula de novembro no Rio de Janeiro, o país começa neste mês a receber as reuniões ministeriais, sendo a primeira nos dias 21 e 22 com os chanceleres do grupo.
"Sabemos que há tensões geopolíticas no mundo, e cabe aos chanceleres discutir esses temas para, eventualmente, levar aos líderes. Uma das questões centrais é a reforma da governança global. E no centro disso está, naturalmente, a necessidade da reforma da principal instituição, que é o sistema das Nações Unidas", defendeu.
Para o embaixador, a entidade, que foi criada há quase 80 anos, ainda na década de 1940 e em um contexto de fim da Segunda Guerra Mundial, vive um "déficit de modernidade", além de não conseguir representar o mundo multipolar. Diante disso, é necessário repensar a estrutura das Nações Unidas, tanto nas áreas política, econômica e comercial como também no Conselho de Segurança, que conta com os mesmos membros permanentes desde a criação (apenas China, Rússia, Estados Unidos, França e Reino Unido).

"Então eu diria que o tema reforma da ONU é muito mais amplo, que tem a ver com a eficácia e a representatividade. Isso passa, sim, pela reforma do Conselho, mas não é só isso. É todo um repensar de uma organização que foi criada na década de 1940, e nós estamos em 2024. Já se passaram muitos anos, e é necessário ajustar. Nós enfrentamos desafios globais, que, como o termo diz, requerem soluções globais, coordenadas entre os países", declara.

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O que é a ONU e para que serve?

Criada para intermediar as relações internacionais, além de harmonizar a ação das nações diante de objetivos comuns rumo ao desenvolvimento e à paz mundial, a ONU está com a atuação cada vez mais enfraquecida, diante de um momento "tão grave da humanidade". É o que já avaliou em diversas situações o governo brasileiro.
"Se não há organizações internacionais fortes, é mais difícil encontrar soluções e ainda mais difícil implementar as soluções aguardadas pelos países. Como disse o presidente [Lula] em Hiroshima [no Japão], você pode até chegar a algumas decisões, mas na hora de ter, eu diria, o empenho dos países para implementar essas medidas, [esse objetivo] não será suficiente se nós não tivermos organizações internacionais fortes", afirmou o embaixador.
O sherpa brasileiro também lembrou que, segundo estatísticas de organizações não governamentais ligadas à paz, o mundo tem atualmente pelo menos 183 conflitos, número que atingiu um recorde no ano passado.
"Uma ONU forte é a base para a paz. A ONU foi criada justamente para prevenir novos conflitos, só que os novos conflitos estão acontecendo, e, com isso, nós temos dificuldade de concentrar recursos e atenções nos temas do desenvolvimento", relata, acrescentando que em situações assim os países direcionam mais investimentos para a área militar, e o enfrentamento aos desafios sociais acaba em segundo plano.

"A proposta apresentada pelo Brasil na reunião de sherpas inclusive foi muito bem recebida. Esse não é um processo simples, mas o que queremos, durante a presidência brasileira, é impulsionar uma reforma, que obviamente não pode ser feita só pelos países do G20, até porque seria contraditório ao maior objetivo, que é ser uma organização mais representativa. Então não adianta também excluir os demais desse processo", resume.

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Reforma das instituições financeiras

Uma das principais entidades financeiras da ONU, juntamente com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem em sua cartilha o compromisso em reduzir a pobreza do mundo, além de gerar crescimento econômico sustentável. Porém, cada vez mais, tem exigido dos países reformas e políticas de austeridade, a exemplo da Argentina, que afetam drasticamente os investimentos nas áreas sociais. Esse é um dos pontos que devem ser discutidos pelo Brasil durante o G20.
"Um eixo que já está bem avançado, eu diria, é a questão da otimização dos recursos, tanto do Banco Mundial como do FMI. Hoje em dia, os critérios para aprovação de empréstimos e toda a mecânica faz com que a gente não aproveite totalmente os recursos disponíveis. E a visão do Brasil é que esses recursos têm que ser aproveitados e destinados aos países em desenvolvimento", explica.
O país também defende o fortalecimento de instituições como o Banco Mundial, com mais recursos e também representatividade dos países. "Isso é um processo também complexo. É uma tradição do Brasil de reivindicar maior, eu diria, equanimidade, maior equilíbrio, em termos de voto e voz, tanto no Banco Mundial como no FMI, para que países em desenvolvimento tenham maior capacidade de representação", pontua.
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Combate à fome e mudanças climáticas

Por fim, o embaixador brasileiro lembra a criação de duas forças-tarefa com o objetivo de discutir e avançar em temas caros à humanidade: combate à fome e mudanças climáticas. Conforme Mauricio Lyrio, mais de 750 milhões de pessoas estão em situação grave de insegurança alimentar em todo o mundo, e para enfrentar essa situação o Brasil sugere a criação da Aliança Global contra a Fome.

"O Brasil conseguiu sair do Mapa da Fome depois dos esforços em termos de programas sociais e distribuição de renda, e sabe que isso é possível por meio desse conjunto de políticas. Queremos lançar essa iniciativa baseada nesses modelos. A questão da fome não é só de recursos financeiros e oferta de alimentos. Há países que produzem 11 vezes mais do que necessitam e ao mesmo tempo possuem fome. A questão é como mobilizar as instituições, como o FMI, o Banco Mundial e bancos de desenvolvimento em geral, para temas como a pobreza extrema", frisa.

Já com relação ao enfrentamento das mudanças climáticas, Mauricio Lyrio lembrou que o Acordo de Paris previa que entre 2020 e 2025 os países desenvolvidos investissem anualmente US$ 100 bilhões (R$ 499 bilhões) na área, o que não tem sido cumprido.
"O objetivo brasileiro é mobilizar mais recursos contra a mudança do clima e tornar mais igualitário o acesso aos recursos. Muitos dos países que têm que fazer a transição energética hoje contribuíram muito pouco para a emissão de gases de efeito estufa, historicamente. Como é que você diz para determinados países que 'Agora que vocês estão começando a crescer um pouco mais, têm que reduzir a emissão'? Mas para reduzir a emissão, é preciso recursos. Então essa mobilização contra a mudança do clima é uma mobilização de recursos financeiros", finaliza.
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