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Marinha terá sucesso em programas de autossuficiência em urânio e no submarino nuclear brasileiro?

© Flickr / Marinha do BrasilProjeto do submarino nuclear desenvolvido no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo. Brasil, 17 de novembro de 2022
Projeto do submarino nuclear desenvolvido no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo. Brasil, 17 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 20.12.2023
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Um programa que fez o Brasil entrar no seleto grupo de 13 países que dominam o enriquecimento de urânio para as diversas aplicações no campo nuclear. Iniciada em 1979, a iniciativa da Marinha sempre teve como foco a autossuficiência brasileira e a viabilização do submarino nuclear. Mas, passados 44 anos, quais foram os êxitos do projeto?
Ainda era governo do então presidente Juscelino Kubitschek quando o Brasil inaugurou, em 1958, o primeiro reator nuclear de pesquisa da América Latina. Esse grande passo permitiu o início de estudos nas mais diversas áreas: produção de energia, defesa e até saúde, com os então inovadores radiofármacos. A partir da década de 1970, veio o projeto para a construção de três usinas nucleares no litoral do Rio de Janeiro, entre os dois principais polos urbanos do país (a capital fluminense e São Paulo): Angra 1, Angra 2 e Angra 3.
A primeira estrutura foi conectada ao sistema elétrico nacional em 1985, após 13 anos de obras. Ainda maior, a segunda começou a funcionar em 2001, e, juntas, são responsáveis atualmente por 3,1% da geração de energia no país.
Já a última, cuja construção foi iniciada em 1984, até hoje não saiu do papel. Paralelamente a tudo isso e de forma autônoma, a Marinha do Brasil iniciou, em 1979, seu programa nuclear com dois focos principais: o enriquecimento de urânio, combustível usado nas usinas, e, consequentemente, buscar a autossuficiência do país no processo; e o ousado submarino nuclear.
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Qual a importância da energia nuclear para o Brasil?

Apesar de ser considerado pequeno na comparação com grandes potências mundiais, todo esse histórico fez o Brasil criar um estruturado setor nuclear que vai além da geração de energia elétrica. Membro da Academia Nacional de Engenharia (ANE), o almirante Alan Paes Leme Arthou atuou no projeto de desenvolvimento do submarino com propulsão nuclear da Marinha por quase 15 anos e à Sputnik Brasil classificou como lentos, mas valorosos os avanços do país na área.

"Esse 'valoroso' vai para todo o pessoal da área que trabalha incansavelmente para conquistar coisas sobre as quais ninguém fornece informação e que realmente fazem muito bem para o Brasil, com grande evolução e um arraste tecnológico monstruoso. Esse desenvolvimento da área nuclear acaba servindo para outras coisas, tanto na área médica quanto mecânica e industrial. O que vem das pesquisas nucleares é uma lista imensa", resume o especialista.

O Programa Nuclear da Marinha, para o qual o almirante atuou ativamente, foi o que conquistou mais sucesso no Brasil, tendo também estudos conduzidos pela área civil do governo, pelo Exército e pela Aeronáutica. "Na época, o almirante Othon [Luiz Pinheiro da Silva, uma das principais figuras responsáveis pelo programa nuclear brasileiro] viu tudo que estava sendo feito na Aeronáutica e achou que seria melhor tentar partir para a ultracentrifugação [no enriquecimento do urânio]. E ele estava certo", acrescenta Arthou.

Como o Brasil enriquece urânio?

Desde então, o Brasil começou o domínio da tecnologia de enriquecimento do urânio desenvolvida pelo Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo a partir da década de 1980. E o programa da corporação tem a meta de chegar à autossuficiência na produção do combustível nuclear até 2033 — estimativa para atender a 100% da demanda das usinas Angra 1 e Angra 2, e até 2037 para abastecer a futura Angra 3. Isso será possível após a finalização, no ano passado, da primeira fase da usina de enriquecimento de urânio de Resende (RJ).
O professor do Departamento de Energia Nuclear da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Aquilino Senra disse à Sputnik Brasil que o objetivo só não foi conquistado muito antes por falta de investimento, já que a tecnologia já está dominada há muito tempo.

"Tudo foi desenvolvido de forma autônoma [pela Marinha e por institutos de pesquisa], e isso é uma conquista fantástica [deter a tecnologia], que eu comparo com o domínio tecnológico da prospecção de produção de petróleo em águas profundas ou da indústria aeronáutica, que fez o Brasil ter a terceira maior montadora [de aviões comerciais do mundo], que é a Embraer", defende.

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O que o Brasil faz com o urânio?

Outro benefício da autonomia brasileira no beneficiamento do urânio é baratear o custo da energia elétrica produzida nas duas usinas em Angra dos Reis. "Não será uma redução drástica da tarifa, o maior gasto é com a manutenção de equipamentos e as paradas [técnicas] que são feitas. Porém há o custo do combustível, que deve ser reduzido em pelo menos 10%", prevê Senra.
Já com relação à conclusão de Angra 3, cujo anúncio da retomada das obras foi feito em julho pela Eletronuclear, o professor da UFRJ não é tão otimista e lembra que o projeto já tem quase 45 anos.

"É um absurdo completo, totalmente despropositado. Para você ter uma ideia, as usinas hoje estão sendo construídas no máximo de cinco a seis anos, no mesmo patamar. Todo o custo aumenta muito, o saco de cimento que se comprava há 40 anos deve ter triplicado. O Brasil precisa selecionar projetos estratégicos para o seu desenvolvimento e tocar isso sem atrasar um minuto, seja na liberação de recursos, seja na realização das obras, seja no compromisso técnico das empresas", argumenta.

Quando vai ficar pronto o submarino nuclear brasileiro?

Muitas vezes considerada a 'menina dos olhos' do Programa Nuclear da Marinha, a conclusão do projeto do submarino nuclear brasileiro ainda é uma incógnita, apontam especialistas ouvidos pela Sputnik, apesar da previsão da entidade para 2029.
A diferença com relação às outras embarcações aquáticas tradicionais é, segundo o almirante Alan Arthou, a autonomia durante as operações.

"Um submarino convencional consegue operar na velocidade de patrulha por até dois dias, dependendo do modelo. Ninguém vai detectá-lo, mas se usar a velocidade máxima para perseguir um alvo, a bateria vai durar duas horas. Ele é ótimo para fazer a defesa perto de um porto, por exemplo […], mas para realizá-la em profundidade ou mais distante [da costa], leva muita desvantagem em relação ao nuclear", exemplifica.

Apesar do nome, o último não carrega bombas ou armas, porém é movimentado por um reator nuclear. "Você pode ficar três meses submerso, o único limite desses três meses não é por causa do combustível do reator, que dura anos, mas é por causa principalmente do estresse [dos tripulantes]. O nível chega a um ponto que as pessoas começam psicologicamente a cometer erros após esse período", acrescenta o almirante, que lembrou que a extensão do litoral brasileiro é de quase 7,7 mil quilômetros.
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Submarino nuclear brasileiro: o boicote internacional

Para Aquilino Senra, outro motivo para além da questão orçamentária que atrasa a produção do submarino nuclear é justamente um boicote internacional.

"Está sendo feito o reator protótipo e, vamos assim dizer, é dominada a tecnologia, mas às vezes componentes precisam ser importados. Não por não termos capacidade no Brasil, mas ninguém vai fazer uma fábrica de válvulas, por exemplo, para atender a uma demanda pequena. E nisso vem o problema e a pressão dos países centrais, que não vão disponibilizar esses componentes", declara.

Por ser um grande avanço para a defesa brasileira, o especialista acredita que isso motiva a dificuldade das parcerias com outros países.

"São narrativas para impedir transferência de tecnologia e que outros países consigam desenvolver a tecnologia. Mas o Brasil, insisto, tem capacidade demonstrada de desenvolvimento tecnológico em diversas áreas; nessa também conseguiu um avanço, mas pressões internacionais sempre existirão."

Uma alternativa, segundo ele, são os membros do BRICS, "principalmente China e Rússia", que poderiam ser aliados para ultrapassar esse obstáculo.
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