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Analista: resposta do Ocidente à guerra em Gaza expõe padrão de dominação, exploração e violência

© AP Photo / Mohammed DahmanPalestinos se sentam sobre os escombros de uma casa destruída após ataques aéreos israelenses na cidade de Khan Yunis. Faixa de Gaza, 22 de novembro de 2023
Palestinos se sentam sobre os escombros de uma casa destruída após ataques aéreos israelenses na cidade de Khan Yunis. Faixa de Gaza, 22 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 23.11.2023
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam como a abordagem de dominação e violência ocidental perdeu força para a diplomacia liderada por países fora do eixo do Ocidente, como Rússia e China.
A defesa da democracia e dos princípios do direito internacional sempre foram apontados pelos EUA e por países europeus como uma de suas principais bandeiras. Porém, países ocidentais estão relevando o fato de o governo israelense estar bombardeando escolas e hospitais e forçando o deslocamento da população palestina na Faixa de Gaza sob condições precárias, fazendo do enclave um grande campo de refugiados.
Diante dos fatos, surge a pergunta: a diplomacia ocidental falhou ou o conflito israelense apenas escancarou a hipocrisia do eixo?
Para analisar a questão, o podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, conversou com Daniel Ferreira, mestre em história política, pesquisador e professor de geopolítica e criador do canal Geopolítica Hoje, e Pedro Martins, mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e bacharel em relações internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Daniel Ferreira explica que o conflito entre Israel e o Hamas pode ser encarado como uma reprodução histórica do modus operandi do Ocidente de exploração e dominação.

"Quando a gente olha para o histórico de como o Ocidente lida com seus problemas, […] observa que a resposta do Ocidente é sempre, de forma prioritária, a exploração e a dominação. E essa exploração e dominação estão totalmente interligadas à violência."

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Ele ressalta que há também um componente racista na abordagem ocidental em relação ao Oriente Médio, como se as vidas da população da região tivessem valor menor.

"Existe ali um problema real, que é a desvalorização da vida humana, […] uma classificação racista, que coloca que certas vidas […] importam mais e outras menos."

Ferreira afirma que a abordagem dos EUA e da Europa em relação a outros povos é pautada pela dominação, colonização e violência, diferentemente da abordagem da China, que desde o período das grandes navegações investe em criar laços comerciais e diplomáticos com outros países.
"Hoje, esses países podem dizer que, quando a China veio aqui há 500 anos, ela fez diplomacia, comércio. Agora quando os europeus e o Ocidente vieram aqui com seus navios, fizeram guerra."
Questionado sobre qual das duas abordagens é mais eficiente, a diplomacia ou a dominação, Ferreira diz que isso depende do contexto histórico, e lembra que a abordagem violenta foi o motor propulsor para o desenvolvimento europeu durante o período colonial.

"A Europa, antes da colonização, era simplesmente uma península da Ásia, não tinha grande importância na relação de poder. Quando ela domina toda a América e extrai todas as riquezas para se desenvolver, se torna o centro do mundo", diz o especialista.

"Quando da Revolução Industrial, graças à colonização e à dominação de um continente inteiro, ela [a Europa] consegue dominar o mundo todo. Então, nesses últimos 500 anos, posso dizer que a relação mais eficiente [...] foi de violência, de dominação", acrescenta.
Porém, ele afirma que o contexto geopolítico atual é bem diferente, com a diplomacia tomando o lugar da dominação. Nesse contexto, Rússia e China têm se destacado.
"A China e a Rússia estão criando relações mais harmoniosas, mais estáveis com muitos outros países. Países estes que foram pisados pela dominação [ocidental] e que veem em Pequim e Moscou a chance de criar laços tão [bons] ou melhores do que qualquer outro propósito que o Ocidente hoje possa oferecer", diz o especialista.
Ferreira acrescenta que, "nos últimos 500 anos, a ação mais efetiva foi a dominação rápida e agressiva, que gerou enorme lucro e vantagem para aqueles que tomaram essa ação", mas destaca que "o mundo não acaba em 500 anos".

"Então, para uma hierarquia de longa duração, […] as relações mais harmoniosas, mais pacíficas, mais estáveis, que trazem a ordem e não o caos, tendem — e aqui eu estou usando a China como exemplo — a ser mais frutíferas."

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Segundo Ferreira, um bom exemplo dessa abordagem pacífica é a atuação da Rússia e da China na África.
"Toda ação gera uma reação. A física e a geopolítica não estão distantes. Quando a gente observa a diplomacia russa no continente africano, ela está muito pautada no 'Olha o que a Europa fez com vocês, eu te dou a oportunidade de, juntos, rompermos essa violência e dominação'. Mesmo que a oferta econômica da Rússia não seja tão vultosa […] quanto a ocidental, os danos, as cicatrizes deixadas nos povos africanos, nas nações africanas [pela dominação ocidental], levam à conclusão de que manter o parceiro histórico, que não é tão parceiro assim, talvez não seja o mais benéfico."
Pedro Martins, por sua vez, destaca que a diplomacia só consegue atuar na resolução de conflitos em casos em que há vontade de todas as partes envolvidas.

"Quando a gente analisa o conflito que está acontecendo hoje em Israel, tem que ter em mente […] que envolve o governo de Israel e o grupo Hamas. Isso torna a negociação entre as partes envolvidas muito mais complicada. Porque o Hamas é considerado por alguns atores um grupo terrorista, mas para outros, como a ONU [Organização das Nações Unidas] e o próprio Brasil, não. Isso dificulta as negociações. Porque uma das máximas que a gente aprende nas negações internacionais é que não se negocia com terroristas. Por outro lado, o governo de Israel, liderado por Benjamin Netanyahu, é marcado por um crescente nacionalismo que dificulta, quase que impede, as negociações diplomáticas [com o Hamas]."

Ele acrescenta que, no caso israelense, "a chave da diplomacia não funcionou porque as partes não quiseram usar". "Você tem atores [envolvidos] que simplesmente não aceitam a diplomacia", diz o especialista, em referência ao Hamas e ao governo israelense.
Martins concorda que, de certa forma, o conflito no Oriente Médio expôs a inoperância da diplomacia do mundo ocidental, e o motivo é o fato de haver "muitos atores envolvidos no conflito, com suas próprias agendas, que muitas vezes batem entre si".

"Elas [agendas] começam a reverberar em outras questões, outros assuntos, outros grupos internos. Então, mostra uma falha [da diplomacia ocidental], porque a gente não consegue simplesmente perceber quais interesses cada um defende e como conciliar cada um desses interesses de forma satisfatória."

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Ele chama atenção para a estratégia ocidental de se envolver indiretamente em conflitos, como forma de reduzir o custo político que isso traz para um país.
"É mais lucrativo e mais fácil para os países — principalmente aqueles que têm muitas empresas de defesa, de armamentos militares — não necessariamente pegar em armas, mas vender armas. Vender a arma para um conflito que está em andamento, ou seja, estimular que continue, é muito lucrativo, porque quem vende tem todos os benefícios econômicos e nenhum dos custos que se tem em participar de um conflito diretamente."

Enquanto a diplomacia tropeça, soft power ocidental ainda traz bons resultados

A disputa de influência não se dá apenas na forma de dominação violenta ou diplomacia. Os especialistas apontam que, nesse contexto, o papel do soft power é igualmente importante, e citam como exemplo filmes produzidos por Hollywood e aplicativos que promovem determinado estilo de vida. Martins usa como exemplos os filmes produzidos pós-Guerra Fria e jogos eletrônicos.

"Isso é uma experiência que recomendo que qualquer pessoa […] faça. Se estiver na sala […] com jovens ou adultos, pergunte qual é o sotaque, qual é a nacionalidade de um vilão. A depender da idade, o sotaque é russo. Os EUA conseguiram vender que um vilão tem sotaque russo. E isso […] tem forte influência, dificulta que a Rússia faça diplomacia, porque uma sociedade ensinada a pensar que os russos são naturalmente maus tem maior dificuldade de criar laços positivos."

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Ele ressalta que, após o 11 de setembro, a figura hollywoodiana do vilão mudou, passando a ter o perfil muçulmano e que, agora, com o avanço global da China, já começam a surgir vilões chineses em jogos de videogame.
"O penúltimo vilão do Homem-Aranha no jogo é um chinês. Na minha infância, nunca vi um vilão chinês no Homem-Aranha. E agora tem um vilão chinês. Então a gente observa, sim, que no cinema, nos livros, na literatura, em filmes, jogos, o vilão é sempre é o vilão da ocasião."
Ele também aponta que a China ampliou o uso do soft power, especialmente por meio do TikTok.

"Não é à toa que o TikTok não foi criado de uma iluminação, foi criado em laboratório. Colocando um ritmo, uma forma cultural de consumir que foi desenvolvida na China. Adaptado para o Ocidente, mas desenvolvido na China. Então já existe um processo crescente de expansão da cultura e do soft power dessas nações [fora do eixo ocidental], que observaram no soft power a capacidade de vencer as potências ocidentais, que antes não conseguiam."

Já Ferreira destaca o aprendizado da língua inglesa, amplamente difundido na cultura ocidental, que possibilita que sociedades inteiras sejam inundadas de produtos americanos.

"Muitos aprenderam inglês como primeira língua estrangeira em algum momento da vida ou estão aprendendo. Isso faz com que a gente seja bombardeado com produtos americanos. Se a gente, por exemplo, se restringir apenas ao chamado mundo ocidental, nosso grau de conhecimento da cultura americana é muito maior do que da cultura francesa, inglesa ou até mesmo de Portugal, que foi a nossa metrópole durante 300 anos", explica o especialista.

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