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Brasil e Paraguai iniciam negociações sobre Itaipu: país vizinho quer tarifa 24% mais cara

© Caio Coronel/ItaipuBarragem de Itaipu, no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai. Foz do Iguaçu (PR), 26 de agosto de 2020
Barragem de Itaipu, no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai. Foz do Iguaçu (PR), 26 de agosto de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 26.10.2023
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Na fronteira entre Brasil e Paraguai, era iniciada, em 1975, a implantação do que seria a maior barragem de água do mundo, título que foi ostentado até 2003 pela usina de Itaipu. Após as obras serem encerradas, em 1982, cada país passou a deter 50% da energia elétrica gerada, podendo vender ao outro o excedente caso não utilizasse tudo.
Após 50 anos, 2023 marca o fim do pagamento da dívida pela construção da usina, e, com isso, uma nova etapa da parceria entre brasileiros e paraguaios: a renegociação das bases financeiras do tratado de Itaipu. As conversas vão envolver inclusive os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e o recém-eleito Santiago Peña, que participam nesta quinta-feira (26) da reunião do Conselho de Administração de Itaipu que abre as discussões.
A dívida com empréstimos e encargos financeiros chegou a US$ 63,5 bilhões (R$ 316,6 bilhões), valor usado para viabilizar a infraestrutura necessária para a operação das usinas, desapropriar terras e pagar as empreiteiras. O montante foi pago ao longo dos últimos 50 anos, e a última parcela, quitada em fevereiro.
Conforme o diretor-geral brasileiro da usina, Enio Verri, já existe o pedido do país vizinho para um aumento de 24% só na tarifa de serviços — atualmente o valor cobrado é de US$ 16,71 (R$ 83,33) por quilowatt (kW), e, caso o reajuste seja aprovado, passaria para US$ 20,75 (R$ 103,48) a partir de 2024, o mesmo valor que era cobrado até abril deste ano. A declaração foi dada na última semana, durante participação do dirigente em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado.
A tarifa de serviços de Itaipu é um encargo pago para cobrir os custos da empresa com administração, operação e manutenção da usina, além dos repasses em royalties e participações governamentais pelo uso da água. Antes o indicador também contava com a dívida de construção, que foi finalizada neste ano. Mesmo assim, o país vizinho quer um aumento.
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Com realidades bem diferentes, cerca de 9% da energia elétrica consumida no Brasil é gerada por Itaipu, enquanto o Paraguai tem um índice de quase 90%. E por não usar toda a sua cota, Assunção vende pelo menos metade desse percentual ao Brasil. Essa é uma das diretrizes previstas no Anexo C, documento que estabelece as bases financeiras que começaram a ser negociadas.
Mas afinal, um eventual aumento pode impactar nas contas de energia? Para o professor adjunto de finanças e controle gerencial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Leite, como o sistema nacional elétrico é interligado, esse percentual poderia aumentar em até 2% as contas de luz, a depender da região. "Apesar disso, na inflação geral do país não geraria um impacto tão grande", pontua em entrevista à Sputnik Brasil.
Já o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (CERI) da Fundação Getulio Vargas (FGV) Diogo Lisbona lembrou à Sputnik que a energia de Itaipu é comercializada com base no dólar.
"Com isso, você também tem o impacto do câmbio no cálculo das tarifas cobradas pelas distribuidoras", frisa. A troca por uma moeda local, como o real ou o guarani, deveria ser levado para a mesa de negociações, segundo o especialista, o que ajudaria a reduzir flutuações da cotação americana.
Além das regras de comercialização da energia produzida, o Anexo C, que está em discussão, determina as condições de fornecimento de energia, o custo de eletricidade, a receita da usina e a prestação de serviços. Segundo Lisbona, o processo é complexo e lento, já que ao fim das negociações os termos ainda precisam ser aprovados pelos parlamentares do Brasil e do Paraguai.
"O processo já começou atrasado, dado que o vencimento do anexo seria em 2023, após um período de 50 anos do início da construção da usina. As negociações já poderiam ter começado bem antes, mas também dependem de governos e ciclos políticos. É uma composição que não é fácil", acrescenta.
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Especialista diz que há espaço para redução

Para Lisbona, o pagamento da última parcela da amortização da dívida pela construção de Itaipu pode trazer margem para flexibilizar as negociações, consideradas por ele um cabo de guerra.

"Um dos principais componentes do documento se encerra, o que abre espaço para uma redução […]. Não tem mais o financiamento em dólar, e poderia ainda ser discutida a venda não ficar restrita ao mercado regulado [residências e pequenas empresas], mas também a outros consumidores interessados", argumenta.

O caminho para a revisão financeira da empresa binacional é longo, pontua o pesquisador. Essa também é a visão do economista, PhD em planejamento energético e professor da FGV Vanderlei Martins, que acrescenta que "as negociações sobre as regras de venda de energia tornam-se complexas e envolvem questões políticas, econômicas e técnicas". Conforme Martins, de um lado tem o Brasil, que quer garantir "um suprimento estável e a preço justo", enquanto o Paraguai "busca maximizar os benefícios econômicos" provenientes da usina.
Martins pontua que a usina hidrelétrica de Itaipu é uma das maiores produtoras de energia do mundo, com 20 unidades geradoras e potência instalada de 14 mil megawatts. Por conta disso, cumpre um papel vital para garantir a segurança energética brasileira e fortalece a importância econômica dos dois países dentro do Mercosul.
"Por meio do reservatório de acumulação, empreendimentos como Itaipu conseguem trazer uma estratégia de despacho e operação da energia de forma mais equilibrada ao Sistema Interligado Nacional [SIN]", conclui.

Menor dependência brasileira nas últimas décadas

Durante uma das maiores crises energéticas que o Brasil já viveu, com blecautes constantes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a dependência do país da energia elétrica gerada em Itaipu ultrapassava 30% em 1999. Na época, a usina chegou a trabalhar com sobrecarga. Passadas mais de duas décadas, a situação é outra: com a diversificação da matriz energética, que agora conta com usinas eólicas, solares e a gás, além de novas hidrelétricas, o índice passou para 8,6%.
"O país é a cada ano menos dependente de Itaipu", enfatiza à Sputnik Brasil o diretor de energia elétrica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Victor iOcca. Diante disso, o especialista argumentou que o poder de barganha do Brasil nas novas negociações é maior, o que deveria ser levado para a mesa.
"A proposta de aumento de 24% é assustadora. Depois que finalizamos a amortização de todo esse financiamento [da construção da usina], o custo da produção de energia deveria cair muito, talvez próximo da metade do que é hoje. Isso teria reflexo positivo em toda a economia brasileira."
Mas essa realidade, segundo o diretor da Abrace, não deve se concretizar justamente por conta dos usos políticos tanto brasileiros quanto paraguaios com a usina. Um exemplo dado por iOcca é com os investimentos da empresa concentrados nos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul — só em agosto Itaipu anunciou quase R$ 1 bilhão para financiar projetos sociais, ambientais e de infraestrutura em 434 municípios da região.

"Aumentar ainda mais uma tarifa que deveria ser barata leva esse excedente financeiro para usos regionais, com todos os outros consumidores do Brasil pagando por isso […]. Parlamentares das outras regiões, principalmente Norte e Nordeste, deveriam questionar se esse é o caminho mais adequado para seguir nessa renegociação do acordo de Itaipu, uma usina amortizada e super eficiente, que deveria contribuir para o desenvolvimento do Brasil como um todo", finalizou.

Questionada sobre as negociações, a Itaipu Binacional se limitou a dizer, em nota, que "a definição depende das chancelarias dos dois países".
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