Desgastada, Ucrânia vê escassez de apoio internacional diante de múltiplos contextos eleitorais

Países como Eslováquia e Polônia já anunciaram a interrupção de apoio militar e logístico à Ucrânia. Nos EUA, as eleições do ano que vem trazem Donald Trump como figura central, que já avisou que, se eleito, "fechará a torneira" do fluxo bilionário de dólares para Kiev. Qual o motivo do abandono das potências a Vladimir Zelensky?

Desde o início do conflito com a Rússia, nutrindo esperanças de integrar uma cadeira na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Ucrânia recebeu constante apoio financeiro, militar e logístico de diversas potências, com doações de armamentos e fortes sanções econômicas impostas à Rússia.

Dentro de todo o complexo âmbito financeiro, que envolve decisões geopolíticas acerca de recursos naturais, muitos países, notando a frágil situação da Ucrânia e visando eleições nacionais, vêm sistematicamente retirando seus recursos do confronto.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o escritor e pesquisador militar Rodolfo Laterza afirmou que um dos motivos principais da retirada em massa é "o custo social e econômico aplicado pelas próprias sanções internacionais à Rússia, que dificultou o acesso à energia barata e o vínculo geoeconômico entre a União Europeia e a Federação da Rússia, que implicou em prejuízos severos às economias e às sociedades de inúmeros países".

Além disso, apesar da ajuda constante de potências ocidentais e europeias, o resultado mostrou-se como frustrante para Zelensky.

"Não vejo ganhos. Ganho econômico não existe, porque o PIB caiu mais de 30% e esse ano cairá, de acordo com previsões, 3,5%. A população reduziu-se substancialmente, de 38 milhões para estimados 23 milhões. A população masculina reduziu a algo em torno de 3,5 milhões (...) As pessoas nem falam sobre isso", afirmou Rodolfo Laterza.

Polônia, receosa, toma postura radical de retirar seu apoio

O abandono de apoio da Polônia à Ucrânia engloba diversos fatores. Um dos motivos é um certo receio "histórico" e "crítico" por parte das elites intelectuais do país à Ucrânia, que, de forma pública, exalta o Exército ultranacionalista ucraniano liderado por Stepan Bandera na Segunda Guerra Mundial, um dos que mais massacrou poloneses durante suas campanhas militares.

Além disso, Laterza ressalta que o fator econômico, principalmente no que tange as produções rurais, torna-se central.

"Temos um problema relacionado à necessidade, principalmente da Polônia, em relação a proteger os seus agricultores locais da inundação de cereais ucranianos com preços muito abaixo de mercado, o que resulta em uma séria crise de produtividade e faturamento por parte desses agricultores (...) O partido no poder na Polônia, Partido Lei e Justiça, tem uma forte base de eleitorado no setor rural, no setor agrícola."

Diante da ameaça de crise econômica, o primeiro-ministro da Polônia, Mateus Morawiecki, anunciou que interromperá o fornecimento de ajuda militar à Ucrânia para armar seu próprio Exército.

A suspensão aconteceu justamente — ou coincidentemente — após protesto de Kiev contra a decisão de Varsóvia de proibir a venda de grãos ucranianos, que passaram a inundar a Polônia após o fim do acordo de exportação de cereais através do mar Negro.

Além disso, há um fator territorial forte que pode tonar-se central.

Também em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o pesquisador Ricardo Quiroga apontou que ideias como a "anexação de terras que antes pertenceram à Polônia" têm ganhado corpo nos últimos tempos.

"A Polônia, por exemplo, em alguns círculos nacionalistas e acadêmicos, fala que seria o ideal a incorporação de Galícia e Lvov, províncias que já tinham pertencido ao Grão-Ducado Polonês-Lituano no passado", afirma Rodolfo.

Hungria e Eslováquia aproximam-se da Rússia após corte de gastos e eleições

Na Hungria, as sinalizações do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán são de aproximação da Rússia. Durante um encontro com o presidente Vladimir Putin, na China, Orbán afirmou que Budapeste nunca quis estar em uma situação difícil e contra a Rússia. Pelo contrário, disse que "a Hungria nunca quis estar contra a Rússia," e que o objetivo da Hungria sempre foi "estabelecer e expandir um melhor contato mútuo".

Como afirma Ricardo Quiroga, o país "tem uma política externa independente, que se recusa a romper os laços geoeconômicos com a Rússia, tendo em vista evitar, justamente, crise econômica social para a sociedade húngara."

A Hungria propôs à União Europeia (UE), no início do mês de outubro deste ano, a redução do pacote de assistência à Ucrânia de € 50 bilhões (R$ 270,4 bilhões) para € 25 bilhões (R$ 135,2 bilhões) pelos próximos quatro anos, em clara expressão de preocupação de que o apoio econômico europeu a Kiev não obtenha resultados.

Já na Eslováquia, o governo provisório do país anunciou não haveria mais assistência militar à Ucrânia.

O ex primeiro-ministro Robert Fico saiu vitorioso na corrida eleitoral parlamentar na Eslováquia, obtendo 22,9% dos votos. Diante desse cenário, Fico anunciou sua intenção de iniciar negociações com outros partidos para formar uma coalizão, argumentando que os problemas enfrentados pelo povo eslovaco são “maiores do que os da Ucrânia”.

Ações dos EUA podem provocar um efeito dominó na geopolítica internacional

Os Estados Unidos, pioneiro em ajuda militar e financeira à Ucrânia desde o início do conflito, agora se encontra na encruzilhada de, além de fornecer apoio ao país, ter de se preocupar com os custos militares de apoio a Israel, já confirmados e reforçados pelo presidente do país, Joe Biden.

Os gastos elevados podem causar déficits à economia do país.

"Nós temos os déficits trigêmeos nos Estados Unidos, o déficit comercial, o déficit fiscal e o déficit orçamentário (...) Isso cria instabilidades, tendo em vista sempre as chamadas paralisias econômicas (...) Os Estados Unidos ainda tem US$ 1,6 bilhão [R$ 8 bilhões], no caso, provisionados para ajudar a Ucrânia até o final do ano e mais US$ 5,4 bilhões [R$ 27,3 bilhões] dentro da ordem executiva, aquela que não precisa de autorização do Congresso americano, que é diretamente fornecida pelo gabinete presidencial do Biden", ressalta Rodolfo.

Outro detalhe importante é a corrida eleitoral nos Estados Unidos, próxima de acontecer. As eleições norte-americanas estão marcadas para o dia 5 de novembro de 2024. O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tentará a reeleição pelo partido Democrata. Enquanto isso, Donald Trump surge como principal nome de oposição.

Como explica Rodolfo Laterza, Trump tem uma visão focada na política interna norte-americana em competição geopolítica, geoconômica e tecnológica com a República Popular da China".

Com isso, é projetado que exista um "redimensionamento significativo". Segundo o especialista, isso tem um motivo claro: "Trump é muito crítico dos Estados Unidos ficarem bancando a OTAN."

"Se ele não parar a ajuda, ele tem um desgaste político do fato de que tem problemas orçamentários nos Estados Unidos. Estão aumentando os problemas sociais lá, e as pessoas já começam a se queixar de preços, condições sociais, e isso obviamente o outro lado, que é o representado por Trump, vai se aproveitar", completa Quiroga.

Portanto, o fator do apoio dos EUA torna-se fundamental para a continuidade da contraofensiva ucraniana que, ainda segundo o especialista, mostrou-se um fracasso do ponto de vista tático e militar.

Segundo Ricardo Quiroga, caso os EUA retirem totalmente seu apoio — ou mesmo que de forma progressiva, haverá um "efeito cascata e a Ucrânia não tem como resistir".

Segundo relatórios internacionais de estudo militar, "os ucranianos disparam muito menos artilharia e foguetes do que os russos, assim, muito menos munição, porque não tem munição para gastar".

O especialista conclui: "No momento que se suspende a ajuda dos Estados Unidos, então isso significa que eles, no bom popular, ficarão a pé."

Fracasso militar ucraniano é o fator chave do abandono de investimento das potências

Apesar da tentativa de emplacar uma contraofensiva, os números mostram que a Ucrânia falhou na grande maioria das frentes, o que mostra a incapacidade militar do país em avançar os territórios de combate. Segundo Rodolfo Laterza, "as pessoas analisam nesse conflito a métrica por ganho de território, quando, na verdade, guerras devem ser analisadas pela destruição do inimigo, a capacidade de recurso de sustentação da vontade de lutar e a vontade de lutar propriamente dito".

Colocando esses aspectos em voga, a Ucrânia perdeu militarmente o ímpeto de confronto.

"Alardeia-se o avanço de 500 metros em Yatskovka, ali no sul de Artyomovsk [Bakhmut, em ucraniano], como uma grande vitória. Mas a que preço? A preço de uma brigada inteira, de centenas de equipamentos? Tendo-se você se jogado numa zona de matança, a qual você tem que ficar ocupando cinturões florestais ou trincheiras que são progressivamente aniquiladas, isso não tem ganho, entendeu?", completa Laterza.

Com a afirmação de que as Forças Armadas da Ucrânia perderam dois Exércitos e agora estão perdendo um terceiro nas batalhas pelo avanço da defesa russa, parece palpável que se façam previsões sobre a resolução do conflito. De acordo com Quiroga, a guerra não deve durar "mais que um par de meses", pois depende totalmente da ajuda externa.

O problema atual, segundo Quiroga, é também o combate entre Israel e Palestina, que deu um novo e delicado contorno à situação ucraniana.

Com a emergência da necessidade do envio de um porta-aviões e tropas terrestres, a máquina bélica norte-americana encontra-se numa situação complicada.

"Existe um problema de contradição. [Dizem os EUA] que a Rússia ocupou parte da Ucrânia ilegalmente, um país independente. Pois bem, mas agora Israel ocupa ilegalmente a Palestina conforme as resoluções da ONU desde a década de 60, então quer dizer, o ocupante só é ruim quando é a Rússia, quando é Israel o ocupante é bom. Os Estados Unidos vão ter que tirar mais o foco da Ucrânia e se focar no Israel para não chamarem tanta atenção sobre essa dubiedade moral que eles têm na sua política externa", conclui o especialista.