Peso do Brasil deve crescer; é preciso levar em conta a opinião do país na arena global, diz Putin

Hoje, quinta-feira (5), o presidente russo, Vladimir Putin, fez discurso durante a sessão plenária da 20ª edição do Clube Valdai, que tem como lema "Multipolaridade justa: como garantir segurança e desenvolvimento de todos".

Putin tradicionalmente se reúne com os participantes do Clube Valdai desde a sua criação, em setembro de 2004. Durante discurso que durou cerca de quatro horas, Putin falou sobre a situação de turbulência internacional, a importância de respeitar a diversidade e a soberania de todos os países, além de ter citado a relevância do Brasil, da América Latina e de todo o Sul Global.

"Estamos, de fato, perante a tarefa de construir um novo mundo. Nos estágios decisivos, a responsabilidade dos intelectuais é extremamente grande", disse Putin aos membros do Clube Valdai.

Problemas globais exigem soluções coletivas

No início do século XXI, todos esperavam que as lições do custoso confronto militar-ideológico já tivessem sido aprendidas, mas descobriu-se que isso não foi assim, apontou o líder russo.

Ele acrescentou que os problemas globais da humanidade exigem soluções coletivas e que o egoísmo e a presunção só levarão a um beco sem saída.

As contrapartes ocidentais perderam seu senso de realidade, quebraram todas as regras, afirmou Putin.

"Infelizmente temos que constatar que nossas contrapartes ocidentais perderam seu senso de realidade, cruzaram todos os limites possíveis. Isso é um erro", disse Putin.

Os EUA e os seus aliados entraram em um curso de hegemonia: militar, política, econômica, cultural e até moral, disse ele.

Como observou o chefe de Estado, alguns entenderam mal a prontidão da Rússia para uma "interação construtiva".

O problema da atitude do Ocidente em relação à Rússia reside em seus interesses geopolíticos, na atitude de arrogância para com os outros e na autoconfiança, disse o presidente russo.

Ele especificou que certa parte das elites ocidentais sempre precisa de um inimigo, valendo-se de uma luta para explicar a necessidade de ações de força e expansões, também necessário para manter o controle interno no sistema de hegemonia.

A Rússia não começou a chamada "guerra" na Ucrânia, sublinhou o líder russo, mas, pelo contrário, está tentando acabar com ela. Ele ressaltou que não foi a Rússia que organizou um golpe de Estado em Kiev em 2014 — sangrento e inconstitucional.

Questão na Ucrânia

A crise ucraniana não é um conflito territorial, a Rússia não tem interesse em recapturar nenhum território, acrescentou Vladimir Putin durante a reunião.

"A crise ucraniana não é um conflito territorial, quero enfatizar isso. A Rússia é o maior país do mundo, com maior dimensão territorial. Não temos interesse em reivindicar nenhum território adicional. Ainda temos que continuar a desenvolver a Sibéria, a Sibéria Oriental e o Extremo Oriente. Este não é um conflito territorial", disse Putin.

Falando sobre o apoio do Ocidente a Kiev, o presidente disse que a Rússia está esperando o surgimento de brotos do senso comum.

De acordo com ele, nem sequer se trata de estabelecer um equilíbrio geopolítico regional, a questão é muito mais ampla e fundamental.

"Estamos falando sobre os princípios nos quais a nova ordem mundial será baseada."

Putin destacou que a Rússia é o tema favorito de vários políticos do Ocidente. "Estamos certamente acostumados a isso, historicamente acostumados."

No Ocidente esqueceram o que são o autocontrole razoável, o compromisso, querem impor seus interesses a qualquer custo, e veremos o que virá disso, disse ele.

Além disso, segundo o líder russo, o Ocidente impõe estruturas geopolíticas artificiais ao mundo e cria um "formato de blocos fechados", abordagem que restringe os direitos e as liberdades dos Estados.

"Na Europa, já há décadas é realizada a linha persistente da expansão da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], bem como na região da Ásia-Pacífico e no sul da Ásia."

Segundo o presidente, nessas regiões estão tentando quebrar a arquitetura aberta e inclusiva da cooperação e impor uma abordagem de blocos, que é "uma tentativa de colocá-los em uma certa jaula de obrigações".

Ele enfatizou que a época do domínio colonial acabou há muito tempo e que os países ocidentais precisam "enxugar os olhos". Conforme o presidente, as elites ocidentais ainda possuem um comportamento irresponsável e guiado por interesses de curto prazo.

"É a hora de se livrarem desse pensamento da época do domínio colonial. Gostaria mesmo de dizer: enxuguem os olhos. Essa era acabou há muito tempo e nunca mais voltará."

Assim, Vladimir Putin enfatiza que a Rússia sempre retirou da história lições para o futuro, fortalecendo sua unidade e integridade nacional.

O presidente russo também disse que ninguém deve trair sua civilização — isso é antinatural, repugnante e leva ao caos.

De acordo com o líder russo, a civilização não impõe nada a ninguém, mas também não permite que nada lhe seja imposto, e se todos aderirem precisamente a essa regra, isso garantirá uma coexistência harmoniosa e uma interação criativa entre todos os participantes nas relações internacionais.

A civilização para a Rússia é um fenômeno multifacetado, e nenhuma delas é pior ou melhor do que as outras, destacou Vladimir Putin.

Ucrânia na OTAN

A entrada da Ucrânia na OTAN é uma ameaça direta à segurança da Rússia, alerta Putin, principalmente por conta das fronteiras do país. "Não é apenas um bloco político, mas um bloco político-militar. A abordagem infraestrutural é uma séria ameaça para nós", acrescenta.

Segundo o presidente, esse é o motivo de o país ser contrário à inserção da Ucrânia no grupo. "A expansão da OTAN em direção às nossas fronteiras ameaça diretamente a nossa segurança."

Apesar disso, Putin acrescentou que, ao mesmo tempo, a Rússia "nunca" se opôs nem expressou "uma posição negativa em relação aos planos da Ucrânia de aderir" à União Europeia. Para o presidente, não há qualquer ameaça militar na "interação econômica de qualquer país e uniões econômicas".

Desde o ano passado a Rússia realiza a operação militar especial para proteger a população de "um genocídio do regime de Kiev" e enfrentar os riscos para a segurança nacional que representa o avanço da OTAN.

Avanço das tropas

Putin ressaltou as vitórias russas na operação militar especial. Em 12 áreas da linha de contato na zona do Distrito Militar Norte, houve um avanço das tropas de até 1,6 km.

"Ontem [quarta, 4], ao longo de toda a linha de contato em 12 seções — simplesmente não prestamos atenção fundamental nisso, mas é importante —, avançamos em 12 direções. Em algum lugar em 300 [m], 400 [m], 500 [m], em duas seções em 1.500 [m], 1.600 metros [...]. Isso se chama melhorar a posição no campo de batalha. São coisas táticas, mas são importantes."

Grupo Wagner

O presidente russo também comentou a tragédia que resultou na morte do então líder do Grupo Wagner. Segundo ele, a investigação sobre a queda do avião que levava Yevgeny Prigozhin revelou que fragmentos de granada de mão foram encontrados no corpo de Prigozhin.

A aeronave particular Embraer Legacy ERJ 135 caiu perto do vilarejo de Kuzhenkino, na região de Tver, em 23 de agosto, quando ia de Moscou para São Petersburgo.

Poderio nuclear

Respondendo a uma pergunta sobre a possibilidade de reduzir o chamado nível nuclear na doutrina da Rússia, o mandatário ressaltou que não vê necessidade nisso.

Segundo ele, hoje não existe tal situação na qual, hipoteticamente, algo possa ameaçar a existência do Estado russo: "Não acho que alguém que tenha seu juízo são e memória clara pense em usar armas nucleares contra a Rússia".

O presidente informou que a Rússia realizou com sucesso o último teste do míssil de cruzeiro Burevestnik, de grande alcance e com propulsor nuclear.

Ainda sobre a questão nuclear, o presidente ressaltou que há apenas duas razões para um eventual uso dessa força: um ataque contra a Federação da Rússia ou uma ameaça à existência russa.

"Deixe-me lembrar que na doutrina militar russa existem duas razões para o possível uso de armas nucleares pela Rússia. A primeira é o uso de armas nucleares contra nós, isto é, em resposta, em um contra-ataque", contou.

É necessário conseguir um consenso de mudanças no mundo para que não se destrua o regime legal existente, apontou Putin.

Influência do Brasil e da América Latina

"O Brasil na América Latina... A população é enorme, o crescimento da influência é colossal. A África do Sul, como não levar em conta sua influência no mundo? Assim, também o seu peso na tomada de decisões-chave deve aumentar, mas é claro que isso deve ser feito de tal forma que se chegue a um consenso sobre as mudanças, que não destrua […] o regime legal existente. É um processo complexo, mas, na minha opinião, é nessa direção e nesse caminho que precisamos seguir."

Enfatizando, o líder russo afirmou que a Rússia está ciente de onde irá e pretende viver em um mundo aberto e interconectado, no qual ninguém jamais tentará erguer barreiras artificiais à comunicação das pessoas.

A Rússia quer que a diversidade do mundo não seja apenas preservada, mas que seja a base do desenvolvimento universal, enquanto a imposição a qualquer país ou povo de como viver deve ser proibida.

Vladimir Putin destacou que a Rússia defende a máxima representatividade e que os países não têm o direito de governar o mundo pelos outros e em nome dos outros, bem como tomar decisões por outros Estados.

Conforme o presidente, caso o Japão tome a iniciativa de normalizar as relações com a Rússia, o país "estará pronto para a cooperação". Putin também lembrou que espera uma condenação pelas organizações internacionais da homenagem ao veterano nazista de 98 anos no Parlamento do Canadá.

"Espero que [...] as organizações públicas, aquelas que se preocupam com o futuro da humanidade, formulem a sua posição sobre essa questão, de forma clara, inequívoca e com condenação do que aconteceu", afirma.

Putin destacou que a Rússia sempre vai tratar o Canadá com respeito, especialmente por conta do seu povo. "De forma alguma quero ofender os sentimentos do povo canadense. Tratamos o Canadá, não importa o que aconteça, com respeito, especialmente pelas pessoas", enfatizou.

O presidente russo frisou também que o país está cada vez mais distante do mercado "moribundo", para se estabelecer em mercados em crescimento de outras partes do mundo, como a Ásia.

Nord Stream

Com relação ao atentado contra os gasodutos Nord Stream, no mar Báltico, Putin falou sobre as apurações conduzidas pelos países. Para o presidente, é improvável que algum resultado apareça, dizendo também que as explosões foram atos de terrorismo internacional.

"Não estamos autorizados a participar na investigação, apesar das nossas propostas e repetidos apelos para o fazer. Não há resultados, não há investigação [...]", alegou.

Construídos para transportar o gás russo para a Alemanha, os gasodutos foram alvo de um atentado em setembro de 2022. Na época, a operadora da estrutura enfatizou que os danos não tinham precedentes e que era impossível estimar o prazo para reparação.

"A primeira coisa que gostaria de salientar é que, muito antes das explosões, o presidente dos EUA [Joe Biden] disse em público que os Estados Unidos fariam de tudo para impedir o fornecimento de produtos energéticos russos à Europa através desses gasodutos", disse.

Relações com a China

Para Putin, a cooperação entre Rússia e China é crucial para estabilizar a situação internacional. "Obviamente é um fator muito importante de estabilização da vida internacional. Para que esta influência cresça, em primeiro lugar, precisamos prestar atenção na manutenção do ritmo da nossa economia em crescimento", alega.

O discurso do presidente russo também mencionou a falta de viagens ao exterior, como para as cúpulas do BRICS, na África do Sul, e do G20, na Índia. Conforme Putin, isso acontece para não "expor seus amigos".

"Defendemos os nossos direitos e, tenho certeza, vamos garanti-los. Esse é o primeiro ponto. Em segundo lugar, por que eu deveria criar problemas para nossos amigos durante esses eventos? [...] Se eu chegar, os ataques políticos começarão ali, o que significa que o espetáculo é político. Tudo terá como objetivo perturbar o evento", pontuou.

Sobre a última reunião do G20, Putin elogiou a Índia e o primeiro-ministro Narendra Modi por despolitizar decisões tomadas durante a cúpula e também equilibrar interesses dos países-membros. "A politização do G20 é uma receita para a sua autodestruição, mas a liderança indiana conseguiu evitá-la, o que é definitivamente um sucesso", elogiou.

Transações do BRICS

Grupo que vai ganhar seis novos membros a partir do próximo ano — Egito, Etiópia, Argentina, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita —, o BRICS também foi assunto no discurso de Putin. O presidente reforçou a necessidade de um sistema de liquidação de moeda nacional e de logística financeira que funcione bem, e não de uma moeda comum.

"Quanto ao BRICS, não precisamos criar uma moeda comum, mas estabelecer um sistema de liquidações e criar uma logística financeira, a fim de garantir a liquidação entre os nossos Estados em moedas nacionais, tendo em conta a situação das nossas moedas nacionais e o desempenho macroeconômico das nossas economias, bem como as diferenças nas taxas de câmbio e os processos de inflação", enfatiza.

O evento

A 20ª reunião do Clube Valdai de Discussões Internacionais ocorre na cidade russa de Sochi de 2 a 5 de outubro de 2023. Segundo organizadores do evento, neste ano a reunião conta com a participação de cerca de 140 especialistas, políticos e diplomatas de 42 países de Eurásia, África e Américas.

O Valdai é uma associação dos principais especialistas estrangeiros e russos nas áreas de ciência política, economia, história e relações internacionais. Desde 2004, o clube passou do formato de "contar ao mundo sobre a Rússia" para um trabalho orientado para discutir e ajudar a definir a agenda global.