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Ciência soviética: há 70 anos, a URSS detonou sua 1ª bomba de hidrogênio

© Sputnik / Mikhail VoskresenskyUma réplica da Tsar Bomba termonuclear em Moscou
Uma réplica da Tsar Bomba termonuclear em Moscou - Sputnik Brasil, 1920, 12.08.2023
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A União Soviética estava em uma luta científica feroz com os Estados Unidos no início da Guerra Fria. Saiba como a ciência soviética competiu e conseguiu criar suas próprias armas poderosas.
Em 1953, a União Soviética testou pela primeira vez, no local de testes de Semipalatinsk, uma carga usando reações termonucleares, dando assim um passo prático em direção à criação de armas termonucleares nacionais. Na opinião de especialistas, o teste bem-sucedido realizado em 12 de agosto desse ano foi, sem exagero, um triunfo da ciência soviética.
Os cientistas soviéticos já sabiam em 1945, graças a dados de inteligência e publicações abertas na mídia americana, que os Estados Unidos, que haviam fabricado sua própria bomba atômica, estavam trabalhando para estudar a possibilidade de criar uma "superbomba" termonuclear extremamente potente.
O projeto soviético, com o codinome RDS-6 (que significa em russo "motor a jato especial"), foi confiado a vários cientistas do Instituto de Física Química da Academia de Ciências da URSS, sob a liderança do notável cientista Yakov Zeldovich. Ele foi executado no Escritório de Projetos-11 (KB-11, na sigla em russo) em Sarov, para verificar a possibilidade de criar uma bomba de hidrogênio.
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O decreto do governo previa que o projeto tivesse a colaboração de um grupo de pesquisadores do Instituto de Física da Academia de Ciências da URSS (FIAN, na sigla em russo). O grupo era liderado por Igor Tamm, um excelente físico, mais tarde vencedor do Prêmio Nobel, e seus membros incluíam o renomado cientista soviético Andrei Sakharov.

Abordagem original

O principal objetivo naquele momento era a criação da primeira carga atômica soviética, que foi testada com sucesso em 29 de agosto de 1949 no local de testes de Semipalatinsk. No entanto, a URSS também começou a trabalhar para testar a possibilidade de realizar um esquema de carga termonuclear, que foi proposto pelos americanos e que se tornou conhecido por meio da inteligência.
A ideia acabou sendo abandonada devido a uma série de limitações físicas fundamentais, tanto por parte dos EUA como da URSS, mas em janeiro de 1949 Sakharov propôs colocar no topo da carga atômica, que desempenhava o papel de fusível para toda a estrutura, "explosivos" termonucleares, deutério e urânio-238, alternando camadas concêntricas.
O esquema proposto por Sakharov foi chamado de "camadas", o que se refletiu na designação da futura carga, de RDS-6s, enquanto o princípio subjacente à operação de "camadas" foi chamado de "sakharização" pelos colegas de Sakharov.
O processo de descoberta da realização da ideia foi árduo, e não era nada óbvio que ela se mostrasse viável. Muitas coisas, em primeiro lugar os parâmetros confiáveis das reações termonucleares, eram desconhecidas na época. Para justificar as "camadas", era necessário um profundo conhecimento dos processos físicos que se desenvolvem em dez milionésimos de segundo e uma enorme intuição científica. No entanto, os cientistas soviéticos estavam à altura da tarefa.
© STF  / Acessar o banco de imagensExplosão nuclear no Atol de Bikini
Explosão nuclear no Atol de Bikini - Sputnik Brasil, 1920, 12.08.2023
Explosão nuclear no Atol de Bikini
Os Estados Unidos também consideraram a possibilidade de criar um dispositivo termonuclear chamado Alarm Clock (Despertador), que operaria de acordo com o esquema de "camadas" e seria "recheado" com deutério de lítio. No entanto, os cientistas locais, que inicialmente queriam criar uma carga com capacidade de um megaton, perceberam que tal era impossível e abandonaram a ideia. No entanto, uma carga de várias centenas de kilotons era viável, e se tornou objeto de trabalho na URSS.

Triunfo da ciência

Para criar tal carga, a equipe do RDS-6s teve que realizar uma grande quantidade de pesquisas teóricas e experimentais, para as quais a liderança do país criou todas as condições necessárias.
Os trabalhos em diferentes áreas foram realizados em lugares como o laboratório de Ilia Frank, no Instituto de Física Química do FIAN, no Laboratório de Instrumentos de Medição, Laboratório Hidrotécnico, Instituto de Problemas Físicos, Laboratório de Engenharia Térmica, Departamento de Problemas Atômicos do Instituto de Matemática Steklov, Instituto Geofísico e Departamento de Matemática Aplicada da Academia de Ciências da URSS e no KB-11.
Embora as tarefas de excepcional complexidade tenham sido inicialmente executadas manualmente, em máquinas eletromecânicas de mesa da Mercedes e da Rheinmetall, os resultados foram notáveis. De acordo com as estimativas, o poder explosivo do RDS-6c deveria ser entre 100 e 300 kilotons. Ele acabou sendo de 400 kilotons, o que, levando em conta a novidade e a enorme complexidade de tais tarefas, pode ser considerado de uma precisão aceitável.
Em comparação, os valores calculados e experimentais da potência das cargas termonucleares testadas nos EUA em 1954 diferiam em um fator de dois ou mais.
Os cientistas entregaram o relatório sobre o RDS-6s em junho de 1953. A carga foi desenvolvida imediatamente em uma versão transportável adequada para uso em uma bomba aérea, e era o primeiro exemplo mundial de um dispositivo de combate real que usava reações termonucleares.
As cargas foram testadas em 12 de agosto de 1953 no local de testes de Semipalatinsk. Para testar os processos decorrentes da explosão, foi decidido colocar a carga em uma torre em vez de lançá-la de um avião. A potência da explosão foi cerca de 20 vezes maior do que a da primeira carga atômica soviética.

O legado revolucionário das 'camadas'

A situação pode parecer paradoxal. Por um lado, a criação e os testes das "camadas" foram um verdadeiro triunfo da ciência e da tecnologia soviéticas. A criação de um dispositivo portátil de combate em tão pouco tempo reduziu, mas não eliminou, o atraso da União Soviética em relação aos Estados Unidos no início da década de 1950 no que toca ao desenvolvimento de cargas de hidrogênio superpotentes.
A tecnologia concebida ainda era um beco sem saída, pois sua potência não podia ser elevada até megatons. Os cientistas liderados por Sakharov propuseram, ao que lhes pareceu, uma versão melhorada das "camadas" sob o codinome RDS-6sd, mas nem mesmo ela conseguiu criar uma solução.
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No entanto, o projeto foi muito útil mais tarde.
Em 1º de novembro de 1952, os EUA testaram uma carga no atol de Enewetak, no oceano Pacífico, cuja potência ultrapassou dez megatons, batendo os recordes para a época. O dispositivo detonado não era transportável e tinha o tamanho de uma casa de dois andares.
A principal característica da nova abordagem dos físicos americanos era que, após a explosão da carga atômica do primeiro estágio, o "combustível" termonuclear do dispositivo era inflamado no segundo estágio, localizado separadamente. A ignição ocorria devido à implosão por radiação, uma maneira muito eficaz de comprimir o "combustível" termonuclear devido aos raios X emitidos durante a explosão da carga atômica primária.
O uso da implosão por radiação permitia a criação de cargas de potência muito grande e praticamente ilimitada, cuja explosão era dominada pela liberação de energia das reações termonucleares. Os cientistas soviéticos não sabiam disso na época.
A solução por parte dos engenheiros nucleares soviéticos chegou em 1954, cujo projeto recebeu o codinome RDS-37. Os pesquisadores do KB-11, liderados por Yuri Trutnev, um cientista russo de renome, perceberam que a melhor maneira de usar a ideia da implosão por radiação era usar as "camadas" em um único invólucro, que tinha as propriedades necessárias, para a transferência direcional da radiação de raios X da unidade primária.
A carga do RDS-37 foi produzida imediatamente para ser usada em uma bomba aérea. Em 22 de novembro de 1955 houve um teste bem-sucedido no local de testes de Semipalatinsk, com uma potência final de 1,6 megaton. Assim, ocorreu um novo avanço soviético na tecnologia de criação de uma arma termonuclear completa.
Concluindo, o trabalho com os RDS-6s criou uma base científica e técnica que garantiu um maior progresso no desenvolvimento do programa de armas nucleares soviético e a conquista da paridade com os Estados Unidos.
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