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O nascimento de um novo ciclo: como a Índia tem marcado seu lugar entre as grandes potências?

© AP Photo / Andy WongBandeira da Índia ao lado do brasão nacional da China, em Pequim
Bandeira da Índia ao lado do brasão nacional da China, em Pequim - Sputnik Brasil, 1920, 24.04.2023
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O atual ministro das Relações Exteriores da Índia Subrahmanyam Jaishankar iniciou no dia 21 de abril um circuito de visitas pela América Latina e países do Caribe no intuito de estreitar laços comerciais com a região e de ratificar o interesse indiano pelo estabelecimento de laços mais estreitos com o continente.
Trata-se de uma movimentação política importante por parte de Nova Deli, que vem atuando no cenário internacional contemporâneo como uma forte candidata ao papel de protagonista no jogo das grandes potências do século XXI. Além do mais, o país também assumiu a presidência da Cúpula de Líderes do G20 neste ano.
Não por acaso, muitos têm prestado detida atenção à política externa da Índia nos últimos tempos, com o objetivo de identificar quais sejam os caminhos a serem trilhados por Nova Deli em seu relacionamento com outros atores independentes como Estados Unidos, China, Rússia, assim como com o Sul Global.
Vale lembrar que a Índia é um dos poucos países identificados como "país-continente" (outro termo também utilizado seria o de "país-baleia"), devido ao seu tamanho, localização e potencial econômico, o que a credencia de forma natural a um papel de grande importância no jogo de forças internacional.
Por isso mesmo, a Índia considera que a dimensão de seu território (7º maior do planeta, com 3,2 milhões de km2) e população (2ª maior do mundo com perspectivas de ultrapassar a da China), além de sua já mencionada economia (7ª maior do mundo em PIB nominal) e poderio militar (por se tratar de uma potência nuclear desde 1974), a qualifica para um estatuto elevado no sistema internacional, explicando assim a reivindicação do país por uma maior voz nos assuntos mundiais.
Nesse contexto, apesar da clara predominância dos Estados Unidos no Banco Mundial (um dos principais pilares da governança global do pós-Guerra), a Índia já é um dos países com maior poder de voto dentro da instituição, atrás apenas de: Japão, China, Alemanha, Reino Unido e França.
Bandeiras dos cinco países que compõem o BRICS tremulam na frente de uma aeronave da Air China na qual o presidente chinês Xi Jinping chegou para participar da cúpula do BRICS em Goa, Índia, 15 de outubro de 2016 - Sputnik Brasil, 1920, 13.04.2023
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No âmbito do Fundo Monetário Internacional, por sua vez, a Índia ainda se encontra sub-representada em termos de cotas e poder de voto em comparação com sua participação no PIB global. Por conta disso, desde 2003 a Índia, juntamente com países importantes como Brasil e África do Sul, já declarava que a reforma do FMI "deve reduzir efetivamente o grave desequilíbrio entre a ampla maioria do poder de voto hoje detido pelas economias avançadas e a participação insatisfatória dos países em desenvolvimento", observação que implicitamente critica a posição dos países do G7 frente às demandas levantadas pelo Sul Global.
Não obstante, esse discurso em prol de uma maior voz para os países emergentes em instituições de tomada de decisão internacional trata-se de um dos principais pontos defendidos pelo BRICS, no qual a Índia tem participação ativa.
Com relação, por sua vez, ao Conselho de Segurança da ONU, desde 2011 a Índia vem pressionando por reformas em sua composição, juntamente com países importantes como Brasil, Alemanha e Japão, formando o então chamado grupo G4.
Já em sua primeira reunião ministerial, às margens da Assembleia Geral da ONU de 2011, os Estados do G4 afirmaram seu desejo de assumir maiores responsabilidades nos assuntos mundiais, postulando a sua inclusão como membros permanentes de um Conselho de Segurança expandido, de modo a torná-lo "verdadeiramente representativo das realidades geopolíticas atuais".
Desde então ficou claro que a Índia já enxergava possuir a capacidade e, mais do que isso, o direito a assumir a missão de mantenedora da paz e da segurança internacionais, complementando assim os esforços dos atuais cinco membros permanentes do Conselho.
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Em se tratando de Ásia, um dos marcos recentes da política externa indiana foi sua adesão em 2017 à Organização de Cooperação de Xangai. A Organização (fundada em 2001) conta ainda com a presença de China, Rússia e dos países da Ásia Central e objetiva combater a instabilidade regional no continente asiático; não sem razão, a adesão da Índia sinalizou para uma verdadeira reestruturação estratégica do continente eurasiático envolvendo a interação política entre a superpotência chinesa e duas grandes potências (Rússia e Índia).
Com isto, diminui-se significativamente a capacidade de influência na Eurásia por parte de atores extrarregionais, como Estados Unidos e União Europeia.
Ademais, a Índia também representa um país fundamental no âmbito da recente "viragem asiática" da Rússia nas relações internacionais, conforme codificada no mais recente Conceito de Política Externa assinado por Vladimir Putin, com Nova Deli recebendo boa parte dos recursos energéticos russos desde 2022 e passando a estabelecer relações de comércio com Moscou baseadas em moedas locais.
Para além do comércio, compete notar que as relações entre Rússia e Índia são historicamente marcadas pela cooperação militar e técnica desde o período soviético. Por conta disso, Nova Deli é um dos maiores importadores de armas russas do mundo e em 2020 realizou a aquisição de modernos sistema de defesa antiaérea S-400.
É do estabelecimento dessa maior cooperação russo-indiana que se pretende continuar o processo de consolidação de um mundo multipolar que reflita a pluralidade civilizacional e de sistemas de valores no mundo.
A Índia, sobretudo, não se alinhou ao Ocidente nas moções condenatórias à Rússia durante as sessões da Assembleia Geral da ONU em 2022 e neste ano, demonstrando a posição independente do país em relação ao conflito, apesar das fortes críticas que recebeu dos países ocidentais.

Fora justamente a partir dessa posição de independência que o ministro indiano Jaishankar manifestou-se de forma crítica em relação aos países europeus, dizendo que "a Europa precisa superar a mentalidade de achar que os problemas da Europa são os problemas do mundo, mas que os problemas do mundo não são os problemas da Europa". Jaishankar deixava claro, portanto, que a Índia não estaria disposta a seguir nenhum tipo de ditame externo, que não esteja de acordo com seus próprios interesses nacionais.
Ao mesmo tempo, apesar de fazer parte tanto do BRICS como da Organização de Cooperação de Xangai, a Índia também colabora com os Estados Unidos no âmbito do grupo Quad (Diálogo Quadrilateral de Segurança) desde 2017, que inclui ainda a Austrália e o Japão, movimento esse considerado como uma tentativa de mitigar a posição da China na região da Ásia-Pacífico.
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Todavia, é preciso lembrar que a capacidade dos Estados Unidos de garantir uma espécie de contenção à China por meio dessa coalizão ainda não é clara. A Índia, por exemplo, não depende diretamente dos americanos para sua proteção nem possui bases militares estadunidenses instaladas em seu território, como é o caso do Japão.
A questão da participação da Índia no Quad, portanto, parece tratar-se de uma política calculada de balanceamento estratégico de Nova Deli perante as duas superpotências do sistema (EUA e China).
Por fim, curiosamente uma das características mais notáveis da tradição hinduísta refere-se à sua compreensão do tempo como um fenômeno cíclico e não linear. Segundo esse entendimento, a própria criação passa por sucessivos ciclos de existência, aprendizado, crescimento e dissolução.
Hoje testemunhamos exatamente a dissolução de um ciclo no âmbito das relações internacionais, representado pela breve dominação dos países ocidentais no sistema. Em seu lugar, vemos o nascimento de um novo tempo, a ser marcado pela participação cada vez mais ativa da Índia como uma das principais grandes potências de nosso século.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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