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Governo Lula pode ser o pivô nas negociações de paz entre Rússia e Ucrânia?

© Foto / Ministério das Relações Exteriores do BrasilEm primeiro plano, o novo chanceler do Brasil, Mauro Vieira, ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do ex-chanceler e conselheiro de Lula Celso Amorim, durante cerimônia de posse no Itamaraty. Brasília (DF), 2 de janeiro de 2023
Em primeiro plano, o novo chanceler do Brasil, Mauro Vieira, ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do ex-chanceler e conselheiro de Lula Celso Amorim, durante cerimônia de posse no Itamaraty. Brasília (DF), 2 de janeiro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 05.01.2023
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O mundo é um lugar muito diferente do que era no fim de 2010, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encerrava seu segundo mandato como chefe do Executivo brasileiro com um cenário de crescimento econômico e 80% de aprovação popular.
Internacionalmente reconhecido, o líder petista assume diante do cenário do conflito entre a Rússia e a Ucrânia — esta sob forte apoio militar, financeiro e logístico dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) — e dos desdobramentos geopolíticos e financeiros por ele acarretados.
No bojo disso há uma grande expectativa global de que o Brasil tenha um papel ativo nas negociações de paz entre Rússia e Ucrânia.
Miguel Relvas, ex-ministro de Assuntos Parlamentares de Portugal, acredita que o Brasil pode ter um papel crucial no processo de busca pela solução entre a Rússia e a Ucrânia.
Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1996, o presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, que esteve na posse no último domingo (1º), fez um pedido especial ao homólogo brasileiro: que iniciasse uma costura de negociações entre russos e ucranianos com líderes da Turquia, Índia, Indonésia, África do Sul e China.
© Foto / Ministério das Relações Exteriores do BrasilO novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, cumprimenta a secretária-geral do Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha, na posse dela no cargo, em 4 de janeiro de 2023
Ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira cumprimenta secretária-geral do Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha na posse dela no cargo, em 4 de janeiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 05.01.2023
O novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, cumprimenta a secretária-geral do Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha, na posse dela no cargo, em 4 de janeiro de 2023
Ambos os políticos estrangeiros argumentam que nem Europa, tampouco os EUA têm capacidade de interlocução com a Rússia, uma vez que, ao apoiar a Ucrânia por meio de sua aliança militar, o continente e o país fazem parte do conflito.
O Brasil, portanto, seria um ator neutro, com boas relações com todos os lados e, diferentemente de outros países, com lastro e visão ocidentais — o que facilitaria a abertura com esse lado do mundo. Por outro lado, o país é um dos membros do BRICS, grupo que também inclui Rússia, China, Índia e África do Sul, situação que permite a movimentação entre essas peças do outro lado do tabuleiro.
A nomeação do ex-chanceler Celso Amorim como assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, publicada em edição extra do Diário Oficial da União na noite de quarta-feira (4), traz um reforço ainda maior à questão. Amorim é o principal conselheiro de Lula para a política externa.

Em entrevista cedida com exclusividade à Sputnik Brasil em agosto do ano passado, o ex-chanceler disse que "um grupo de países, sendo europeus, dos BRICS e até mesmo a China, que têm grande influência, poderiam ajudar a encontrar uma paz razoável. Esse acordo pressupõe concessões dos dois lados, e para isso é preciso haver diálogo". Para o ex-chanceler, não existe uma fórmula ideal, mas é possível "entrar em um acordo de paz. É preciso querer; enquanto houver transferência de culpa, não há solução".

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Na posse, Lula afirmou que deve ligar para o presidente russo, Vladimir Putin, em breve. Entre as primeiras viagens previstas do presidente brasileiro recém-empossado estão EUA e China.
A Sputnik Brasil conversou com Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor titular de história moderna e contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com Rogério Anitablian, analista geopolítico, para entender se o Brasil pode de fato ter uma atuação para propiciar o diálogo que, eventualmente, cessará o conflito ucraniano.
O professor da UFRJ acredita que, embora o Brasil tenha uma tradição muito forte em negociações internacionais, a intermediação em negociações de conflitos bilaterais não é, fundamentalmente, um tema desenvolvido pela diplomacia brasileira.
Outro aspecto enxergado por ele é que "[Vladimir] Zelensky [presidente da Ucrânia] não está disposto a negociar a paz".

"Por tudo que vimos no noticiário internacional e nas declarações oficiais do governo, ele insiste em posições absolutamente irrealistas, irrealizáveis, como a retomada da península da Crimeia, onde majoritariamente se tem uma população russa que deseja pertencer à Federação da Rússia. Nesse sentido, ele aparece como alguém buscando uma solução militar para o conflito, [...] [uma vez que] ele já tinha negado antes o chamado formato Normandia, em que se deveria discutir as condições de existência e de vida das populações russófonas no interior da Ucrânia. O Zelensky só vai negociar se receber uma ordenação dos Estados Unidos para fazê-lo. Enquanto a União Europeia e os Estados Unidos apoiarem o esforço bélico de Zelensky, não haverá negociações. Nesse sentido, eu acho muito mais viável uma postura muito firme do Brasil contra uma solução militar do conflito junto à União Europeia do que propriamente junto a Zelensky. A capacidade que o presidente Lula tem de influenciar a política americana junto a Zelensky é muito baixa", avalia.

O então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, ao lado do então presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), em 29 de junho de 2010 - Sputnik Brasil, 1920, 04.08.2022
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Ao mesmo tempo, aponta Silva, os Estados Unidos "não estão dispostos" a dar a Lula da Silva um "papel mundial de grande destaque".
Ele argumenta que isso se mostra "pela enviada não tão importante que os Estados Unidos mandaram" para a posse de Lula.
O professor relembra que a última intervenção brasileira em um conflito internacional envolvia a questão das armas nucleares e de longo alcance do Irã — aparentemente iniciada por um movimento pedido pelo próprio governo dos Estados Unidos, mas que, após encetada, foi seriamente atacada pela diplomacia americana, que depois retirou o apoio às gestões brasileiras nesse sentido.
No caso do Irã "foi muito comentado, quase ao nível de escândalo, no Brasil", rememora.
A crise na época se deu principalmente porque os Estados Unidos não se interessavam por um acordo com o Irã "e suas gestões junto ao Brasil para negociação não eram exatamente sinceras".
Quando, entretanto, o Brasil conseguiu chegar a um acordo com os iranianos, os Estados Unidos foram "tomados de surpresa" e resolveram não endossar o acordo.

"Então é preciso ter muito cuidado mais uma vez nessas negociações", aconselha Silva, correlacionando a experiência anterior com uma eventual atuação do Brasil na negociação de paz no conflito entre Rússia e Ucrânia.

© Foto / Divulgação / Ricardo StuckertLula no gabinete presidencial. Brasília (DF), 4 de janeiro de 2023
Luiz Inácio Lula da Silva no gabinete da presidencial. Brasília, 4 de janeiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 05.01.2023
Lula no gabinete presidencial. Brasília (DF), 4 de janeiro de 2023
Já o analista geopolítico Rogério Anitablian acredita que, pela tradição da diplomacia brasileira, as negociações de paz poderiam ser entabuladas e conduzidas pelo governo Lula.
Sem elencar nomes, ele argumenta que seria interessante se o Brasil conseguisse envolver outros atores que têm tido uma postura de relativa equidistância ou de imparcialidade (sob o ponto de vista de um não alinhamento com um ou outro lado) no conflito.
Nesse sentido, prossegue, o Brasil poderia liderar essa tentativa de negociação de maneira que privilegiasse uma interlocução considerada válida por ambas as partes.

"Seria efetivamente uma posição possível e também em relação aos interesses que o Brasil possui, tanto com a Rússia como com a Ucrânia, nas suas relações comerciais e nas perspectivas de aprofundamento das suas respectivas relações. Eu acredito que o Brasil teria, sim, legitimidade para realizar uma mediação eventualmente bem-sucedida", aponta.

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A própria aliança que sustentou a eleição deste governo brasileiro, observa Anitablian, devido ao amplo espectro e ao novo paradigma sob o ponto de vista do não alinhamento ideológico nas relações internacionais, pode fazer com que o governo brasileiro "consiga colocar frente a frente as partes que se encontram em contenda para que possam negociar. Essa perspectiva de não alinhamento ideológico do Itamaraty, dentro de uma postura de uma diplomacia ativa por parte do Brasil, pode privilegiar um bom desenlace".

"Lula tem um privilégio em relação a gozar de boas relações com diversos atores importantes, seja com o presidente Putin, seja, eventualmente, com interlocutores válidos do presidente Zelensky. Isso naturalmente reforça o aspecto da credibilidade do país e reforça também o aspecto da possibilidade prática de interlocução, no sentido de que as falas ou posturas que ele adote possam ser vistas como um crédito efetivamente mais plausível do que em relação ao que nós tínhamos no governo anterior. A imagem que o presidente Lula tem em relação às lideranças internacionais importantes nesse contexto facilitaria a atuação do Brasil", afirma ele.

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Para os dois analistas consultados pela Sputnik, é possível, também, explorar o fato de o Brasil ser um dos signatários do Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).
Anitablian contextualiza que esse status pode, de alguma forma, privilegiar a atuação, no sentido de oferecer garantias às partes de que essas armas não sejam usadas no futuro — nem contra a Ucrânia, nem contra a Rússia.

"Seria, talvez, um reforço dos protocolos de Budapeste ou alguma coisa que pudesse ter um número maior de signatários; ou, eventualmente, até passando pelo próprio Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas]. Nesse aspecto, essa legitimidade talvez seja reforçada pelos interesses do Brasil com as partes e também pelo fato de o Brasil, de alguma forma, não representar ameaça dentro desse contexto. O Brasil, pela sua potência regional (em relação inclusive [a] [...] interesses internacionais pelas suas riquezas), talvez devesse discutir de uma forma mais abrangente com a própria sociedade a continuação da adesão a esses protocolos", conclui.

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