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Abate de jumentos para medicina chinesa vira polêmica no Brasil

© Folhapress / Eduardo KnappGaroto montado em jegue na zona rural da cidade de Araçuaí (MG) (foto de arquivo)
Garoto montado em jegue na zona rural da cidade de Araçuaí (MG) (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 13.10.2022
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Para atender à demanda de um produto chamado ejiao, produzido na China, os jumentos brasileiros estão correndo o risco de extinção. Em entrevista à Sputnik Brasil, uma bióloga e um advogado explicam por que fazer os animais de insumo para a fabricação do item é uma bola de neve perigosa na qual ninguém parece prestar atenção.
Os jumentos brasileiros estão sendo dizimados para atender à demanda de um produto chamado ejiao, feito a partir do colágeno de sua pele, que, de acordo com a medicina tradicional chinesa, tem propriedades únicas que auxiliariam na circulação sanguínea.
Embora não haja comprovação científica dos efeitos do ejiao, esse fenômeno extrativista está preocupando alguns grupos ambientalistas e sanitaristas, como apontaram Yuri Fernandes, coordenador jurídico da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, e a bióloga Patricia Tatemoto.
Eles explicaram os perigos da prática extrativista e a importância de separá-la do que é o agronegócio brasileiro, cujo rigor é atestado pelas agências sanitárias e cujos produtos têm qualidade reconhecida internacionalmente.
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foram abatidos em 2021 quase 130 mil equídeos (jumentos, burros e cavalos). A maioria, que forma uma superpopulação no Nordeste brasileiro, foi vendida para a indústria médica da China, que tem interesse na pele, no couro e até mesmo na carne do animal.
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No Brasil, a prática, como apontam os ativistas ouvidos pela Sputnik Brasil, gerou um imenso número de animais em sofrimento e abandonados, que são vendidos e transferidos para três diferentes abatedouros na Bahia.
Como apontou Yuri Fernandes, "essa demanda da China, que chegou a dizimar os seus jumentos, chegou a outros países, incluindo Brasil, México, Peru e Venezuela". Na África, ante as investidas chinesas, conforme relatou o especialista, 19 países se viram obrigados a adotar leis para banir o abate desses animais.
Ele explica que, no caso do Brasil, "existe uma situação dramática, pois eles estão sendo dizimados e não há cadeia de reabastecimento", como é de costume no caso de suínos, bovinos e outros animais. Isto é, não existe controle sobre o nascimento de novos jumentos, apenas se sabe que eles estão ficando cada vez em menor número.
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O que diz a legislação brasileira?

"Para o direito ambiental, os animais são protegidos em razão de sua função ecológica, de equilíbrio de um determinado ecossistema", relata Yuri Fernandes. Ele explicou que, no âmbito dos direitos dos animais, a Constituição do Brasil proíbe maus-tratos e crueldade.
"Então nós defendemos o que diz a Constituição, que os animais são seres com consciência. Portanto existe um dever de proteção dos animais", que não está sendo respeitado com essa prática de caráter extrativista.

"Além de [os jumentos] terem direito à vida digna, existem leis que proíbem práticas que levem espécies a entrar em extinção. No caso dos jumentos, por ser uma atividade extrativista, a prática pode levar ao fim da espécie", disse.

O especialista ainda enfatizou a sua atuação como coordenador jurídico da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos. Ao longo de seu trabalho, ele relata casos, nos abatedouros baianos, "de maus-tratos aos animais, que ficam sem comida, água, abrigo, e muitos morrem no transporte. É uma prática bárbara, medieval".
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Além disso, aponta, existem dois aspectos que precisam ser levados em consideração: a questão sanitária e de doenças que acometem equídeos.

Perigos de uma nova COVID-19

A questão dos perigos do abate indiscriminado de jumentos foi um dos pontos ressaltados pela bióloga Patricia Tatemoto, que mostrou preocupação com as condições em que os animais são abrigados antes de serem enviados à China.

"Eles são transportados sem rastreabilidade até a Bahia, onde existem três abatedouros. Esses animais têm doenças como mormo, que mata humanos em 95% dos casos. O maior problema da atividade é o fato de ser extrativista e sem controle sanitário", disse.

O mormo, ou lamparão, é uma doença infectocontagiosa dos equídeos causada pela bactéria Burkholderia mallei, que pode ser transmitida ao homem e também a outros animais. No ser humano, os sintomas gerais são febre, dores musculares, dor no peito, rigidez muscular e cefaleia. Não há vacina disponível contra a doença.
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Para a bióloga, condições como essas colocam não apenas os animais em risco, mas também a sociedade. Ela apontou que a COVID-19 também pode ter sido resultado de práticas pouco higiênicas e ausência de controle sanitário em alguns mercados de animais na Ásia.

"Encontramos em Canudos, na Bahia, cerca de 800 jumentos em condição de maus-tratos. E houve na mesma época um surto de mormo na Bahia, o maior da história", relembrou, acrescentando que há riscos de biosegurança e, sobretudo, à saúde pública.

Patricia Tatemoto também é responsável por uma campanha de conscientização pública a respeito dos perigos do abate indiscriminado de jumentos. "É uma ferramenta que estamos utilizando para que as autoridades tomem conhecimento dos perigos do abate de jumentos no Brasil", disse.

"Nós temos condições de ter um respaldo e um cuidado sanitário muito melhores com os jumentos. Além disso, essa atividade não representa o agronegócio brasileiro, tão respeitado no mundo por seus protocolos de saúde", concluiu.

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