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Analista: esclarecimento de homicídios no Brasil é afetado por falta de dados e escolhas políticas

© Folhapress / AM Press & Images / Allan CarvalhoNo Rio de Janeiro, a polícia realiza a perícia no local da reconstituição do caso do assassinato da menina Ágatha Félix, na rua Antônio Austregésilo, subida da localidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, em 1º de janeiro de 2019.
No Rio de Janeiro, a polícia realiza a perícia no local da reconstituição do caso do assassinato da menina Ágatha Félix, na rua Antônio Austregésilo, subida da localidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, em 1º de janeiro de 2019. - Sputnik Brasil
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O Instituto Sou da Paz realizou um levantamento em 11 unidades federativas mostrando que quase 70% dos assassinatos ficaram sem solução em 2017. A Sputnik Brasil ouviu um dos gerentes do Sou da Paz, que explicou que faltam dados e que o cenário se deve ao modelo de segurança pública e policiamento.

O Brasil é um dos países em que há mais assassinatos no mundo. Segundo o relatório Atlas da Violência 2020, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país teve 57.956 assassinatos ao longo do ano de 2018. O Brasil tem também a terceira maior população carcerária do mundo, com cerca de 750 mil pessoas atrás das grades, das quais menos de 10% estão presas por crime de homicídio.

Diante da falta de estatísticas sobre investigações conclusivas nos crimes de homicídio no país, o Instituto Sou da Paz realizou um levantamento que mostra que em dez estados e no Distrito Federal, em média, cerca de 70% dos crimes de homicídio não são esclarecidos.

© AP Photo / Michael Dantas Parentes de presos do presídio Anísio Jobim, em Manaus (AM), aguardam lista com os nomes das vítimas durante rebelião ocorrida em 3 de janeiro de 2017
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Parentes de presos do presídio Anísio Jobim, em Manaus (AM), aguardam lista com os nomes das vítimas durante rebelião ocorrida em 3 de janeiro de 2017

A terceira edição do relatório "Onde Mora a Impunidade" busca criar um Indicador Nacional de Esclarecimento de Homicídios e revela que 16 estados brasileiros não conseguem determinar quantos homicídios tiveram os responsáveis apontados após investigação.

Felipe Angeli, advogado e gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, aponta que a situação no Brasil é preocupante a ponto de que sequer os dados sobre a realidade dos esclarecimentos de homicídios no país estão disponíveis na maior parte dos estados.

"Não há uma ação, seja por parte do governo federal, seja por parte dos estados, de publicar esses índices, de publicar esses dados de forma transparente e periódica", ressalta o especialista em entrevista à Sputnik Brasil.
© Folhapress / José Lucena / Futura PressNo Rio de Janeiro, viaturas da divisão de homicídios são vistas no local do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, mortos a tiros na Rua Joaquim Palhares, em 14 de março de 2018.
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No Rio de Janeiro, viaturas da divisão de homicídios são vistas no local do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, mortos a tiros na Rua Joaquim Palhares, em 14 de março de 2018.

Angeli destaca que, apesar de o país ser recordista de assassinatos, a maior parte da população prisional no Brasil está presa por crimes não violentos, ligados ao tráfico de drogas e a crimes contra o patrimônio. Os crimes contra a vida são parte da ficha de uma minoria atrás das grades.

"O que a gente identifica ao olhar os dados do DEPEN [Departamento Penitenciário] sobre a população prisional brasileira é que você tem uma imensa população prisional – a terceira maior do mundo – com mais de 700 mil presos, em que metade são presos por crimes patrimoniais – roubos, furtos, muitas vezes de objetos de pouco valor e com pouca ou nenhuma violência -, um terço desses presos são por crimes ligados ao tráfico de drogas [...]. E apenas 10% desses presos são presos ligados a crimes contra a vida, como o homicídio", afirma.
© Folhapress / Gabriel CabralEm São Paulo, um técnico trabalha no Laboratório de detecção de drogas da Superintendência da Polícia Técnico-científica de São Paulo, em 11 de setembro de 2019.
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Em São Paulo, um técnico trabalha no Laboratório de detecção de drogas da Superintendência da Polícia Técnico-científica de São Paulo, em 11 de setembro de 2019.

Para Angeli, essa configuração da população prisional é uma escolha política, ligada ao modelo de segurança pública e policiamento adotado no Brasil. Segundo ele, a consequência disso é a falta de prioridade de investimentos em capacidade de investigação de crimes "complexos".

"Isso parte de uma escolha política de modelo de policiamento orientado à ostensividade, a esse modelo de patrulhamento de rua de uma polícia militarizada que está orientada ao confronto, o que acaba tendo como resultado, na maior parte, as prisões em flagrante [...]. Crimes mais complexos, como homicídio, que demanda perícia, que demanda balística, que demanda investimento maior em poder de investigação, de polícia técnico-científica e policial civil, não são prioridade", aponta Angeli.

O membro do Instituto Sou da Paz ressalta que o relatório publicado pela organização tem como objetivo fomentar essa prioridade a partir dos dados sobre a situação do esclarecimento dos crimes.

"O que a gente propõe de fato é que haja uma prioridade a partir daí, que a gente possa orientar os recursos para que tenha resultados melhores", afirma o advogado, acrescentando que o primeiro passo para melhorar a situação é criar uma base pública e confiável de informações.

Rio de Janeiro tem a pior situação de esclarecimento de homicídios

O ranking de esclarecimento de homicídios desenvolvido a partir do relatório do Instituto Sou da Paz aponta o Distrito Federal como a unidade federativa com mais crimes desse tipo esclarecidos, enquanto o Rio de Janeiro surge como o pior colocado. Se no Distrito Federal 92% dos crimes de homicídio foram solucionados no ano da pesquisa, 2017, no Rio de Janeiro apenas 11% tiveram solução.

© Foto / Betinho Casas Novas/Futura Press/FolhapressPoliciais de UPPs durante operação na Cidade de Deus e na Comunidade do Karatê, no Rio de Janeiro (arquivo)
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Policiais de UPPs durante operação na Cidade de Deus e na Comunidade do Karatê, no Rio de Janeiro (arquivo)

Felipe Angeli explica que enquanto o Distrito Federal, que tem menos habitantes, consegue investir no trabalho das polícias e garantir uma capacidade alta de investigação, o Rio de Janeiro convive com uma "crise política permanente", a influência de milícias e do tráfico de drogas. Para o advogado, esse é um cenário que demanda ação para ser modificado, e a melhora na base de dados sobre os crimes de homicídio daria um panorama mais amplo para solucionar os problemas.

"Esse que é o ponto, nosso objetivo aqui é que o estado melhore a partir da sua própria condição. Se o Rio de Janeiro sabe hoje o seu índice, pode começar a orientar suas políticas para melhorar isso para o ano que vem e assim sucessivamente", diz.
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