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Orgulho e preconceito: fundamentos da geopolítica britânica e sua oposição histórica à Rússia

© AP Photo / David CliffBandeira da Rússia tremula do lado de fora da Seção Consular da embaixada do país no Reino Unido, em Londres, em 22 de fevereiro de 2022
Bandeira da Rússia tremula do lado de fora da Seção Consular da embaixada do país no Reino Unido, em Londres, em 22 de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 15.03.2024
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Como uma das principais potências marítimas da história, desde meados do século XIX a Grã-Bretanha escolheu um caminho de ferrenha oposição à Rússia. Da Guerra da Crimeia ao conflito na Ucrânia, os britânicos não perdem a oportunidade de tentar enfraquecer a Rússia seja na Europa seja na Ásia.
Desde tempos remotos, uma das principais preocupações da Grã-Bretanha era impedir que uma potência terrestre obtivesse dominância política na Eurásia. Em última análise, essa preocupação levou os britânicos a diversas disputas e guerras com a França na Europa, atingindo seu auge justamente na era napoleônica. Todavia, tendo Napoleão sido derrotado em 1815 por uma grande coalizão de Estados, o olhar dos ingleses se voltou então para o Império Russo. Na segunda metade do século XIX, os britânicos desconfiavam que a Rússia pudesse ameaçar suas possessões coloniais na China e, especialmente, na Índia. Afinal, a economia britânica dependia dos insumos e da expropriação de bens de seu vasto império colonial. O domínio britânico, sem prejuízo do exagero, era acima de tudo uma espécie de bloco comercial gigantesco a envolver praticamente todas as regiões do planeta. As colônias britânicas alimentavam as fábricas domésticas da ilha com matérias-primas essenciais, como algodão e borracha, servindo de fomento para o lucrativo comércio inglês com a Europa e a América. Essa condição comercial privilegiada aliada aos frutos da Revolução Industrial fez da Grã-Bretanha a principal potência mundial em meados do século XIX.
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Dado esse contexto, a Grã-Bretanha se viu tentada a buscar aliados tanto na Europa como na Ásia a fim de conter potenciais concorrentes e ameaças a seu império ultramarino. O Império Russo, por sua vez, representava para Londres justamente uma dessas ameaças, em vista de seu gigantesco território de proporções continentais e poderio militar. Para conter os russos foi que os britânicos se uniram à França e ao Império Otomano durante a Guerra da Crimeia (1853–1856), na qual as três potências impediram que a Rússia atingisse uma posição mais sólida na região do mar Negro.
Outro foco de contenção ao Império Russo localizava-se no Pacífico. Afinal, para a Grã-Bretanha os oceanos eram o seu locus de atuação internacional. Não à toa, Londres investiu muito em seu poderio naval e em sua Marinha, dando-lhe uma vantagem incomparável nesse segmento perante as demais potências do sistema.

Fora a marinha comercial e de guerra, aliás, o principal instrumento de projeção da Grã-Bretanha no mundo, sustentando um império que se estendia — no seu ápice — da América do Norte à Austrália.

Logo, para evitar que qualquer Estado ameaçasse o seu vasto domínio global, a Grã-Bretanha não somente geriu meticulosamente o equilíbrio de poder na Europa, como também na Ásia. Foi nesse contexto que em 1902 britânicos e japoneses assinaram um tratado de aliança bilateral que preconizava a ajuda mútua e a salvaguarda conjunta de seus respectivos interesses tanto na China como na Coreia. Esse pacto com Tóquio era de certo modo também dirigido contra o Império Russo, que vinha aumentando sua influência no continente asiático, trazendo apreensão a japoneses e britânicos. Motivados por deter um suposto expansionismo russo no Extremo Oriente, portanto, os britânicos decidiram auxiliar o Japão durante a guerra russo-nipônica de 1905. Após o conflito, Tóquio obteve o controle final da península coreana, além das Ilhas Curilas (hoje parte integrante da Rússia desde o final da Segunda Guerra Mundial).
Em suma, desde meados do século XIX ficou demonstrado que os britânicos se uniriam a qualquer potência que pudesse colocar em xeque a influência da Rússia seja na Europa seja na Ásia. Usando a sua solidez financeira, influência diplomática e intervenções militares estratégicas, Londres exerceu uma continuada e praticamente ininterrupta política de contenção à Rússia ao longo da história. Contudo, embora essa abordagem de equilibrar o poder de potenciais rivais no continente europeu tenha mantido por mais tempo a primazia da Grã-Bretanha no mundo, após o final da Primeira Guerra Mundial os limites do Império Britânico estavam já bastante evidentes. Era enfim chegado o momento de seu declínio.
© AP Photo / Official British PhotographO então primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill (à esquerda) e o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Josef Stalin, durante a conferência histórica entre as partes em Moscou, em 13 de setembro de 1942
O então primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill (à esquerda) e o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Josef Stalin, durante a conferência histórica entre as partes em Moscou, em 13 de setembro de 1942 - Sputnik Brasil, 1920, 15.03.2024
O então primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill (à esquerda) e o então secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Josef Stalin, durante a conferência histórica entre as partes em Moscou, em 13 de setembro de 1942
O custo havia sido muito alto de lidar ao mesmo tempo com a Rússia e com a ascensão do poderio da Alemanha na primeira metade do século XX. Falando em Alemanha, Londres sempre teve em mente a ideia de não permitir de modo algum a união entre russos e alemães na Europa. Essa tinha sido uma sugestão do influente geoestrategista inglês Halford Mackinder ainda no começo do século XX, advertindo os britânicos de que caso tal união acontecesse, o poderio terrestre da Eurásia colocaria em risco a supremacia inglesa nos mares. A ameaça alemã foi vencida na Segunda Guerra Mundial por meio de uma coalização temporária entre soviéticos, ingleses e americanos, mas isso não deteve os formuladores de política em Londres de continuarem antagonizando os russos no período da Guerra Fria. Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos substituíram a Grã-Bretanha como a principal potência naval do globo, herdando também os seus imperativos geopolíticos de contenção à Rússia. Washington, com apoio tácito de Londres, optou então pela construção de uma rede de alianças militares ao redor do mundo para cercar a União Soviética e, em 1949, capitaneou a criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que tinha como principal função justamente se opor à Moscou.
Hoje a nova estratégia da Grã-Bretanha é a de reafirmar sua posição como principal aliado europeu da OTAN. Tal condição levou Londres não somente a apoiar ativamente os processos de expansão da Aliança Atlântica para o Leste no pós-Guerra Fria, como também se manifesta pela continuada ajuda financeira e militar britânica à Ucrânia na atualidade. Nessa guerra do Ocidente contra a Rússia, a Grã-Bretanha mantém seu firme compromisso com o objetivo de enfraquecer Moscou na Europa e de minar sua posição no espaço pós-soviético. Um misto de orgulho ferido pela perda do império de outrora e de um profundo preconceito para com a Rússia fizeram da geopolítica britânica o que é ela hoje. Um projeto secular de oposição à Rússia que, assim como os oceanos, parece não ter um fim à vista.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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