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'Internacional militarista': a ligação entre as potências liberais e as guerras eternas

© AFP 2023 / Daniel MihailescuO comandante francês Gilles inspeciona o transporte de foguetes de um sistema terra-ar de médio alcance Mamba na base militar de Capu Midia, na costa do mar Negro. Corbu, condado de Constanta, Romênia, 19 de outubro de 2023
O comandante francês Gilles inspeciona o transporte de foguetes de um sistema terra-ar de médio alcance Mamba na base militar de Capu Midia, na costa do mar Negro. Corbu, condado de Constanta, Romênia, 19 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 12.12.2023
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As mais proeminentes nações liberais do Ocidente, encabeçadas pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental, estiveram durante as últimas décadas profundamente envolvidas com intervenções militares ao redor do globo, para a manutenção de sua hegemonia nas relações internacionais.
Antigamente, pelo menos até a Primeira Guerra Mundial, os liberais de fato condenavam o recurso às armas como forma de promover os interesses do Estado, preferindo, em vez disso, o estabelecimento de laços comerciais com outras nações. No entanto, os "novos liberais" que predominam hoje no Ocidente fizeram um verdadeiro pacto com a guerra, apoiando a chamada "exportação da democracia e do livre mercado" por meio da força para demais regiões do planeta. Hoje, eles veem com total tranquilidade seus governos investirem em gigantescos contratos com complexos militares industriais, de modo que o casamento entre finanças e armas já não pode mais ser escondido de ninguém.
Desse casamento também resulta a sobrevivência de alianças militares como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que a partir dos anos 1990 intervieram militarmente nos Balcãs, no Norte da África, na Ásia Central e no Oriente Médio, gerando resultados simplesmente catastróficos para essas populações. Assim sendo, a "internacional militarista" tornou-se a nova cara do liberalismo político e econômico do Ocidente, que não se incomoda em travar guerras com outras civilizações no intuito de atingir seus objetivos políticos egoístas.
Testemunhamos com isso o recurso à intervenção armada para mudança de regimes tidos como indesejáveis, no âmbito não exatamente de uma "Guerra ao Terror", mas sim de uma "Guerra ao Outro", utilizando-se do poder duro (hard power) como instrumento para a manutenção de um status quo favorável às potências ocidentais. Nesse cenário, as múltiplas guerras que tiveram lugar no mundo durante as últimas décadas, sob a hegemonia do poderio econômico e militar estadunidense em especial, praticamente não causaram sobressaltos na convicção liberal de que tudo era em prol de um bem maior, a saber, a exportação da democracia e dos valores ocidentais para civilizações insubmissas.
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O que ficou claro, na verdade, foram as ligações entre a proliferação dessas guerras com os lucros exorbitantes de empresas militares e de armamentos como Lockheed Martin, RTX Corporation e Northrop Grumman (só para citar algumas), que, ao participarem de conflitos em terras longínquas, satisfaziam cada vez mais sua ganância econômica. Ficava claro também que o establishment político americano era sustentado sobretudo por suas ligações com esse complexo industrial militar, o que explica os enormes gastos com defesa por parte de Washington. Não por acaso os Estados Unidos — principal líder das potências liberais do Ocidente — possuem mais de 800 bases militares ao redor do globo. Trata-se, enfim, de uma liderança baseada no poder do "porrete".
O mais curioso de tudo é que ao mesmo tempo em que a América e seus aliados ocidentais estão armados até os dentes, são eles que — com a maior cara de pau — fazem discursos sociais de teor pacifista e de inclusão. Ora, são exatamente os governos desses Estados os mais beligerantes e exclusivistas do mundo, e justamente os mais incapazes de entender e de respeitar os valores de outros povos e de outras civilizações. É por isso que a "internacional militarista" se incumbiu de usar as guerras eternas como um instrumento servil para a consecução de seus objetivos políticos de dominação sistêmica. No limite, foram essas guerras, defendidas pelos liberais, que se tornaram elemento basilar da chamada ordem internacional, baseada em regras do Ocidente coletivo. Na prática, como as diversas intervenções militares envolvendo países da OTAN nos Balcãs, no Norte da África, no Oriente Médio e na Ásia Central demonstraram, tudo não passou de uma grave interferência externa do Ocidente nos assuntos internos de outros Estados, que, como consequência, levou à falência política e econômica dessas sociedades.
O presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky (E), conversa com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán (D), durante a posse do novo presidente da Argentina, Javier Milei, no Congresso em Buenos Aires, 10 de dezembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 12.12.2023
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Finalmente, temos a infusão de agendas liberais em órgãos regulatórios e instituições de tomada de decisão global, no sentido de supostamente defender violações contra os direitos humanos. Nesse ponto, a "internacional militarista" se incumbiu de exigir que Estados e sociedades não ocidentais ao redor do mundo se subordinassem às visões de mundo do Ocidente, baseadas na supremacia do indivíduo sobre o coletivo. Derivadas disso, as guerras alimentadas pelas potências liberais buscaram forçar seus valores e ideais pseudouniversais em países e povos inteiros, ignorando tradições históricas e especificidades culturais, sociais, políticas e religiosas.
Em suma, os liberais viam a guerra cada vez mais como uma forja do novo internacionalismo missionário do Ocidente. Afinal, se as demais sociedades do globo não se parecessem com a sociedade americana ou a europeia, havia alguma coisa de errado, algo que precisava ser corrigido imediatamente. Essa foi então a carta branca recebida pelos "mercadores da morte", que hoje lucram com o prolongamento de conflitos tanto no Leste Europeu como no Oriente Médio, por exemplo. Ponto para a "internacional militarista", que no final das contas demonstrou a natureza antidemocrática da ordem ocidental, bem como a ausência de qualquer senso de "inclusão" ou de empatia por outros povos e civilizações.
É bem válido lembrar que no começo do século XX o jornalista e liberal britânico Alfred George Gardiner dizia que seu país representava "o espírito da luz". Alguma semelhança com os liberais de hoje que dizem defender o "lado certo da história"? Ou com as declarações de Ronald Reagan no final da década de 1980 de que os Estados Unidos são "uma cidade iluminada na colina"? Pois então, parece que os tempos não mudaram. Em pleno século XXI, continuamos expostos a essa interpretação infantil do mundo. E muitos são os que acreditam nessa interpretação. Difícil mesmo é convencer essas pessoas a enxergarem o que está bem diante dos olhos, a saber, o casamento mais que bem-sucedido entre o liberalismo ocidental e o internacionalismo militarista.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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