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Entre economia, ideologia e Israel, Lula conseguirá se reaproximar dos evangélicos?

© Foto / Valter Campanato /Agência BrasilLuiz Inácio Lula da Silva sanciona o projeto de lei que define pensão para filhos de pessoas com hanseníase. Brasília, 24 de novembro de 2023
Luiz Inácio Lula da Silva sanciona o projeto de lei que define pensão para filhos de pessoas com hanseníase. Brasília, 24 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 28.11.2023
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Em entrevista ao podcast Jabuticaba sem Caroço, da Sputnik Brasil, deputado federal, pastor e cientista política analisam a reaproximação do público evangélico com Lula, apontada em pesquisa recente após o afastamento observado na gestão anterior.
A reaproximação com o público evangélico é um dos principais desafios para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato, que vem sendo popularmente chamado de "Lula 3".
Embora tenha cultivado laços estreitos com lideranças evangélicas em seus dois primeiros mandatos, o segmento se afastou após a ascensão de Jair Bolsonaro e da extrema-direita.
Porém, uma pesquisa divulgada em agosto, realizada pela Genial/Quaest, mostrou que a aprovação do presidente cresceu entre evangélicos, com 50% dos entrevistados afirmando aprovar a gestão de Lula, contra 46% que reprovam.
Para entender como está a relação entre Lula e o público evangélico e como questões como a guerra entre Israel e o Hamas podem influenciar essa reaproximação, o podcast Jabuticaba sem Caroço, da Sputnik Brasil, conversou com Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), deputado federal e integrante da bancada evangélica, Mayra Goulart, cientista política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Sergio Dusilek, doutor em ciência da religião e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professor do Seminário Teológico Batista Carioca e pastor na Igreja Batista Marapendi, no Rio de Janeiro.
Sóstenes Cavalcante diz não acreditar nos resultados divulgados pela pesquisa Genial/Quaest. Em sua avaliação, "os institutos de pesquisa têm dificuldade para medir o segmento evangélico".

"Eu não sei os motivos, se é erro de métrica de todos os institutos ou se é um erro, porque os evangélicos não gostam de manifestar sua opinião quando são pesquisados. Pode ser uma das duas coisas, não quero ser leviano. Eu não acredito que seja maldade, mas já na época da eleição do presidente [Jair] Bolsonaro, os institutos de pesquisa falavam que o segmento evangélico era 50% a 50% [metade a favor do então presidenciável Fernando Haddad, metade a favor de Bolsonaro]."

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Ele ressalta que não acredita que institutos de pesquisa tenham a má intenção de manipular números.
"Eu prefiro e acredito que é algum erro […]. Tenho muita dificuldade para acreditar nessas pesquisas e digo que, atualmente, não é verdade que o presidente Lula tenha maioria no nosso segmento. Ele continua tendo dificuldades e patinando muito forte."
O deputado, no entanto, afirma que talvez a relação entre Lula e a população evangélica possa ter apresentado melhorias por conta da economia, mas afirma não acreditar que essa melhoria vai se sustentar.

"Nesse primeiro ano de governo eles ainda estão colhendo louros do resultado econômico da gestão anterior. Mas daqui a pouco, como já começou a piorar a economia, isso vai refletir em números péssimos para o atual governo."

Questionado sobre o porquê de o público evangélico ter se afastado de Lula, tendo apoiado o presidente em suas gestões anteriores, Cavalcante cita como motivos a corrupção e o alinhamento do presidente a pautas consideradas "afrontas a valores evangélicos, como a família tradicional".
"Eles defendendo sempre o casamento de pessoas do mesmo sexo, afrontas com relação a várias instruções normativas e ministérios a favor de aborto, isso foi nos distanciando cada vez mais."
Ele acrescenta que a esquerda, ciente dos dados da pesquisa, tentará se reaproximar dos evangélicos, mas "vai ter uma enorme dificuldade".

"Os meios que a esquerda opera para obter esses votos são os piores possíveis. É lamentável ser dessa forma, porque eles sabem que, se for pelo viés ideológico, nunca mais terão majoritariamente o apoio do segmento evangélico. Não só por causa da questão da afronta aos valores, mas por causa da questão dos escândalos enormes de corrupção que tiveram os seus governos e que eles até hoje nunca assumiram."

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Cavalcante cita ainda a postura de Lula em relação ao conflito entre Israel e o Hamas. Na avaliação do deputado, o fato de Lula e o PT não terem classificado o Hamas como um grupo terrorista foi "um desastre".

"Eles foram muito claros, desde o início, em não dizer [que o Hamas é um grupo terrorista], porque a ONU [Organização das Nações Unidas] não reconhece ainda o Hamas como grupo terrorista. […] Depois, quando ele [Lula] fala que o Hamas praticou terrorismo, ele não chamou o Hamas de grupo terrorista, […] falou que praticaram terrorismo. Aí ele diz que a reação de Israel foi uma prática de terrorismo igual, igualando um Estado soberano, democrático, a um grupo terrorista. Foi um desastre."

Sergio Dusilek, por sua vez, diz considerar que o afastamento do público evangélico de Lula se deu por conta "da semeadura de um fundamentalismo de corte protestante" durante a gestão Bolsonaro.
Ele afirma que o grupo neopentecostal, que compõe a maioria dos evangélicos no Brasil, têm deputados e senadores no Congresso, e que essas lideranças estão buscando se aproximar do governo Lula.
"Justamente porque eles [neopentecostais] não estão interessados em uma bandeira ideológica; sempre foram mais afeitos, na minha percepção, a uma questão de proximidade com o poder — são os interesses que estão em jogo. A grande questão é se os demais grupos entrarão nessa aproximação também."
Ele destaca que há uma resistência a essa tendência, "capitaneada por certas figuras histriônicas do meio evangélico". "Mas se essas figuras histriônicas ficarão sozinhas ou se continuarão criando ou mantendo uma redoma em relação ao governo do PT, isso só o tempo dirá. E também a habilidade negocial e relacional do presidente Lula, em especial, poderá fazer frente a essa situação."
Questionado sobre o distanciamento de Lula do público evangélico, após uma aproximação entre os dois lados durante as eleições, Dusilek afirma que isso reflete uma postura do presidente de não associar religião com a questão política em seu mandato.

"Eu admiro isso nele, só que a realidade que está posta no Brasil não permite mais, na minha percepção, esse purismo. Ele, na minha visão, tem que conversar e abrir um diálogo com lideranças evangélicas […]. Se o governo não for capaz de conversar com os evangélicos, a tendência é que aquilo que foi só um elemento contributivo nas eleições e depois passou a ser o pêndulo da balança se tornará, de fato, determinante nos próximos pleitos", ressalta Dusilek.

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Nesse contexto, ele acrescenta que o maior risco seria a ascensão de outra liderança, mais radical do que Bolsonaro.

"A gente corre o risco de ter esse projeto de poder, de um 'evangelistão' acontecendo no Brasil. Os mais entusiasmados [desse segmento] não querem Bolsonaro. Eles querem um líder cristão, com pedigree cristão evangélico. Eu tenho muita preocupação com esse esquecimento."

O pastor afirma que o preço a ser pago por Lula pelo afastamento do segmento religioso pode ser alto. Ele destaca que a "aliança da extrema-direita com o fundamentalismo cristão protestante está dada" e a demonização do presidente segue em andamento, apesar dos bons indicadores econômicos.
"É muito preocupante que o governo não consiga ou não queira olhar para isso. É lógico que os indicadores sociais e econômicos melhorando, a tendência é que parte de um grupo — que não é o chamado bolsonarismo raiz — tenda a repensar o governo Lula. […] Mas esse movimento baseado só nos indicadores socioeconômicos não é um caminho que faz o movimento evangélico. Eu sempre digo o seguinte: melhorou a economia, está todo mundo com pleno emprego e recuperação salarial dos ganhos do trabalhador. O pastor chega e fala assim: 'Está vendo como Deus é bom? Até pegando um [governante] diabo como Lula, ele usa para abençoar o povo dele.'"
Ele acrescenta que a estratégia de impor uma pecha demonizante a Lula não é nova, tendo sido usada "em 1989, na eleição contra Fernando Collor, e de novo, agora com muita força, em 2022".
Questionado por que os evangélicos que se beneficiaram durante as gestões de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff — obtendo do governo concessões de canais de rádio e emissoras de televisão locais, usadas para pregação — se voltaram contra o PT, Dusilek diz que "em todo grupo dos chamados discípulos de Jesus existem sempre os judas iscariotes". Ele afirma que, nesse caso, políticos que apoiaram Lula e Dilma migraram de lado por conta da "onda que surfa a extrema-direita".

"São políticos evangélicos surfistas. Eles sempre colocam a prancha na direção de alguma coisa. O fato é que esse diálogo que nós estamos tendo precisa ser um diálogo com gente que tenha algum tipo de caráter digno, para que o governo não seja de novo traído. Ao ajudar com a concessão [de canais de rádio e emissoras de televisão] os políticos que usam a prancha de surf, essa concessão acabou se voltando contra o próprio governo, e isso é uma coisa bem preocupante."

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Mayra Goulart, cientista política da UFRJ, também credita os resultados da pesquisa Genial/Quaest à melhoria na situação econômica.

"A melhoria da aprovação do governo Lula 3 dentro dos [setores] evangélicos pode ser explicada por uma sensação de bem-estar econômico que está começando a surtir efeito nos segmentos, não da base da pirâmide, mas aqueles que estão logo acima da base da pirâmide. São segmentos intermediários, […] não são os absolutamente mais pobres, mas aquela classe média muito baixa, com dois a cinco salários mínimos."

A cientista política afirma que o governo tem dado mais ênfase à pauta econômica, em detrimento de outras, que ela classifica como direitos civis, por serem essas questões que ampliam a polarização.

"No que diz respeito às pautas de direito civil, o governo Lula 3 está fazendo uma aposta em deixar isso relativamente de lado, tirar a ênfase discursiva nesses temas. Eu não gosto de falar 'temas morais', porque para mim eles são mais do que temas morais. Racismo, feminicídio, machismo, homofobia não são temas propriamente morais. Eles dizem respeito aos direitos civis das minorias."

Mayra Goulart acrescenta que a relação entre fiéis e pastores não é uma relação amorfa, ou seja, não significa que os fiéis terão uma adesão completa ao que um líder religioso diz. Porém, ela afirma que alguns líderes usam essa relação para suas pretensões políticas.

"É uma disputa para manter aquela base eleitoral. Há certo risco de a proximidade com aquilo que é identificado como esquerda prejudicar a pessoa, o líder, enquanto líder de um nicho que, de determinada maneira, se entende como de direita. Sabendo que essas categorias, direita e esquerda, são símbolos [...], e que esses símbolos servem para dar coesão, atrair grupos diferentes com interesses diferentes dentro de um grande sujeito político."

Ela destaca ainda que o Estado de Israel é outro símbolo usado por essas lideranças, que têm utilizado a guerra em território palestino para reforçar as bases de seu eleitorado.
"A evocação dessa simbologia do Estado de Israel, da guerra contra o Hamas, por parte dessas lideranças de direita é para evocar essa memória […]. É algo análogo ao que está acontecendo agora com a reforma tributária. Ela está sendo usada como símbolo, ainda que o seu conteúdo não faça tanto sentido nessa direção. O símbolo está sendo mobilizado como uma reforma tributária de esquerda, assim como a crítica à condução do Estado de Israel na guerra contra os palestinos é colocada como se fosse algo de esquerda, ou associado a um conteúdo de esquerda. Isso é uma narrativa que é utilizada para manter a coesão de grupos sociais em torno dessas lideranças", conclui a cientista política.
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