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Presença de 300 militares dos EUA na selva da Amazônia pode ameaçar a soberania do Brasil na região?

CC BY 2.0 / Divulgação / Exército Brasileiro / Militares brasileiros da Tropa Especial de Selva, Amazônia, 17 de maio de 2017
Militares brasileiros da Tropa Especial de Selva, Amazônia, 17 de maio de 2017 - Sputnik Brasil, 1920, 24.10.2023
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Militares estadunidenses se preparam para vir à Amazônia para exercícios conjuntos com o Exército brasileiro. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil analisam as possíveis ameaças geradas pela presença estrangeira na região.
O Brasil receberá cerca de 300 militares estadunidenses que desembarcarão em Belém, no Pará, a partir do dia 31 de outubro, para participar de exercícios conjuntos com militares do Exército brasileiro.
Os exercícios conjuntos fazem parte da CORE 23 (sigla para Combined Operation and Rotation Exercise), operação que é parte de um acordo de cooperação na área de defesa entre Brasil e EUA, assinado em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff. A edição deste ano será na Amazônia, em regiões do Pará e do Amapá, entre os dias 1º e 16 de novembro.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas em defesa e segurança analisaram os objetivos da operação e como a entrada de militares estrangeiros em um território tão crítico para o Brasil poderia afetar a segurança ou a soberania nacional.
Danilo Bragança, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política Externa Brasileira (Lebep), da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que esses intercâmbios entre militares são comuns, mas afirma que a presença de militares estadunidenses em território nacional incomoda, mesmo que seja para exercícios.

"Utilizar o território nacional em regiões como o Pará e o Amapá [para os exercícios conjuntos], que são regiões que estiveram em voga por conta da exploração de petróleo, do acesso ao rio Amazonas, do acesso à própria Amazônia pela Amazônia Azul, causa certo incômodo em setores mais cientes da história e da proximidade normalmente tóxica em relação ao Brasil e Estados Unidos", explica Bragança.

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Já Rubens de Siqueira Duarte, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), aponta que os exercícios conjuntos também são uma forma de criar laços entre militares, além de passar um recado de confiança mútua.
"Você tem uma aproximação simbólica, pessoal e política entre esses dois Estados [Brasil e EUA], demonstrando que existe uma aliança, que existe amizade, reduzindo então […] certa desconfiança que possa existir entre os dois."
A edição deste ano da CORE 23 será a primeira a ser realizada na Amazônia. Questionado sobre o porquê da escolha de um território-alvo de cobiça internacional, Duarte descarta a possibilidade de existência de interesses escusos por trás da operação.

"Numa possibilidade de […] invasão estrangeira tradicional, ou seja, uma invasão de Estado para Estado, para contestar parte da Amazônia ou sua totalidade, muito provavelmente essa guerra não vai se dar na Amazônia. Porque a Amazônia é muito difícil de ser ocupada, uma região de mata densa. Se houver uma batalha pela Amazônia, a primeira coisa que eles vão fazer é tentar derrotar Brasília ou, obviamente, outras partes do Brasil", explica o especialista.

Ele afirma "não considerar razoável que os EUA, por meio de um exercício simulado conjunto com o Brasil, treine para uma evasão da Amazônia".
"Acho que não é por aí. Até porque a principal ameaça que temos na Amazônia hoje não é de guerra tradicional, não é de um Estado querendo invadir a Amazônia, e sim a grande quantidade de grupos que são irregulares, que atravessam a fronteira da Venezuela, da Colômbia, do Peru, ou o avanço do crime organizado brasileiro na Amazônia, que está se associando com grilagem, com tráfico de drogas, com madeireiros, com mineração ilegal. O grande risco que a gente tem hoje não é de forças regulares, mas sim de forças irregulares", explica Duarte.
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Ele acrescenta que, nesse contexto, faz todo sentido a realização de treinamentos na região que "aprimorem a capacidade do Estado brasileiro de responder a essas ameaças". "Acho que é um dos princípios que vão guiar esse exercício", diz o especialista.
Porém, ele destaca que os EUA podem usar outros meios que não militares para tentar pressionar o Brasil para explorar, de alguma forma, a Amazônia e ter acesso à água, minérios e riquezas biológicas existentes na região.

"Eles podem fazer isso por meio de grupos não estatais, sejam empresas ou organizações internacionais. Com muito cuidado para não cair naquela teoria da conspiração de que todas as ONGs estão lá a serviço do capital estrangeiro; não é por aí", explica Duarte.

Duarte acrescenta que "a cobiça internacional existe, mas isso não significa que haverá uma invasão tradicional [nem] que não existam pessoas de bem […] atuando na Amazônia para melhorar a situação da região".
Danilo Bragança, por sua vez, destaca que "a Amazônia é um recurso natural de pé e extremamente rentável". Diante disso, afirma que o Brasil precisa ter liderança e protagonismo para que a agenda da Amazônia seja controlada pelo país.
"Há interesses nacionais e estrangeiros que são muito lesivos à Amazônia, inclusive no sentido de derrubar a floresta. Esse interesse estrangeiro faz parte de uma linha de raciocínio do mundo que tem a ver com o internacionalismo, com a gestão de recursos de maneira compartilhada, com a governança global e […] regional, [e] o Brasil precisa ter a liderança. Porque a maior parte do território da Amazônia está sob o nosso território", argumenta Bragança.
Ele afirma que, para garantir a soberania sobre a Amazônia, primeiro, o Brasil precisa assegurar que continuará de pé.

"É a partir daí que a gente vai começar a administrar a Amazônia de maneira correta, gerindo a agenda […] [internacionalmente] e administrando recursos de maneira racional e sustentável", explica o especialista.

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Bragança concorda que a preservação é de extrema importância e destaca que a soberania do Brasil deve vir acompanhada de responsabilidade.

"Não adianta nada o Brasil bater no peito e dizer que a Amazônia é brasileira, mas ter políticas absolutamente irresponsáveis para a região, inclusive na questão ambiental pelo lado climático. Porque é óbvio, a questão das mudanças climáticas já provou que será um dos grandes temas deste século. Então não adianta uma postura ultrassoberanista, porque o problema é global. As mudanças climáticas afetam o mundo inteiro."

Troca de experiências e operações conjuntas são benéficas para o Exército brasileiro

Para o coronel da reserva do Exército brasileiro Marco Antonio de Freitas Coutinho, o objetivo de exercícios conjuntos, como a CORE 23, é a interoperabilidade, ou seja, realizar trocas de experiências relativas a técnicas e procedimentos que ajudem a desenvolver nossas capacidades operativas.
Ele destaca que o Brasil é signatário do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que visa a defesa mútua, e ressalta que o Exército brasileiro realiza, anualmente, exercícios combinados regulares com outros países.

"[A] Argentina, com a operação Arandú; o Paraguai, com a operação Paraná; a França, [com] a operação Fer de Lance; e diversas atividades conjuntas na nossa faixa de fronteira com a Guiana Francesa, que também é na Amazônia, e é um departamento da França, ou seja, um país integrante da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Realizamos a operação Viking com a Suécia, que está fora do contexto americano, mas é o principal exercício de operações de paz do mundo, em 2022 foi no Brasil. E a CORE, com os EUA, que é realizada um ano no Brasil e no ano seguinte nos Estados Unidos."

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Coutinho destaca que "o relevante nesses exercícios não é o lugar onde são realizados".
"Para um Exército como o nosso, é importantíssimo realizar intercâmbios com o maior número possível de parceiros internacionais, a fim de obter conhecimentos que nos levem a atingir um nível avançado de prontidão operacional, que vão nos permitir realizar a defesa de nossos interesses e da nossa soberania, sempre que se fizer necessário."
Danilo Bragança concorda em relação à importância de aprender com exércitos de outros países. Porém, ele afirma que os exercícios conjuntos podem não ser a forma mais relevante para obter expertise.
"O que há aí, na verdade, com esses exercícios é que eles contribuem com a expertise que, de alguma maneira, poderia ser alcançada de outra forma. Essa expertise é uma expertise de prática. Isso quer dizer que você aprende a fazer com alguém. Mas como você não tem o mesmo recurso, […] o mesmo maquinário, aprender desse jeito pode não surtir o efeito desejado. Participei de alguns exercícios militares e parece muito mais demonstração, exibição, do que necessariamente alguma coisa vital para o Exército brasileiro. O que é vital para o Exército brasileiro é despolitizar", explica Bragança.

"Vital [para o Exército brasileiro] é ter uma base industrial de defesa com incentivo tecnológico, com formação de pessoal, melhor redistribuição do programa de cargos e salários, favorecer melhor praças, cabos e sargentos. E desmobilizar a gigante parcela de generais e patentes altas que a gente tem num Exército como o nosso que não tem nenhuma serventia, a não ser tirar dinheiro dos cofres públicos", acrescenta o especialista.

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