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Ucrânia, ano zero: ao cortar laços com a Rússia, Kiev age contra a própria história

© AP Photo / Doug MillsPresidente ucraniano, Vladimir Zelensky, entre os líderes dos países da OTAN durante a cúpula da Aliança Atlântica em Vilnius, Lituânia, 12 de julho de 2023
Presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, entre os líderes dos países da OTAN durante a cúpula da Aliança Atlântica em Vilnius, Lituânia, 12 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 12.07.2023
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A importância das ligações entre Ucrânia e Rússia dificilmente pode ser subestimada. E as razões para isso são muitas. Os países compartilharam durante séculos laços culturais, étnicos, econômicos, religiosos e políticos bastante fortes. Porém, hoje Kiev tenta romper essas conexões orgânicas com Moscou, agindo assim contra a sua própria história.
Tudo isso se deu, pois a Ucrânia tornou-se um peão no tabuleiro geopolítico do Ocidente na Europa. É preciso lembrar que, desde os anos 1990, analistas influentes como Zbigniew Brzezinski já deixavam claro que a Ucrânia, por seu tamanho e localização estratégicos, era importante demais para ser ignorada nos cálculos de poder da União Europeia e sobretudo dos Estados Unidos. Há mais de duas décadas, portanto, já se percebia uma certa inquietação por parte de pensadores americanos no sentido de preparar um caminho para a adesão da Ucrânia à OTAN.
A União Europeia, enquanto isso, sob o pretexto de desenvolver instituições democráticas nos países do espaço pós-soviético, começou a envolver-se de forma cada vez mais ativa nos assuntos domésticos dos Estados vizinhos à Rússia, esforçando-se para minar a influência e a posição de Moscou na região.
Mesmo em meio a protestos por parte de Moscou, a alta cúpula europeia não somente apoiou os turbulentos processos políticos que levaram à chamada Revolução Laranja de 2004, como endossaram o golpe de Estado na Ucrânia dez anos depois, em 2014. A ideia era criar novas linhas divisórias na Europa, promovendo a instabilidade política no continente com o intuito de auferir ganhos geopolíticos frente à Rússia.
O presidente dos EUA, Joe Biden (E), e o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, posam durante um evento com os líderes do G7 para anunciar uma Declaração Conjunta de Apoio à Ucrânia durante a cúpula da OTAN em Vilnius, 12 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 12.07.2023
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Fato é que, desde o alargamento da União Europeia em 2004, a Ucrânia tornou-se o alvo político mais importante do Ocidente no espaço pós-soviético. Até então, a política externa ucraniana havia sido caracterizada por um relativo equilíbrio. O presidente Leonid Kuchma (1994–2004), por exemplo, referia-se apenas vagamente às aspirações da Ucrânia com relação ao bloco europeu e geralmente o fazia quando lhe parecia politicamente necessário ou quando buscava alcançar algum ganho econômico imediato. Todavia, como resultado da assim chamada Revolução Laranja, Viktor Yuschenko fez da integração à União Europeia, e sobretudo à OTAN, a principal pedra angular da política externa ucraniana.
A questão da OTAN era, como se sabe, especialmente sensível para a Rússia, dado que atrairia a infraestrutura militar e tropas da Aliança Atlântica para próximo de suas fronteiras meridionais, composta basicamente por estepes.

Não à toa, a Rússia logo entendeu o que estava por trás das tentativas de atrair a Ucrânia para o quadro de membros da OTAN. O intuito era fazer da Ucrânia uma "plataforma" de provocação contra a Rússia, ao mesmo tempo incitando as lideranças políticas em Kiev a enfraquecer os laços históricos entre os dois países-irmãos.

Nem mesmo as boas relações comerciais entre Rússia e Ucrânia de décadas anteriores, na qual Moscou vendia a Kiev suas commodities a preços subsidiados, nem mesmo seus interesses estratégicos mútuos, foram capazes de fazer com que a Ucrânia tomasse consciência do perigoso jogo no qual estava sendo atraída pelo Ocidente.
Quando, em finais de 2013, o presidente ucraniano Viktor Yanukovich decidiu assumir uma postura mais cética com relação à União Europeia, o país pouco tempo depois sofreria um golpe de Estado. Efetuado o golpe, deu-se livre vazão à ascensão de sentimentos nacionalistas no âmbito doméstico ucraniano, o que era enxergado de forma positiva pelo Ocidente, pois representava uma perspectiva de afastar a Ucrânia da influência política russa.
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Para o Kremlin, estava mais do que claro que os tumultos da praça Maidan em Kiev colocaram em risco a estabilidade política do país vizinho e, mais do que isso, representavam os esforços do Ocidente (encabeçado por Washington) de fazer da Ucrânia um experimento geopolítico. Foi a partir dali que a Ucrânia nunca mais voltaria a controlar o seu próprio destino.
Não por acaso, as populações russas no leste do país (mais precisamente na Bacia do Don, composta pelas então regiões ucranianas de Lugansk e de Donetsk, que agora se tornaram repúblicas russas), assim como na Crimeia, não só não reconheceram o golpe de Estado de 2014 como também se tornaram alvos de perseguição por parte de forças ultranacionalistas operando em solo ucraniano.
Tal situação levou a Crimeia a decidir por sua reunificação à Rússia em 2014 e, pouco mais de oito anos depois, motivou Moscou a empreender sua operação militar especial em defesa das populações em risco em Donbass. Do ponto de vista geopolítico, por sua vez, as percepções negativas da Rússia quanto ao avanço da OTAN para o leste acabaram sendo repetidamente ignoradas, tanto por Kiev quanto pelas lideranças ocidentais, momentos antes da eclosão do conflito.
Vladimir Putin, aliás, mostrou a líderes africanos em junho desse ano que a delegação ucraniana já havia concordado com um documento base que colocaria fim às hostilidades entre as duas partes. Um dos principais pontos desse documento, senão o principal, era justamente a fixação de uma cláusula de neutralidade da Ucrânia perante a OTAN em sua Constituição. Contudo, o Ocidente interviu no processo de negociação, impedindo que Zelensky concordasse com o fim do conflito. Mais do que isso, as promessas feitas a Kiev por parte de europeus e americanos motivaram a Ucrânia a colocar em marcha o processo de rompimento artificial de seus laços históricos com a Rússia.
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Condizente com as limitações paulatinamente impostas ao uso do russo no país desde 2014, agora o governo ucraniano busca estabelecer o inglês como língua de comunicação prioritária, tornando a proficiência no idioma obrigatória para cargos oficiais de alto escalão. Enquanto isso, o violento sequestro de instalações e igrejas ortodoxas na Ucrânia pelas forças de segurança do Estado, sob o pretexto de evitar uma suposta propaganda russa em locais de culto, é apenas mais uma das medidas artificiais de Kiev para justificar a perseguição religiosa em larga escala.
Rompe-se, assim, outro dos laços que historicamente conectaram russos, belarussos e ucranianos ao longo das eras, em favor da adoção de um decadente pseudomodelo "civilizacional" europeu, que se caracteriza pelo desprezo aos valores culturais, espirituais e tradicionais dos povos.
Nada disso é natural e orgânico. Trata-se de uma tragédia para o povo ucraniano, que vê o país mais uma vez mergulhando no caos em função de uma elite política que se prestou a atender os interesses de potências estrangeiras. Quando o ano zero chegar, o afã de afastar-se da influência russa trará como resultado não a independência da Ucrânia, mas sim sua completa submissão aos ditames de seus patrões ocidentais. Tal final poderia ser diferente, não fosse Kiev ter agido contra a própria história.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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