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Os Estados Unidos e seu 'complexo de Deus': as origens do anseio hegemônico americano

© AFP 2023 / Brendan SmialowskiCadetes comemoram durante a cerimônia de formatura na Academia da Força Aérea dos Estados Unidos, ao norte de Colorado Springs, no condado de El Paso, Colorado, em 1º de junho de 2023
Cadetes comemoram durante a cerimônia de formatura na Academia da Força Aérea dos Estados Unidos, ao norte de Colorado Springs, no condado de El Paso, Colorado, em 1º de junho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2023
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Segundo a narrativa bíblica contida em Genesis, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança.
Com efeito, traduzindo essa condição para o plano das relações internacionais, vemos que os Estados Unidos, em vista de sua interpretação triunfalista sobre o final da Guerra Fria, também têm procurado tornar o mundo à imagem e semelhança da América.
Esse tipo de atitude americana, que tem como pano de fundo uma espécie de proselitismo político de caráter protestante, se deu sobretudo por conta de dois fatores. Primeiro, pela posição dominante do pensamento econômico neoliberal de começo dos anos 1990.
Nesse período, as principais organizações econômicas internacionais, bem como uma série de países e regiões do globo, adotaram o assim chamado "Consenso de Washington", que representava uma série de programas adotados pelo FMI e pelo Banco Mundial para países em desenvolvimento.
Tais programas, dentre outras coisas, sugeriam aos países tomadores de empréstimo que eles adotassem determinadas metas: como inflação baixa, liberação no controle de preços, corte de gastos governamentais e abertura de seu mercado financeiro e de capitais.
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O resultado da adoção dessas políticas, contudo, foi o surgimento de crises econômicas desde a Rússia até a América Latina, cujo crescimento de seu PIB per capita na década de 1990 foi menor do que o de décadas anteriores, apesar de terem adotado as recomendações de instituições dominadas pelos Estados Unidos.
Posteriormente, as regras desse sistema hegemônico foram adotadas acriticamente pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estendendo ainda mais a influência do pensamento econômico americano para dentro do continente europeu.
Na época, políticos dos Estados Unidos viram-se convictos do surgimento de uma nova ordem mundial, onde as decisões de política doméstica e externa do restante do mundo estariam condicionadas aos ditames e predileções ideológicas de Washington.
Já o segundo fator primordial utilizado pelos Estados Unidos a fim de tornar o mundo à sua imagem e semelhança diz respeito à política de exportação de seus "valores democráticos" pela via da força e pela intervenção direta em assuntos domésticos de outros Estados.
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Foi esse um dos principais slogans defendidos por Washington para justificar a invasão do Afeganistão e do Iraque no começo dos anos 2000, baseando-se na necessidade de remoção de suas lideranças e numa suposta implantação do modelo de democracia liberal naquelas regiões.
Explorando ideias como a da "intervenção humanitária" nos Bálcãs, no Oriente Médio e na Ásia Central, os Estados Unidos cinicamente escondiam do olhar público suas próprias violações dos direitos humanos, evidenciada pelo tratamento de prisioneiros na Baía de Guantánamo, assim como na prisão de Abu Ghraib no Iraque.
Com efeito, a comunidade internacional passou a notar então que o alegado apoio aos direitos humanos e à expansão da democracia no mundo nada mais era do que um disfarce para a consecução dos objetivos geopolíticos de Washington.
Tudo isso, aliado ao alto custo social e às perdas em vidas humanas oriundas dessas intervenções, reforçaram ainda mais a profunda desconfiança quanto às motivações estadunidenses no sistema internacional, que começavam a denotar claramente uma espécie de "complexo de Deus".
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Não por acaso, nos Estados Unidos a obra "O Fim da História", escrita por Francis Fukuyama no começo dos anos 1990, adquiriu tons de uma quase profecia. Em essência, Fukuyama argumentou que após o final da Guerra Fria a democracia liberal americana e seu modelo econômico de livre mercado haviam removido os últimos obstáculos para a sua irremediável expansão global.
Como consequência, os americanos entenderam ser fundamental a derrubada de regimes políticos que apresentassem visões de mundo distintas, passando a utilizar da força para substituí-los por sistemas políticos democráticos e liberais, sem se importar com a especificidade das diferentes civilizações e povos.
Nesse contexto, o triunfo do "liberalismo" americano equivalia à afirmação de que só pode existir um único modelo de liberdade humana possível e um único modelo de organização social e política aceitável.
Uma vez que a "história" (como a interpretou Fukuyama e os próprios formuladores de política em Washington) era sobre a formação e desenvolvimento da liberdade humana, os Estados Unidos, na posição de "Deus do sistema", deveriam "impor essa liberdade" às demais nações.
Aqui, o ponto-chave é que, segundo Washington, não deveria existir qualquer alternativa política ao modelo de democracia liberal americana no mundo e, portanto, regimes tidos como "não liberais" deveriam ser enfraquecidos, minados e, no limite, derrubados.
Na prática, isso significou que os Estados Unidos estavam prontos para agir unilateralmente no sistema, financiando guerras e participando delas diretamente se necessário, tudo no intuito de defender os assim chamados "valores democráticos". No final das contas, qual foi resultado de tudo isso?
O resultado foi a tentativa de instauração de um verdadeiro Império Mundial, composto por mais de 800 bases militares ao redor do globo, pela ocupação militar de países como Alemanha e Japão, pela morte de milhões de civis em função de suas intervenções militares e pelo deslocamento de milhões de refugiados de zonas de conflito.
Entretanto, o que o novo "Deus do sistema" não esperava era o reaparecimento de nações que se levantariam contra seu projeto de dominação, opondo-se em princípio ao hegemonismo dos Estados Unidos nas relações internacionais.
Tais países, como Turquia, Rússia, China, Irã e outros atores importantes demonstraram claramente os limites dessa promoção "militarmente" induzida do modelo democrático liberal.
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Em 1989 Ronald Reagan havia dito que os Estados Unidos eram como "uma cidade brilhante sobre a colina" e que os olhos das nações se voltariam admirados para Washington. Os anos 2000 mostraram que o ufanismo de Reagan estava errado.
Mais do que isso, mostraram que os Estados Unidos precisarão se contentar em ser tão somente "uma das cidades" (embora ainda importante) dentre as várias cidades brilhantes do mundo.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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