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Nova Guerra Fria? Para analistas, EUA não medem esforços para tentar conter integração euro-asiática

© AP Photo / Olivier HosletPresidente dos EUA, Joe Biden, durante entrevista coletiva após cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Bruxelas, na Bélgica, em 14 de junho de 2021
Presidente dos EUA, Joe Biden, durante entrevista coletiva após cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Bruxelas, na Bélgica, em 14 de junho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 26.09.2022
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam como os Estados Unidos usam a expansão da OTAN e o conflito na Ucrânia como instrumentos para tentar manter sua influência.
Se há uma coisa que o conflito entre Rússia e Ucrânia escancarou para o mundo foi a disposição dos Estados Unidos em não medir esforços para tentar conter a integração euro-asiática. É o que aponta o estudo "Os EUA em busca de uma Nova Guerra Fria: uma perspectiva socialista", lançado neste mês, em conjunto, pela revista Monthly Review, o coletivo No Cold War e o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
O estudo detalha as estratégias usadas pelos EUA para tentar buscar uma supremacia nuclear e a hegemonia das elites euro-atlânticas, inclusive por meio de um enfrentamento com Rússia e China, em uma espécie de releitura da Guerra Fria.
Para entender que impactos a integração euro-asiática gera sobre os interesses de Washington e qual o papel do conflito vigente na Ucrânia nesse contexto, a Sputnik Brasil conversou com John Ross, do coletivo No Cold War, que assina o estudo com o editor da revista Monthly Review, John Bellamy Foster, e a jornalista Deborah Veneziale, e com Isabela Gama, especialista em segurança e teoria das relações internacionais e BRICS e pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
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John Ross destaca que a integração euro-asiática ameaça os EUA por dois motivos: primeiro, porque a população da Eurásia é numericamente muito superior à dos EUA — mais de 2 bilhões de pessoas, contra cerca de 300 milhões. Segundo, por questões econômicas.

"Um aspecto fundamental da economia americana, de escala quase continental, é que é uma economia equilibrada e relativamente independente, abrangendo quase todos os principais setores econômicos: agricultura (centro-oeste), energia (Texas), fabril (costas leste e oeste)", destaca Ross, em entrevista à Sputnik Brasil.

Ele explica que a integração da Eurásia criaria uma área igualmente independente. "Mas se os EUA podem dividir a Eurásia, nenhuma de suas partes componentes teria o mesmo caráter equilibrado que os EUA. Portanto os EUA desejam enfraquecer a Eurásia dividindo-a e tentando criar más relações entre suas partes", destaca o especialista.
De acordo com Ross, uma das tentativas de desestabilização foi o apoio de Washington à Revolta dos Guarda-Chuvas, onda de protestos contra a China que se alastrou por Hong Kong em 2014. Ele destaca que, na ocasião, os EUA tentaram fomentar em Hong Kong uma espécie de contrarrevolução colorida — termo usado para designar manifestações contra governos geralmente não alinhados ao Ocidente.

"Mas os EUA calcularam totalmente mal", afirma o pesquisador. Segundo ele, "os manifestantes pró-ocidentais em Hong Kong tinham essencialmente zero apoio da população da China continental, o que significa que o governo chinês nunca foi seriamente ameaçado por essa tentativa de contrarrevolução colorida."

Questionado sobre se a guerra na Síria também poderia ser considerada uma das etapas da guerra por procuração travada pelos EUA contra outra potência adversária, a Rússia, Ross afirma que sim. "A Síria foi uma das guerras por procuração mais importantes, a mais recente antes da guerra na Ucrânia desencadeada pela expansão da OTAN."
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Já sobre a possibilidade de um conflito global, Ross destaca que a concretização desse cenário dependeria dos resultados do conflito na Ucrânia. Segundo ele, essa probabilidade seria maior em caso de vitória do lado apoiado pelos EUA. Isso porque "quando enfraquecidos por derrotas", os EUA tenderiam a buscar uma postura mais pacífica em seguida. Porém, "quando fortalecidos por vitórias, tornam-se mais agressivos".
Ele cita como exemplo a postura conciliatória adotada por Washington após a derrota na Guerra do Vietnã. De acordo com Ross, após sairem fortalecidos da Segunda Guerra Mundial, os EUA sofreram algumas derrotas, sendo uma delas na Guerra da Coreia, mas que não abalaram suficientemente a confiança do país para tentar isolar a China nas décadas de 1950 e 1960. Porém, após o severo fracasso na Guerra do Vietnã, o então presidente americano, Richard Nixon, fez uma visita oficial a Pequim, que foi seguida do restabelecimento das relações diplomáticas entre EUA e China.

"Esse mesmo padrão de agressão dos EUA em momentos de força ou uma atitude mais conciliadora em momentos de fraqueza também pode ser visto em torno da crise financeira internacional que começou em 2007/2008. Essa crise foi um duro golpe para a economia dos EUA. Como resultado, os EUA começaram a enfatizar a cooperação internacional", destaca Ross.

O especialista exemplifica citando o caso do G20, que embora "tenha sido estabelecido em 1999, só começou a realizar reuniões anuais após a crise econômica de 2007/2008".

"Em 2009, o G20 se comprometeu como a principal força de cooperação econômica e financeira internacional", afirma Ross, destacando que isso se deu também devido a uma mudança de postura por parte de Washington. "Em particular, como se sentiam enfraquecidos, os EUA demonstraram uma atitude mais cooperativa em relação à China nessas áreas", enfatiza.

Nova Guerra Fria carece de componente ideológico

Para a especialista em relações internacionais Isabela Gama, o conceito de uma nova Guerra Fria entre EUA e Rússia "é anacrônico". Em entrevista à Sputnik Brasil, ela argumenta que "falta hoje o componente principal, que é o ideológico, que não existe mais".
A especialista destaca que o período do pós-Guerra Fria, na década de 1990, foi marcado por uma decisão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de expandir suas fronteiras, avançando "para onde não deveria".

"Era um momento de entrosamento entre as partes, que só durou até o momento em que o Ocidente, para variar, decidiu sair do seu lugar e avançar para onde não deveria, por exemplo, com conflitos no espaço pós-soviético, enviando a OTAN e não convidando a Rússia para fazer parte", destaca Gama.

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Segundo ela, a disputa que o mundo atravessa hoje é "ainda mais tecnológica, com guerra híbrida, de narrativas e cibersegurança". Tais elementos diferenciam a conjuntura atual da Guerra Fria vivenciada durante o mundo bipolar.
"A guerra que ocorre hoje entre Rússia e Ucrânia não é entre Rússia e Ucrânia, é entre Rússia e o Ocidente. Parece que a Ucrânia está ali no meio para mandar uma mensagem para o Ocidente. Essa é a similaridade entre a Guerra Fria e o que vemos agora, como foram a Síria e a Líbia. Foram momentos em que parece que a Rússia estava mandando um bilhete de 'Estamos aqui na Síria, não cruze essa linha'", argumenta a especialista.
No entanto ela diz considerar o título do estudo — EUA em busca de uma nova Guerra Fria — "bem acertado", pois há a possibilidade de Washington de fato estar buscando uma releitura da disputa com Moscou.
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Se, por um lado, há essa possibilidade de o Ocidente tentar "explorar algumas rivalidades dentro da Eurásia para afastar" Rússia e China, por outro, destaca Gama, há o risco de os parceiros de Washington chegarem ao entendimento de "que talvez estejam sendo explorados, mais uma vez, pela política norte-americana". Isso porque, de acordo com a especialista, não são os EUA que estão pagando o preço mais alto pelo apoio à Ucrânia, mas, sim, a Europa.

"Estão longe geograficamente, podem ser atingidos por um míssil nuclear, sim, mas não é provável. Apesar de haver ameaças nucleares, não acredito que chegaremos a esse ponto. Mas mais uma vez os EUA estão explorando as fraquezas dos outros, porque estão se sentindo ameaçados."

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