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Parceria de defesa com a Argélia bota influência internacional do Brasil em evidência, diz analista

© Foto / Pixabay / jorisamonenPlaca indicando o caminho para a Argélia
Placa indicando o caminho para a Argélia - Sputnik Brasil, 1920, 21.09.2022
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Do Norte da África para o mundo, a Argélia é um país que desponta no cenário geoestratégico global. Seja por abundantes reservas de gás natural, que atraem o flerte de líderes europeus, seja pelo recente pedido de ingresso no BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o país vem capilarizando sua estratégia diplomática.
Do outro lado do Atlântico Sul, o Congresso brasileiro aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 333/2021, que ratifica o texto do Acordo de Cooperação em Defesa entre Brasil e República Argelina Democrática e Popular.
O pacto tem ênfase nas áreas de intercâmbio de delegações e de informação, capacitação de pessoal, aquisição de armamentos, equipamentos militares e sistemas de armas, troca de experiência em matéria de manutenção e apoio logístico de equipamentos comercializados entre os países.
© AP Photo / Fateh GuidoumBandeiras da Argélia na capital do país, Argel, em 18 de setembro de 2021
Bandeiras da Argélia na capital do país, Argel, em 18 de setembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 20.09.2022
Bandeiras da Argélia na capital do país, Argel, em 18 de setembro de 2021
Em termos de geopolítica, trata-se de um movimento que amplia e reforça a influência do Brasil no mundo, disse à Sputnik Brasil o especialista em defesa Danilo Bragança, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política Externa Brasileira (LEPEB) da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Por outro lado, ao costurar relações com o BRICS, a Argélia também tenta se descolar da hegemonia do Ocidente, sobretudo dos países da Europa banhados pelo mar Mediterrâneo França, Espanha e Itália, cuja herança se materializou em uma colonização brutal que culminou na Guerra da Argélia (1954–1962), passo que levou à formação republicana do país.
Já o movimento do Brasil por meio do Congresso Nacional é visto com bons olhos por Bragança.

"Na prática, isso é uma vocação de um país deste tamanho: ter presença em vários pontos do planeta. Presença esta política, na base da cooperação, na base dos valores que pautam a nossa política externa e que sempre pautaram a nossa diplomacia. Mesmo com um país com pouco histórico comum conosco, como é o caso da Argélia, considera-se que, por conta do posicionamento global, da questão geoestratégica, da questão geopolítica e também por conta da vocação nossa de ser um grande jogador internacional, uma aliança com a Argélia abre um espaço no Norte da África para outras possibilidades. Mas, acima de tudo, tem a ver com a aproximação do Brasil em pontos onde não necessariamente estávamos com influência política", avalia.

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O desenho do acordo de defesa entre o Brasil e a Argélia é construído de maneira interessante, prossegue Bragança, porque ele é replicado a partir de documentos já existentes de cooperação, de troca e de intercâmbio com outros países da região.

"É um acordo importante, que faz com que o Brasil chegue em uma região estratégica para os seus interesses, que é o [mar] Mediterrâneo, o Norte da África e o sul da Europa. São processos naturais da diplomacia, a aproximação com povos de pano de fundo cultural comum ao nosso, e o ponto aí é ampliar. Na prática, vale a máxima 'Quanto mais, melhor', sobretudo para um país dessa magnitude. As perspectivas para o Brasil são essas: a aproximação com o Norte da África; a questão do Mediterrâneo; a participação em jogos militares; e o intercâmbio com outras culturas."

Ele reforça que tal acordo de defesa é comum entre forças armadas, ao se mandar militares para estudar nas escolas de formação de um homólogo e trazer militares deste para estudar nas escolas daqui.
Esse intercâmbio é produtivo e saudável porque, de alguma maneira, atualiza questões da prática militar, de técnicas e de tecnologias para ambos os países, analisa o pesquisador.
Em um olhar superficial, parece um acordo assimétrico por conta do tamanho dos países e em relação ao que se projeta, em termos de relações, no mundo.

"Mas, para o Brasil, o acordo traz um movimento importante: parece que a diplomacia brasileira começa a se voltar para aquilo que é importante. Ou seja, muito menos a agenda ideológica do presidente e muito mais a agenda histórica da diplomacia brasileira, que tem [por norte] a ampliação dos contatos e da presença brasileira no mundo", argumenta.

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As relações internacionais voltaram a ser debatidas entre Argélia, França e Espanha, sobretudo por conta das reservas de gás que o maior produtor africano do insumo mantém, que despertaram interesse principalmente depois da crise gerada pelas sanções impostas à Rússia em decorrência da operação militar especial desencadeada na Ucrânia.
Na percepção do pesquisador, o que difere o acordo brasileiro com a Argélia do acordo da Namíbia é que este foi feito com um país muito deficitário em termos de capacidade naval.

"Nosso conhecimento foi muito importante para você montar, efetivamente, a Marinha da Namíbia, que é um país costeiro e importante para a zona de paz do Atlântico Sul. É algo que precisamos retomar e que vamos retomar no futuro. Isso faz com que a Namíbia seja um jogador importante nessa região. Ter uma costa protegida do lado africano do Atlântico é importante para o Brasil. Mas como a Argélia já tem seu Exército, nossa participação na Argélia se dá na base da troca, da experiência, da cooperação. E, quem sabe mais à frente, na abertura de um mercado para os nossos produtos. Mas, para a Defesa, é importante porque isso cria mais um mercado para escoamento da nossa produção. É a diplomacia voltando a fazer minimamente o que se espera dela, embora o acordo tenha saído da relatoria de um senador. Ou seja, o Legislativo provocando impacto e acionando a burocracia do Estado, que é o Itamaraty ou o Ministério da Defesa, para firmar esse acordo", observa.

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Para Bragança, trata-se de um reforço do Brasil no cenário de influência externa.

"É importante que essas parcerias aconteçam e que elas se multipliquem. Nossa presença na África é muito importante. Ela começou a decair muito durante os últimos seis anos. Perdem-se seis anos nas relações com países africanos, seis anos de um vácuo econômico e político de poder, que é contemplado por outras nações. Quando você começa a retomar isso, você começa a retomar o rumo que é o tradicional e o importante nas relações internacionais do Brasil, que é a ampliação dos mercados e a presença em postos e pontos estratégicos importantes na África."

A Argélia mira o futuro com o BRICS

O BRICS tinha uma vocação inicial de "contestador de sistema" e talvez tenha alcançado isso, embora a contestação não seja comum e de igual intensidade entre todos os membros, observa o pesquisador da UFF.
Em sua análise, a Rússia estabelece um ponto muito contundente de contestação desse sistema internacional capitaneado pelos EUA e demais países do Ocidente. No conflito ucraniano, o Kremlin marca um ponto muito agudo dessas relações. A China não faz isso da mesma forma, segundo ele.
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Para Bragança, o Brasil está em uma condição muito difícil de ser analisada neste momento, porque embora o presidente Jair Bolsonaro tenha comparecido em reuniões do BRICS, a relevância do Brasil no panorama mundial foi "muito diminuída".
A Índia parece flertar com o Brasil na proximidade entre setores nacionalistas, o que poderia configurar um determinado ponto de convergência entre os dois países. A África do Sul, menos, avalia.
Qual seria, então, o ponto da Argélia no BRICS?

"O próprio presidente argelino [Abdelmadjid Tebboune] faz uma leitura de que estão entrando no BRICS para fugir de uma ideia de que há somente dois polos, um deles pró-imperialismo e o anti-imperialista. Essa leitura carece ainda de melhor entendimento, porque não é isso. A Argélia também começa a projetar uma tentativa de se desvencilhar das relações majoritárias com os países mediterrâneos. A Argélia não tem saída para o mundo a não ser a saída para o Mediterrâneo, que é controlada por França, Espanha e Itália, três potências europeias. Ao mudar a sua percepção para o resto do mundo, ao tentar uma entrada no BRICS, mostra que o BRICS está em mudança", aposta.

© AP Photo / Toufik DoudouO presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, discursa durante cerimônia de posse no palácio presidencial, em Argel, na Argélia, em 19 de dezembro de 2019
O presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, discursa durante cerimônia de posse no palácio presidencial, em Argel, na Argélia, em 19 de dezembro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 20.09.2022
O presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, discursa durante cerimônia de posse no palácio presidencial, em Argel, na Argélia, em 19 de dezembro de 2019
Isso mostra uma transformação do próprio BRICS: de um grupo de contestação para uma coalizão que passa a ser uma aliança mundial de maior escopo.

O pedido de ingresso da Argélia ao BRICS "mostra um país que começa a se desvencilhar das meras relações com a Europa a partir das relações com a China, com o Brasil, com a Índia. É a diplomacia argelina tomando frente de novos espaços e tentando ocupar novos espaços. Existe ali uma possibilidade de que tudo isso venha a ser uma tônica para o futuro. Desde a ampliação do BRICS até o deslocamento do centro da diplomacia do Norte da África, e do continente africano em geral, para os blocos que estão mais aproximados da China e do Brasil", finaliza Bragança.

O presidente francês Emmanuel Macron fala à imprensa depois de visitar o Cemitério Europeu St-Eugene em Argel, Argélia, 26 de agosto de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 26.08.2022
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