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Após retorno, liderança do Brasil na Unasul precisa ser renegociada, afirma analista

© AP Photo / Dolores OchoaEstátua do ex-presidente argentino Néstor Kirchner na entrada do prédio da Unasul, perto de Quito, Equador, em 19 de dezembro de 2018. A estátua foi retirada em 26 de setembro de 2019
Estátua do ex-presidente argentino Néstor Kirchner na entrada do prédio da Unasul, perto de Quito, Equador, em 19 de dezembro de 2018. A estátua foi retirada em 26 de setembro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 07.05.2024
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Há um ano o Brasil retornou para a Unasul. Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam quais os principais desafios para a retomada do bloco como elemento de integração regional, no que ele difere de outros blocos sul-americanos e qual será o papel brasileiro nessa nova etapa.
Em 2024 completa um ano que o Brasil retornou para a União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O bloco foi criado em 2004, inicialmente com o nome de Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), durante a 3ª Reunião de Presidentes da América do Sul, no dia 8 de dezembro, no Peru, que resultou na Declaração de Cusco. Em 16 de abril de 2007, durante a 1ª Cúpula Energética Sul-Americana, na ilha de Margarita, Venezuela, a comunidade passou a se chamar Unasul.
Na época de sua criação, ela ficou conhecida como uma união de países de esquerda e viu surgir em 2019 um rival: o Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), formado em uma época que a direita e a centro-direita estavam em ascensão no continente. Foi nesse ano que o Brasil deixou a Unasul para integrar o Prosul.
Em 6 abril de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou o decreto nº 11.475, que determinava o retorno do Brasil à Unasul.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam por que o Brasil decidiu retornar à Unasul, o que a união tem de diferente do Mercosul e qual será o rumo diante do recrudescimento da direita observado na América do Sul.
Juan Agulló, professor de relações internacionais da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), afirma que "a América do Sul é uma prioridade histórica para o Itamaraty" e que o projeto de integração regional tem como objetivo a cooperação multilateral, por meio de um fórum continental, como existem em outras áreas.

"A Ásia tem uma área, enfim, de cooperação e de troca sobre assuntos comuns; a Europa tem, desde a Segunda Guerra Mundial […]… A ambição da Unasul seria um pouco integrar esses processos de integração sub-regional em uma estrutura maior, mas que ainda não tem um modelo bem-definido. Faz sentido, faz todo sentido, mas ainda tem muito para desenvolver", explica o professor.

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Ele acrescenta que o problema da Unasul é que ela tem bastante potencial, mas pouca definição, e diz que "às vezes tem projetos muito ambiciosos que, na hora de se converter em projetos específicos, dão problema, acabam se diluindo".
"E na América Latina, historicamente, costuma ser tudo ou nada. Então as formas de cooperação mais modestas ou as menos abrangentes não são valorizadas para nada. E isso não é realista nem inteligente."
Ele também aponta que outro elemento que ofuscou a Unasul foi o fato de a América Latina se tornar mais relevante do que a América do Sul, principalmente no âmbito comercial.
"O comércio entre os países da América Latina cresceu, e cresceu até o ponto de ser o terceiro parceiro comercial dos países latino-americanos. Ou seja, o terceiro parceiro comercial da América Latina é a América Latina."
Porém ele afirma que há um problema estrutural que impede a dinamização do comércio entre países latino-americanos, "e esse problema estrutural se chama dólar".

"As moedas latino-americanas geralmente são moedas muito fracas, e elas, para comerciar, geralmente precisam comprar dólares. Uma vez que elas compram dólares, é muito mais vantajoso e muito mais lucrativo, inclusive, comerciar com potências como a China ou com os Estados Unidos que comerciar entre elas", explica.

Questionado sobre como a Unasul pode impulsionar sua relevância no contexto regional, Agulló diz que o primeiro passo "é voltar a ter como parceiros países que saíram" do bloco.
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"Porque o Brasil não foi o único país que saiu, e a Argentina também não foi o único país que saiu. Então o primeiro trabalho é de sedução interna, por assim falar. Aí tem um problema só de governos progressistas e governos mais conservadores? Um pouco sim, um pouco não, porque também no Chile, por exemplo, […] tem um governo supostamente progressista que não gostou muito tradicionalmente dos projetos de integração regional."

Quais os principais desafios da retomada da Unasul?

Flavia Loss, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que atualmente o principal problema da Unasul é o esvaziamento e que embora o retorno do Brasil seja algo positivo, o contexto político atual é bem diferente do vivenciado quando o bloco foi criado.

"Naquele contexto a gente tinha governos muito alinhados para que ela [Unasul] ocorresse, para que surgisse esse novo bloco. Agora não, a gente vive uma conjuntura muito diferente, em que ela foi esvaziada, e […] essa retomada, por mais que o governo brasileiro tenha boa vontade, assim como o da Colômbia, entre outros, está muito difícil tirá-la novamente do papel", explica a professora.

"Ela está atuante, mas eu acredito que vai levar muito mais que um ano para que a gente tenha efetivamente a Unasul de volta. E outra, a gente tem resistências hoje até de países que já fizeram parte, que foram importantes na sua criação, como o próprio Uruguai e o Chile. É só lembrar que em maio de 2023 os dois presidentes desses países que eu citei, Uruguai e Chile, fizeram declarações de que não precisávamos de mais um bloco, de que não era necessário criar mais uma organização", complementa.
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Questionada sobre o que o Brasil perdeu durante os anos que ficou fora do bloco, Loss afirma que o país "perdeu em termos de projeto".

"Acho que a paralisação da Unasul em si foi algo ruim para a região. Ela é um projeto muito mais importante do que a gente olha assim a uma primeira vista. Ela não tem a mesma característica de outros blocos já existentes. Nós temos muitos projetos regionais, e às vezes eles competem em algumas áreas. E a Unasul surgiu também com a ideia de reunir esses projetos sub-regionais que já existem, como, por exemplo, a Comunidade Andina, que é o nosso projeto de integração sub-regional mais antigo aqui da região, e o próprio Mercosul."

Ela destaca que a Unasul "tinha um olhar mais abrangente para a América do Sul inteira". "Então a gente perdeu em conjunto, em coletivo, porque era um projeto que continua sendo importante para a gente pensar a região inteira, não em sub-blocos", diz a professora.

O que a Unasul tem que o Mercosul não tem?

Loss explica que há diferenças entre a Unasul e o Mercosul, uma vez que a Unasul "surge como um projeto de cooperação em várias áreas".
"Quando a gente olha o tratado constitutivo dela [Unasul], ela é muito mais ampla, além do que ela engloba a totalidade de países aqui da nossa região da América do Sul. A Comunidade Andina e o Mercosul são menores, são sub-regionais, então não são todos os países que pertencem. E o surgimento da Comunidade Andina e do Mercosul foi muito mais voltado para questões econômicas de comércio. Eles também têm cooperação, mas eles surgiram muito mais com esse viés […] de fazer integração através do comércio, que é uma ideia antiga tanto na literatura quanto na história da integração regional."
Nesse contexto, ela sublinha que a Unasul "tem objetivos maiores" que os dos demais blocos e cita como exemplo a cooperação em segurança.

"Ela olha para a questão de segurança também. A gente não tinha uma organização que olhasse para isso, para a questão de segurança regional aqui da América do Sul, […] a nossa região é uma das que menos têm potencial de conflito interestatal, entre os Estados. É uma região considerada pacífica quando a gente pensa em guerra. Só que a gente tem outros problemas de segurança, como o narcotráfico", diz Loss.

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Ademais, ela afirma que a discrepância entre as economias também é um desafio para a integração regional.
"Sempre tem que ter alguém ou um país de maior economia que banque esses projetos. Quando a gente fala de cooperação, está falando em dinheiro. Muitas vezes tem a cooperação técnica, mas muitas vezes você precisa de algum fundo para fazer isso caminhar. Nós temos projetos de cooperação no Mercosul, na Comunidade Andina, e agora retomando no nível da Unasul. Mas tudo isso envolve capital, fundo, para fazer isso rodar, para que um país possa de fato auxiliar o outro ou para que a gente tenha um projeto em conjunto", diz Loss.
Outro obstáculo é a questão logística, que ela afirma ser "difícil aqui na região da América do Sul".

"Quem já viajou pelo continente sabe. Então exige fundo, dinheiro, financiamento, mas a isso somam-se novos problemas, que são mais recentes, que são justamente essas questões ideológicas dos governos de ocasião", aponta Loss.

"Agora, quando você pensa que a cada governo, a partir da segunda década do século XXI, a gente tem vivido isso a cada governo nos vizinhos e mesmo aqui no Brasil, a gente muda de orientação ideológica e isso se reflete na política externa. A gente tem a descontinuidade de vários processos não só de integração, mas a gente pode pensar no que a gente viveu em termos de política externa nos últimos anos no governo anterior. Então o que a gente tem visto é uma extrapolação das agendas ideológicas e de um certo voluntarismo de diversos governos para a agenda de política externa. Isso reflete nos projetos de integração regional que fazem parte dessa agenda."
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Ela afirma que foi exatamente o que aconteceu em 2019, quando alguns países sul-americanos deixaram a Unasul para integrar o Prosul, que ela afirma que "não tinha objetivos claros".
"Ele [Prosul] foi criado, foi isso que foi dito na época, para fazer um contraponto à Unasul, porque a Unasul é um bloco ideológico. Aí quando você vai pesquisar o que é o Prosul, é um bloco muito mais à direita, ou seja, também tem um viés ideológico, mas não só isso. O que acontece é que ele é um bloco que não se sustenta porque não tem um objetivo comum estipulado. Ele não tem uma agenda e ele se orgulhava disso. O próprio Prosul, nas suas declarações dos presidentes que faziam parte, [dizia] 'Olha, a gente não tem burocracia, é um bloco informal'. Mas o que isso quer dizer e o que isso gera? Nada. Foi o que a gente teve de resultado até agora do Prosul. Está lá, ninguém sabe o que fazer. Ficou esquecido e não trouxe de novo nada de concreto. Um projeto que surge somente para se contrapor a outro, mais nada."
Loss afirma que a volta do Brasil à Unasul cumpriu seu objetivo em termos de retomada, mas ressalta que projetos concretos levarão mais tempo.
"É um bloco que é muito mais complexo, tinha objetivos muito definidos. Ele pensava de fato em pautas para a região, só que o mundo mudou muito de 2008 para hoje. Isso precisa ser renegociado com os países da região, e é aí que está a dificuldade do governo Lula agora, sentar novamente, discutir novamente com todos os governos que fazem parte, [definir] para qual direção nós vamos, para qual caminho nós vamos, porque as pautas mudaram muito, você tem novas pautas — é só a gente pensar na questão da inteligência artificial, o impacto que vai ter nas questões aqui da América do Sul", explica.

"Então está muito mais complexo. Um ano [de retorno do Brasil] foi pouco, vamos ver o que daqui para frente consegue o governo brasileiro. Estou enfatizando o governo brasileiro porque é o país mais rico da região, é quem propôs a criação da Unasul, então tem certa responsabilidade, digamos assim. E o Brasil tem certo interesse em uma liderança dentro da Unasul, mas isso precisa ser renegociado", conclui.

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