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Israel poderá participar da Copa América de 2024 nos EUA? Uma manobra política por meio do futebol

© Foto / ConmebolO presidente da Associação de Futebol de Israel, Shino Suarez, ao lado do presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, durante assinatura do acordo de cooperação entre as entidades, em 12 de abril de 2024
O presidente da Associação de Futebol de Israel, Shino Suarez, ao lado do presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, durante assinatura do acordo de cooperação entre as entidades, em 12 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 06.05.2024
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Recentemente, a Federação Israelense de Futebol (IFA, na sigla em inglês) assinou um acordo de cooperação com a Conmebol. A parceria prevê a formação de treinadores, árbitros e atletas das categorias feminina e de base. Foi prevista também a realização de amistosos e a participação de Israel em campeonatos organizados pela entidade.
Para especialistas consultados pela Sputnik Brasil, tal medida pode ser vista como uma manobra política, tanto para beneficiar a imagem de Israel como para ganhos políticos locais do atual presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), Alejandro Domínguez.
Sérgio Souto, pesquisador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entende que o acordo significa mais do que apenas uma colaboração esportiva. Segundo ele, há uso estratégico do futebol por parte de Israel como uma ferramenta de "soft power", um tipo de influência política feita por meios propagandísticos, por exemplo.

"Evidentemente que é uma forma de Israel usar um 'soft power' no momento em que vive um forte isolamento internacional. E aí temos uma contradição curiosa. Ao mesmo tempo que há uma tentativa de forjar o apoio de Israel fora do seu continente, também denuncia o nível de isolamento de Israel no Oriente Médio."

"O futebol nunca foi só um esporte", ressalta o pesquisador, comentando que a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) "tem mais filiados do que a ONU [Organização das Nações Unidas]", o que era "um dos grandes orgulhos do principal responsável pela expansão da FIFA, que foi o [ex-presidente da entidade] João Havelange".
Para ele, a atuação que define como "chacina", feita por Tel Aviv na Faixa de Gaza, fez refluir o apoio entre árabes. "O mais importante foi a Arábia Saudita suspender, sem nenhum prazo para retomá-la, sine qua non, as relações com Israel."
Ele detalha que o convite foi estendido durante o congresso da FIFA no Paraguai, "um dos principais aliados de Israel na América do Sul", que apesar de ter peso político menor do que a Argentina, agora presidida por Javier Milei, já apoiava o Estado judaico há mais tempo.
O pesquisador diz que é preciso aguardar reações sobre tal aproximação, mas que é improvável haver algum tipo de desdobramento relacionado a países que outrora criticaram a gestão do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, como a Colômbia de Gustavo Petro.
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Ganho político regional

O jornalista esportivo Leandro Iamin destaca à Sputnik Brasil o viés político presente nas ações da Conmebol, especialmente sob a gestão do atual presidente Alejandro Domínguez, filho de um "influente cartola paraguaio".
Segundo ele, a entidade historicamente demonstrou ser "mais um órgão político do que esportivo".
O jornalista destacou o desejo de Domínguez de usar a presidência da Conmebol como ponte para uma carreira política fora do esporte, evidenciada por ações como a homenagem ao pai do presidente durante o sorteio dos grupos da Copa Libertadores e a aproximação da entidade com Israel.

"O presidente da Conmebol quer ter uma vida política fora do esporte depois da Conmebol ou, mesmo, durante a Conmebol. É do interesse dele fazer esse trampolim."

Para ele, a inserção do desenvolvimento do futebol feminino e de base, além da profissionalização de árbitros, são temas apenas "para preencher" o acordo. "Qual é o sentido da Conmebol se aproximar da Federação de Israel? Eu acho que significa, em primeiro lugar, um desejo de contrapartida."

"Não sabemos exatamente qual a contrapartida, mas é uma forma do Domínguez colocar a federação que ele preside a serviço de afinações políticas que vão dar algum capital político para ele no país dele […]. O Paraguai é um dos poucos países que já votou e defendeu Israel no confronto que está acontecendo agora. É o único país do nosso continente que votou contra as denúncias de genocídio."

Para Iamin, mesmo após declarações do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e de críticas do presidente colombiano, Gustavo Petro, à gestão de Netanyahu, é improvável que haja algum atrito entre as respectivas confederações esportivas. "A gente já entendeu que o Netanyahu e o Estado de Israel não se importam muito com isso."

"Acho que o acordo não vai interferir, incomodar ou impactar em nada o grande debate de Estado que acontece hoje em Israel. Um debate, inclusive, que boa parte da população de Israel já entendeu que estava sendo levado a acreditar em coisas que não são necessárias."

Como o esporte pode influenciar a política?

Anteriormente, segundo o pesquisador Sérgio Souto, "o futebol, embora tivesse implicações sociais muito poderosas, era uma espécie de superestrutura simbólica, onde a competição entre nações se dava no campo esportivo", citando a atuação do brasileiro João Havelange — o mais longínquo presidente da FIFA — para expandir a entidade, mantendo boas relações com diferentes nações e blocos.

"Vamos lembrar que ele [Havelange] não apoiou o boicote do futebol às Olimpíadas de Moscou em 1980, muito menos a retaliação que a União Soviética fez, boicotando também os jogos de Los Angeles, nos Estados Unidos. Ele se mantinha à parte disso", exemplifica.

"De um tempo para cá, no meu modo de ver, de uma maneira que pode ser perigosa para o futuro do esporte e da universalização, a FIFA, assim como o Comitê Olímpico, andaram adotando posições políticas claramente, excluindo atletas de países que estão em guerra", diz ele, citando que "isso pode colocar em risco o capital político que a FIFA e que o futebol tinham".

"A Conmebol e a FIFA sempre foram entidades políticas, mas elas não eram abertamente partidárias. É isso que é um dado novo, que eu acho perigoso, para o futuro das confederações, à medida que elas começam a tomar posição. São políticas e aliadas, única e exclusivamente a um lado. Elas podem desagradar membros importantes", diz Souto.

Vale ressaltar que não é inédita a participação de seleções de fora da região na Copa América em competições promovidas pela Conmebol.
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Em 2001, a Argentina optou por não participar devido a preocupações com segurança na Colômbia, o país-sede, em meio a conflitos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Honduras então foi convidada a substituir os argentinos e surpreendeu ao vencer a Bolívia e o Uruguai na fase de grupos. Nas quartas de final, venceram de forma histórica o Brasil por 2 a 0, o que causou à época um choque no futebol brasileiro.
O México foi o país mais frequentemente convidado para a Copa América, participando de todas as edições de 1993 a 2016. Embora tenha conquistado o segundo lugar em duas ocasiões, em 1993 e 2001, sua última participação, em 2016, foi marcada por uma derrota humilhante para o Chile por 7 a 0, levando à ausência dos mexicanos na edição seguinte.
Costa Rica, Japão, Jamaica, Panamá, Haiti e Catar também foram convidados em diferentes anos.
No caso do Japão e Catar, Souto afirma se tratar de casos com questões econômicas envolvidas. "No Japão, visava-se um novo mercado, principalmente para a transmissão de jogos dos times aqui da América do Sul. E no caso do Catar, o dinheiro que o Catar tem é suficiente para 'comprar uma participação'. Mas outros países já foram convidados e não puderam participar por questões de calendário."
Em 2020, o Catar e a Austrália disputariam a Copa América, mas desistiram por conta da COVID-19. O torneio foi disputado no ano seguinte, no Brasil, com a Argentina campeã.
Ele cita seleções que acabaram disputando algum torneio quando outra deixou de jogar por algum motivo. O pesquisador narra que a União Soviética, em 1974, se recusou a jogar uma partida das eliminatórias para a Copa do Mundo daquele ano, em boicote contra o ex-ditador chileno, Augusto Pinochet, por exemplo.
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Por que os times de Israel jogam na Europa?

A seleção israelense de futebol é afiliada da União das Associações Europeias de Futebol (UEFA, na sigla em inglês), pois devido às tensões que o país enfrenta no Oriente Médio, o Estado judaico entende ser inviável disputar partidas em sua região. Portanto, os clubes e a seleção de Israel disputam as ligas europeias desde 1991.
Para o pesquisador Sérgio Souto, é pouco provável que Israel jogue a próxima Copa América, sediada neste ano nos EUA, já que o torneio tem seus grupos definidos.

"[Israel jogar a Copa América 2024] é possível, mas eu acho pouco provável. Tudo na vida política é uma dinâmica muito própria. Nada é impossível, mas é pouco provável que isso aconteça agora, na Copa América de 2024."

Entretanto, Souto afirma que em futuras Copas Américas há uma possibilidade maior de a seleção israelense disputar o torneio sul-americano.
Do ponto de vista esportivo, segundo o jornalista Leandro Iamin, é relevante e necessário ter seleções convidadas. "A Conmebol sempre passa por um problema, por ter dez seleções. Para se fazer um campeonato mais racional em datas, com grupos de quatro, você precisa juntar 12 seleções ou até 16. Para isso, você inevitavelmente precisa de um convidado ou dois."
Em casos como o dos EUA ou do México, por exemplo, a proximidade geográfica e continental é um dos fatores. No caso do Catar e do Japão, para ela já havia interesses em tentar vender a imagem desses países que sediariam as Copas do Mundo daqueles anos (2002 e 2018).
No entanto, isso difere de um eventual interesse israelense, que não sediará nenhum evento esportivo nos próximos anos.
Para ele, a motivação política das pessoas que estão à frente das entidades é o fator determinante, sobretudo porque a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Associação do Futebol Argentino (AFA) — as principais confederações do futebol sul-americano — estão "abandonadas" e "sem força" para "impedir que se aparelhe a Conmebol para fins políticos".

"Um convite para uma Copa América futura só tem a ver com questões políticas, que é diferente do caso do Japão e do Catar, que você ainda conseguiria ter um olhar esportivo, ainda que com esforço."

Ainda assim, Iamin relembra que até a próxima Copa América, que deverá ser sediada no Equador em 2028, muita coisa pode mudar, incluindo a presidência da Conmebol e o curso do conflito na Faixa de Gaza. "A gente corre o risco de estar vendo só um balão de ensaio, uma tentativa de um presidente da Conmebol fazer uma presença e ganhar prestígio na Câmara Política paraguaia. Mas quatro anos é muito tempo."

"É uma parceria que não é sólida, ela não tem musculatura e não é forte. Ela não é relevante e não tem sentido. Então, do mesmo jeito que ela foi criada do nada, ela pode se dissolver do nada também. Mas é um risco. E eu chamo de risco porque eu acho que depõe contra, que pega mal. Acho que é um desprestígio colocar uma seleção como a de Israel para jogar a Copa América sem qualquer apelo técnico, sem qualquer sentido esportivo."

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