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Uso de etiquetas até de carrinho de bebê: tráfico e golpe da mala nos aeroportos do Brasil (VÍDEO)

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Com uma produção anual superior a 2 mil toneladas, conforme relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), pelo menos metade da cocaína consumida no mundo passa pelo Brasil para ser escoada para os demais continentes. Todos os produtores mundiais da droga fazem fronteira com o país: Colômbia (61% do total), Peru (26%) e Bolívia (13%).
Em reportagem especial, dividida em duas partes, a Sputnik Brasil traz um panorama sobre como as organizações criminosas usam os portos e aeroportos brasileiros para garantir o pleno funcionamento dos seus esquemas.
Era março de 2023, um sonho planejado nos últimos dois anos estava prestes a se concretizar para Jeanne Paolini e Kátyna Baía, de Goiânia (GO): a viagem para a Europa em comemoração aos 17 anos de casamento. Malas prontas e bilhetes aéreos nas mãos, o casal deixou a capital goiana rumo ao Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, onde embarcariam para a Alemanha em um voo de quase 12 horas de duração. Mas, em uma rápida escala em Frankfurt para a troca de aeronave, a menos de 600 km do destino final, Berlim, o sonho começava a virar pesadelo.

"De imediato, os policiais já pediram o passaporte delas, olharam o nome e algemaram os braços e as pernas falando em alemão, língua que o casal não entendia. E levaram as duas para uma área policial dentro do aeroporto e colocaram cada uma em uma cela sem sequer poder levar os agasalhos, em uma época extremamente fria. E retiraram todos os bens e não avisaram o que estava acontecendo", contou à Sputnik Brasil a advogada Luna Provázio, especialista em casos internacionais em aeroportos e que cuidou da defesa de Jeanne e Kátyna.

Sem entender o alemão e com dificuldades para se comunicarem em inglês, o casal viveu um período de terror por mais de 24 horas, quando finalmente foram recebidas por uma tradutora que explicou o motivo da prisão truculenta: tráfico internacional de drogas. Tudo aconteceu após cães farejadores encontrarem mais de 40 quilos de cocaína em bagagens cujas etiquetas continham o nome do casal.
"Durante esse tempo, elas ficaram questionando o que estava acontecendo, e eles não respondiam ou, quando falavam algo, era em alemão. Elas também descreveram as celas como muito sujas, sem acesso a água e alimento, e até para ir ao banheiro era uma situação muito difícil também, porque tinha que passar por revista", acrescenta a advogada.
Imediatamente após serem informadas sobre a droga apreendida, Jeanne Paolini e Kátyna Baía avisaram que as malas despachadas possuíam, cada uma, cerca de 15 quilos, e que foram vítimas de um possível golpe da mala no aeroporto de Guarulhos. Além disso, conforme Provázio, a estética das malas era totalmente diferente.
"Elas entraram em contato comigo, que já acionei a Polícia Federal, que havia sido notificada pela Alemanha das duas malas apreendidas. Tomamos as medidas cabíveis aqui no Brasil para produzir provas e, em pouco tempo, conseguimos as imagens do aeroporto que provaram que as bagagens eram diferentes. E a própria companhia aérea que realizou o voo confirmou que o peso ficou em torno de 15 a 16 quilos", conta.
Porém, mesmo com a entrega das provas em 12 dias, o casal permaneceu detido na Alemanha por quase 40 dias, conforme a advogada, e só conseguiu retornar ao Brasil no fim de abril do ano passado.
"Poderia ter sido muito menos, mas ficamos dependentes de como funciona a jurisdição de cada país. Na Alemanha tem todo um processo para conseguir agendar uma nova audiência, que analisaria ou não a autorização para a liberdade da pessoa que está sendo investigada", explica.
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Casal de líbio-brasileiros foi preso na Turquia por conta do golpe

Dias após o caso de Jeanne Paolini e Kátyna Baía ganhar as manchetes nacionais e internacionais, um casal de líbio-brasileiros é detido na Turquia pela mesma acusação: tráfico internacional de drogas. Porém a situação que envolveu o golpe das malas foi ainda mais complicada, segundo a advogada, que também defende Ahmed Hasan e Malak Treki. A bagagem, que continha cerca de 43 quilos de cocaína, foi apreendida em outubro de 2022, em Istambul.
Como as malas não foram buscadas no portão de desembarque, a polícia turca desconfiou da situação e fez uma averiguação, quando a droga foi localizada. Em uma área restrita também do Aeroporto Internacional de São Paulo, uma quadrilha ligada ao envio de cocaína ao exterior, através de funcionários terceirizados do terminal, roubou uma das etiquetas que estavam no carrinho de bebê da família, que tinha cinco quilos, e a colocou na mala com o produto ilícito, que foi despachado quatro dias depois da viagem da família.
Em maio de 2023, quando Ahmed retornou à Turquia a trabalho, ele foi detido pela polícia, que informou sobre uma investigação que estava em curso havia sete meses. "Foi quando ele se desesperou e disse que nunca tinha realizado nenhum tipo de crime, que teria feito a viagem na época inclusive com os filhos pequenos. Entraram em contato comigo, e, durante a produção de provas aqui no Brasil, descobrimos que as imagens do aeroporto da data em que houve o golpe já tinham sido deletadas. No país, o período durante o qual os vídeos ficam armazenados varia de 60 a 90 dias", relatou. Em dezembro, a Justiça turca decretou a prisão preventiva do casal até a audiência final, prevista para março deste ano, por risco de fuga diante da dupla cidadania.
"Ahmed estava em um presídio masculino e Malak em um feminino. A audiência final seria no dia 7 de março, que teve inclusive algumas oitivas de testemunhas que trabalhavam na alfândega do aeroporto de Istambul. Tudo transcorreu de forma tranquila, confirmaram que nenhum dos dois havia pegado a bagagem com cocaína e nem teve interesse de procurar. Também confirmaram que o peso registrado na etiqueta deles era diferente daquele da mala enviada pela quadrilha e que eles não estavam a bordo do voo. Mas, infelizmente, um desses policiais que também estavam listados para ser ouvidos não compareceu", resume Provázio. Com isso, o julgamento foi adiado e está previsto para acontecer no dia 21 de maio. A Justiça turca concedeu liberdade provisória na última semana, porém eles devem permanecer no país.
Conforme a advogada, a Polícia Federal brasileira já comprovou que a etiqueta usada fora a mesma retirada do carrinho de bebê. O exame de DNA e da digital do casal realizado pela Justiça da Turquia também constatou que não havia presença de nenhum material genético dos líbio-brasileiros na mala apreendida, mas determinou que o procedimento fosse realizado novamente. "Isso também ficou demonstrado para nós, que de fato o país conduz essa repressão ao tráfico internacional de drogas de forma muito incisiva."
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Troca de etiquetas acontece em áreas restritas do aeroporto

Responsável por receber mais de 41 milhões de passageiros só no ano passado, o Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, é o segundo mais movimentado da América Latina e concentra 90% dos voos internacionais do Brasil. Diante dessa magnitude, também é um dos terminais mais usados pelas organizações criminosas para o envio de drogas como a cocaína a outros continentes por via aérea. Só no ano passado, conforme dados da Polícia Federal, foram apreendidas quase 2,8 toneladas do produto, o maior volume desde 2018 — a maioria do material estava com passageiros que tentavam embarcar para o exterior.
Para além das pessoas cooptadas pelas organizações criminosas para o transporte do material, há os casos da troca de malas com vítimas que sequer percebiam que eram alvo de um golpe. A advogada Luna Provázio explica que as investigações realizadas após os dois casos de uso de inocentes para o tráfico de drogas mostraram que as facções usam inclusive funcionários terceirizados que trabalham no aeroporto. Os destinos preferidos são Alemanha, Turquia, França e Portugal, que possuem voos diretos do terminal na Região Metropolitana de São Paulo.
"Cometem esse tipo de crime em uma área restrita do aeroporto, onde só circulam funcionários autorizados a trabalharem lá por ser o espaço de trajeto das malas, da hora em que são despachadas pelo passageiro até serem colocadas na aeronave. E é nesse momento que alguma pessoa ligada à organização tira a etiqueta da bagagem de um passageiro inocente, que não tem o menor conhecimento do que está acontecendo, e coloca em outra mala com grande quantidade de cocaína", diz.
Em junho do ano passado, o governo federal chegou a lançar o programa Aeroportos+Seguros nos principais terminais brasileiros. Entre as medidas estavam a instalação de mais câmeras e iluminação no check-in e em áreas de bagagens, além de biometria para identificação de passageiros e funcionários, monitoramento das esteiras e novos equipamentos de raio X. "Em razão da repercussão até internacional dos casos, foi lançado esse programa, que destina uma quantia milionária a ser investida nos aeroportos internacionais. Mas, na minha impressão, muita coisa ainda ficou só no papel, já que aparentemente pouca coisa mudou", argumenta.

Situações como essa são 'excepcionalíssimas'

Já o procurador do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo Guilherme Göpfert garante à Sputnik Brasil que situações como as relatadas na reportagem especial são "excepcionalíssimas". Conforme Göpfert, os envolvidos na troca das malas das goianas já foram denunciados, detidos e serão julgados pela Justiça, por exemplo.
"E em paralelo a isso, toda a parte de reforço dos procedimentos foi minuciosamente detalhada e já está sendo implementada, tanto pelas companhias aéreas quanto pela administração aeroportuária, para garantir que o passageiro possa confiar. Hoje em dia o aeroporto é seguro, os números estão aí para mostrar isso", argumenta.
No caso de Guarulhos, onde os golpes ocorreram, também serão implementados novos aparelhos para ajudar na fiscalização, como de raio X, acrescenta o procurador. "O aeroporto funciona com muita inteligência, tem profissionais altamente capacitados, cães farejadores e toda a tecnologia à disposição para garantir justamente segurança à população, seja do ponto de vista do tráfico de drogas, de atentados ou de qualquer outro crime que use o modal aéreo", declara.
Uma medida que está em andamento com bons resultados, segundo Göpfert, é a restrição do uso de celulares nas áreas restritas do terminal, onde ficam os acessos às bagagens e às aeronaves.

"Os funcionários só podem usar celulares fornecidos, que não possuem acesso a câmeras e nem meios de comunicação externa. Com isso, temos uma garantia de que a facilidade que existia antes, em que fotos eram tiradas daquelas malas e passadas para traficantes, não é mais possível hoje. Uma medida como essa já dificultou muito a vida daqueles criminosos que tentam usar o aeroporto como via de escoamento dessa droga. Sabemos que o Brasil não produz [os itens ilícitos], mas temos fronteiras com os maiores produtores do mundo, como Bolívia, Colômbia e outros. Com isso, o país acaba sendo utilizado como rota principalmente para Europa e Ásia", resume o procurador do MPF paulista.

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Tráfico movimenta recursos que equivalem a 4% do PIB brasileiro

Os números dos relatórios anuais da ONU mostram a dimensão do tráfico internacional de drogas no Brasil: pelo menos 50% da cocaína produzida no mundo passa pelo Brasil. Uma estimativa feita pelo coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), David Marques, para a Sputnik com base no valor médio da droga no mercado internacional dá uma ideia do montante de recursos que esse volume movimenta: pelo menos 4% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, ou mais de US$ 64 bilhões (R$ 330,7 bilhões) anuais.
"Esse é um volume que ajuda a entender o tamanho do problema, porque é como se fosse uma empresa transnacional bilionária. Temos diversos segmentos da economia formal brasileira que não adquirem esse patamar no PIB brasileiro. É uma cadeia produtiva muito valiosa e, portanto, atrai muita gente para o seu funcionamento, tem capacidade de explorar vulnerabilidades principalmente em um país tão desigual como o Brasil", explica.
Diante dessa magnitude, o especialista ressalta como os recursos gerados pelo tráfico de drogas mostram a capacidade de corrupção das organizações criminosas sobre agentes públicos, autoridades e até forças de segurança.
"A ideia de que a gente tem empresas que atuam nos aeroportos que se você consegue corromper um desses funcionários numa posição estratégica, você consegue passar um carregamento que já vai gerar um lucro estrondoso. Então, muitas vezes, nos dá a impressão de que o risco parece compensar. E é absolutamente complexo, hoje a gente tem uma atuação no narcotráfico que é muito diversificada e a existência hoje de uma lógica de crime organizado no Brasil que se dá sobretudo por meio das facções criminosas", finaliza Marques.
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É possível se proteger do golpe da mala?

Golpe que pode gerar situações inimagináveis como as vividas por Jeanne Paolini, Kátyna Baía, Ahmed Hasan e Malak Treki, a advogada Luna Provázio explica que as trocas das etiquetas têm como alvo passageiros que despacham as malas. A especialista dá algumas dicas sobre como a população pode se proteger de situações como essas.
"A minha sugestão é que a pessoa, na hora que ela for entregar no check-in para despachar, filmar a mala sendo pesada, mostrar o visor que mostra o exato peso da bagagem. Mostrar também o atendente da companhia aérea colocando a etiqueta, que nela consta o peso exato que está no visor. Inclusive isso é uma lei aqui no Brasil, em toda etiqueta de bagagem a ser despachada precisa constar o peso. Isso é uma prova importantíssima caso você seja vítima desse tipo de crime."
Assim que os vídeos forem feitos, a advogada diz ser crucial enviar o material para uma pessoa de confiança.

Outro lado

Em nota, o Ministério de Portos e Aeroportos informou que já foram implementados investimentos de curto prazo previstos no programa Aeroportos+Seguros pela concessionária responsável por Guarulhos. "Destacamos, por exemplo, o reforço no sistema de segurança com a adição de câmeras e a implementação de identificação com chave de acesso individualizada para o sistema de bagagens", acrescenta.
Conforme a pasta, ainda foi estabelecido um grupo de trabalho juntamente com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para "identificar e priorizar as demandas de investimento em equipamentos para reforço da segurança no terminal de Guarulhos [que atua como piloto do programa]". Os estudos foram concluídos no final do ano passado.

"É importante ressaltar que os investimentos avaliados e contemplados no relatório final do Grupo de Trabalho estão atualmente em discussão no processo de repactuação do contrato de concessão de Guarulhos, no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU)", enfatizou o ministério.

Já a empresa responsável pelo Aeroporto Internacional de São Paulo não se manifestou sobre os questionamentos da reportagem até o momento.
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