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Bolívia e Colômbia podem ser ponto de partida para retomada de investimentos do Brasil no exterior?

© AP Photo / Juan KaritaTrabalhadores bolivianos durante inauguração de planta industrial no Salar de Uyuni para a exploração de lítio usado na produção de baterias. Bolívia, 15 de dezembro de 2023
Trabalhadores bolivianos durante inauguração de planta industrial no Salar de Uyuni para a exploração de lítio usado na produção de baterias. Bolívia, 15 de dezembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 16.04.2024
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Considerado o metal do futuro, essencial no processo de descarbonização, mais de 60% das reservas mundiais de lítio, também conhecido como "ouro branco", estão concentradas na América do Sul, especialmente na Bolívia, no Chile e na Argentina. Nos últimos anos, essa concentração tem despertado cada vez mais a cobiça de empresas mundo afora.
Para além de compartilharem quase 3,4 mil quilômetros de fronteiras e um histórico acordo que garante o abastecimento brasileiro de gás natural, a Bolívia tem no Brasil o seu maior parceiro comercial, cuja cifra atingiu US$ 3,3 bilhões (R$ 17,37 bilhões) em 2022. Na última semana, o embaixador boliviano no país, Horacio Villegas, teve um encontro com representantes da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM).
Na ocasião, o diplomata revelou a intenção do governo boliviano em modernizar leis locais para permitir investimentos estrangeiros em mineração, principalmente brasileiros, voltados para a transição energética e a agricultura — a exemplo da exploração de lítio e dos minerais usados na produção de fertilizantes, tema essencial ao Brasil.
A professora do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Marília Carolina Barbosa de Souza Pimenta, pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES), enfatizou à Sputnik Brasil que essa é uma oportunidade para o país "acenar novamente para a liderança que tradicionalmente teve na região".

"Pensando em empresas brasileiras, nós infelizmente passamos por um passado de envolvimento em corrupção, e isso afetou muito a nossa imagem. Mas, independentemente dessa questão recente, temos uma grande oportunidade neste momento de reatar possibilidades de investimento. Sob o ponto de vista da Bolívia, eu entendo que o país está diversificando esses investidores internacionais para não ficar muito dependente de um país só", argumenta.

Além disso, a especialista lembrou de um episódio que marcou a Bolívia há quatro anos, meses após a renúncia do então presidente Evo Morales, em novembro de 2019, quando acusou ocorrer um "golpe cívico, político e policial" no país. Em um post nas redes sociais em julho de 2020, Morales acusou o envolvimento dos Estados Unidos e do interesse de empresários como Elon Musk, proprietário da Tesla, em derrubar o governo local para conseguir explorar o lítio. Na sequência, o bilionário argumentou: "Vamos dar um golpe em quem quisermos! Lide com isso."

"Há uma preferência por investimentos do Brasil para que haja apoio político brasileiro na manutenção da soberania do país. No momento em que democracias estão sendo atacadas e com [Javier] Milei na Argentina, que significa um ator-chave de desestabilização [sul-americana], é fundamental que o Brasil reassuma essa condição de liderança, embora a região já não seja a mesma. A América do Sul de 2024 não é a mesma América do Sul de 2002, quando havia outras parcerias estratégicas tradicionais. Tem havido a atualização e a renovação de atores regionais [em relação ao Brasil]", destaca.

Diante desse afastamento de tradicionais parceiros como a Argentina, a especialista exemplifica outras oportunidades.
"É o próprio caso da Colômbia que, em 2002, não era um parceiro estratégico para o Brasil e estava com uma política muito voltada para os Estados Unidos. Agora já vemos, com o Gustavo Petro [presidente], uma possibilidade muito interessante de estreitamento das relações políticas, inclusive tendo em vista uma série de dificuldades que o Brasil tem enfrentado com países como a Venezuela, o que não enfrentava há 20 anos", acredita Pimenta.
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Qual é a principal atividade econômica da Bolívia?

A mineração ganha cada vez mais importância para o país andino. Só no ano passado, foram descobertos mais de 2 milhões de toneladas de lítio no território boliviano que, somado com outras reservas, já totaliza 21% do volume encontrado no mundo inteiro.
"A Bolívia faz parte dos países chamados de Triângulo do Lítio, que inclui também a Argentina e o Chile, que vão passar por pressões internacionais muito grandes nos próximos anos por conta dessa demanda por lítio. Então vão precisar dessa liderança brasileira para ajudar a manter a soberania política diante de tanta cobiça que vai haver em torno do lítio", pontua a pesquisadora do GEDES.
A doutora em sociologia e mestre em estudos estratégicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Letícia Rodrigues acrescenta à Sputnik que o Brasil, como a maior economia da América do Sul, precisa assumir ainda mais esse papel de potência regional voltada para a integração, cooperação política e desenvolvimento sustentável dos parceiros continentais. "Isso, de alguma forma, pode reforçar a estabilidade regional e criar um ambiente mais favorável para o crescimento econômico e de inovação entre ambos os países", diz.
Além disso, a professora da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) acredita que os investimentos brasileiros ajudariam a desenvolver a rica cadeia produtiva ligada ao setor da mineração do país vizinho.
"A mudança nesse ponto-chave da legislação boliviana, permitindo investimentos estrangeiros, pode facilitar a entrada de empresas brasileiras no setor, como a Vale, por exemplo, e o que pode ser benéfico para ambos os países", afirma. Rodrigues ainda lembrou que a Bolívia já manifestou interesse em aderir ao BRICS, o que também fortaleceria ainda mais a relação com o Brasil, que faz parte do grupo, em áreas estratégicas como energia, recursos naturais e agricultura.
Já o professor de relações internacionais e da pós-graduação em ciências sociais da Unesp Luis Antonio Paulino lembrou que, no plano econômico, não há dúvidas sobre o papel exercido pelo país no mercado dos países vizinhos. Porém, na questão geopolítica, houve mudanças nos últimos anos.
"O Brasil perdeu o protagonismo regional quando o governo anterior se colocou como linha auxiliar dos Estados Unidos na região. O governo atual procura recuperar a posição mais independente que sempre caracterizou a diplomacia brasileira", frisa.
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Qual produto a Bolívia fornece ao Brasil?

Fundamental para o abastecimento do mercado interno brasileiro, o gasoduto entre Bolívia e Brasil tem capacidade para fornecer até 30 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, e a Petrobras ainda detém 21% da participação acionária da planta de compressão Rio Grande, responsável pela exploração de hidrocarboneto. A mestre em estudos estratégicos Letícia Rodrigues pontuou que a companhia já expressou interesse em retomar os investimentos no país e também na Guiana e na Venezuela.

"Houve busca de oportunidades de negócios a partir de conversas com o presidente [boliviano] Luis Arce, principalmente na questão da transição energética. Nesse mesmo encontro, o presidente da Petrobras [Jean Paul Prates] anunciou que a empresa deseja realizar alguns testes no país para produzir produtos petroquímicos e combustíveis renováveis, ligados à nova tecnologia, que é o biorrefino", diz a especialista.

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Qual a relação entre o Brasil e a Colômbia?

Países que dividem quase 1,7 mil quilômetros de fronteiras, a maior parte em meio à densa Floresta Amazônica, ao Brasil e à Colômbia têm estreitado as relações diante de governos com espectros ideológicos parecidos: dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Gustavo Petro. Prova disso é a agenda iniciada pelo petista nesta terça-feira (16) em Bogotá, que vai tratar de temas como bioenergia, desenvolvimento sustentável e integração regional — o Brasil é o terceiro maior parceiro econômico do país, atrás apenas de EUA e China. Em 2023, as exportações brasileiras para a região totalizaram US$ 3,8 bilhões (R$ 20 bilhões).

"A Colômbia é um país que está se desenvolvendo rapidamente, também é um importante produtor de bens primários e vem modernizando a sua infraestrutura, especialmente em transporte e energia. A população desfruta de um elevado nível de desenvolvimento humano (IDH de 0,767, superior ao do Brasil, que é 0,760) e parte do território está na região Amazônica, uma das mais ricas fronteiras minerais do mundo. Acredito que seu objetivo [a visita do presidente Lula] seja atrair capital para explorar essas riquezas, e o Brasil tem empresas, capital e tecnologia que certamente devem interessar aos colombianos", resume Paulino.

A professora Marília Pimenta acrescenta que há uma grande expectativa para o vizinho de investimentos brasileiros no país, na esteira inclusive de um projeto enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Lula para autorizar a retomada de financiamentos internacionais pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

"Este ano é um ano importante para que esses projetos sejam retomados, principalmente pensando na urgência que o Brasil tem de liderar a região, em projetos de financiamento, investimentos, numa maior relação com os países da América do Sul, porque não há espaço vazio. E me parece que é fundamental que agora o Lula olhe com mais cuidado para a América do Sul, pensando aí nesses eventos recentes da Venezuela, com relação à Guiana, também nesse esmorecimento, né, pelo bloqueio da relação diplomática entre o México e o Equador. A Colômbia acende como um país-chave nessa cooperação", finaliza.

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