Cúpula Rússia-EUA: Putin e Biden conseguiram tirar relação entre os países do 'ponto mais baixo'?

© REUTERS / Kevin LamarqueJoe Biden e Vladimir Putin durante as conversações em Genebra, 16 de junho de 2021
Joe Biden e Vladimir Putin durante as conversações em Genebra, 16 de junho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 17.06.2021
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Na quarta-feira (16), os chefes de Estado dos EUA e da Rússia, Joe Biden e Vladimir Putin, respectivamente, estiveram em Genebra para um diálogo bilateral. A Sputnik Brasil explica os resultados da cúpula mais esperada do ano e como a cúpula poderia ajudar no melhoramento das relações entre as duas potências.

Durante o encontro, os líderes abordaram assuntos abrangendo armas nucleares, crises diplomáticas, segurança cibernética, direitos humanos, mídias estrangeiras e o futuro das relações entre os dois países.

Gustavo Oliveira, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU), comentou à Sputnik Brasil as questões mais relevantes sobre a cúpula entre as duas potências.

Cúpula mais esperada do ano

A cúpula entre Putin e Biden em Genebra em formato estendido durou 1,5 hora. No total, as negociações entre os líderes na cidade suíça duraram 4,5 horas, incluindo um intervalo.

"A impressão geral é que [a cúpula] ocorreu dentro das expectativas", afirmou Gustavo Oliveira, ressaltando que o possível fator diferencial tenha sido a maneira franca e positiva, sendo considerada pelos dois líderes como um encontro construtivo.

A cúpula marcou a primeira viagem de Biden à Europa, em meio às crescentes tensões entre a Rússia e os países ocidentais.

Durante o encontro, Putin agradeceu a Biden pela iniciativa, já que havia "muitas questões acumuladas nas relações russo-americanas".

Para Gustavo Oliveira, "a questão do controle de armas e algumas iniciativas sobre a questão de cibersegurança, bem como a questão das relações diplomáticas", foram os pontos de maior destaque tratados durante o encontro.

Após a cúpula, Anatoly Antonov, embaixador russo em Washington, e John Sullivan, chefe da missão diplomática norte-americana em Moscou, devem retornar ao desempenho de suas funções.

Cibersegurança

Durante a cúpula, os dois líderes discutiram a questão da cibersegurança, com Biden afirmando que se houver violação das regras básicas por parte da Rússia, os EUA certamente responderão.

Por sua vez, Putin negou a participação russa nos recentes ataques cibernéticos contra as instituições norte-americanas, afirmando que "iniciaria as consultas sobre o assunto [segurança cibernética], já que acredita que isso seja de grande importância".

Além disso, o líder russo recordou, citando fontes americanas, que o maior número de ataques cibernéticos no mundo é realizado a partir dos EUA.

Controle de armas

Vladimir Putin lembrou a especial responsabilidade da Rússia e EUA na preservação da estabilidade estratégica mundial.

"Os Estados Unidos e a Federação da Rússia têm uma responsabilidade especial pela estabilidade estratégica no mundo, baseada, mais que não seja, no fato de sermos as duas maiores potências nucleares, tanto pelo número de munições, ogivas e veículos de entrega, quanto pelo nível, qualidade e modernidade das armas nucleares", observou.

Por sua vez, o presidente norte-americano também afirmou que a relação entre os dois países "precisa ser estável e previsível".

Vale ressaltar, que o Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (New START), assinado em 2010 e que limita o número de ogivas nucleares estratégicas, bombardeiros e mísseis foi recentemente estendido.

Direitos humanos e Aleksei Navalny

O presidente norte-americano afirmou ter abordado a questão dos direitos humanos na Rússia, especialmente o caso envolvendo a prisão do blogueiro Aleksei Navalny, condenado por fraude, que violou o prazo original para se apresentar às autoridades do país.

Gustavo Oliveira falou sobre o embate relacionado à questão dos direitos humanos e disse que a tendência é os países continuarem em posições diferentes, já que esse assunto está ligado também a questões domésticas.

"Quanto a isso [questão de direitos humanos], as posições permanecem irreconciliáveis, porque cada um interpreta à sua maneira a questão dos assuntos domésticos. Então, acho que os EUA vão continuar achando que tudo isso na Rússia, não só a questão em relação a Navalny, mas a questão da oposição, é um desrespeito, não haveria espaço para uma oposição política."

Especialista sublinhou que Rússia sempre afirma que os EUA não têm direito de falar sobre violência e direitos humanos em outro país, enquanto existem exemplos de sua violação nos próprios Estados Unidos, que não são poucos, e englobam os protestos do grupo Black Lives Matter, a invasão do Capitólio e a prisão de Guantánamo, como citado pelo presidente Putin.

"Quanto à Rússia, a Rússia sempre vai trazer essa questão de que é um assunto doméstico e, ao mesmo tempo, vai apontar que os Estados Unidos não têm moral para trazer esse assunto à tona, porque eles mesmos tomariam certas políticas que poderiam ser passíveis de críticas. Putin mencionou na conferência, por exemplo, Guantánamo e os bombardeios no Afeganistão.

"Sobre os direitos humanos. Vejamos, Guantánamo ainda opera, não está de acordo com absolutamente nada, nem com as leis internacionais, nem com as leis americanas, com nada. E ainda existe", enfatizou Putin.

"Acho que a tendência mais ou menos vai ficar nessa questão de posições diferentes e seria difícil chegar a um denominador comum quanto a isso", concluiu o especialista.

Biden mostra 'fraqueza' ao se recusar a participar de coletiva de imprensa com Putin

O presidente norte-americano, Joe Biden, se recusou a participar em uma coletiva de imprensa conjunta com o líder russo após a cúpula.

Para o ex-secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo, a recusa de Biden demonstra a "enorme fraqueza" do chefe da Casa Branca.

Contudo, Gustavo Oliveira acredita que Biden tenha tentado criar um ambiente mais controlado, para evitar alguma questão que motivasse novas tensões entre os dois países.

"Os dois foram muito francos e diretos, expondo o que ocorreu [durante o encontro], bem como os pontos de vista deles sobre as questões tratadas", explicou.

Para Gustavo, a participação de Putin foi mais aberta, inclusive contando com a participação de jornalistas estrangeiros, enquanto Biden tinha uma pré-lista dos jornalistas presentes.

"O Putin teve um formato mais aberto, respondendo abertamente às questões sobre a Rússia [...]", afirmou o especialista, ressaltando a experiência do líder russo em lidar com as questões tratadas.

China vira assunto de Biden na cúpula

Durante a coletiva de imprensa, Biden novamente voltou a citar a China, o que não se pode dizer sobre o líder russo. Ao ser questionado por que a China ocupa um lugar importante no discurso norte-americano, Gustavo Oliveira afirmou acreditar que "a presença da China na fala de Biden tem a ver com o lugar da China na política externa dos Estados Unidos".

"Biden tem dado sinais de que há muita continuidade no sentido de que os EUA percebem a China como um concorrente, desafiante mais forte, mais sério no longo prazo. E inclusive recentemente a gente viu na cúpula da OTAN que a China apareceu, não com tanto destaque quanto a Rússia, mas também apareceu como uma fonte de preocupação para a aliança. Então, de certo modo é um sinal de que agenda da China possui bastante importância para os EUA", disse Oliveira.

Mas a questão do "desafio chinês" se vê nos EUA através da posição da Rússia quanto ao país asiático, destacou especialista.

"Existe uma coisa nos EUA, que é já uma questão antiga, de que a Rússia poderia ter uma desconfiança natural em relação à China porque, enfim, é uma grande potência vizinha. Essa desconfiança em relação à China poderia ser um motivo, a razão pela qual a Rússia poderia se tornar mais benevolente nas relações com os EUA, de certa forma criar um contrapeso nas relações com a China", explica.

E a partir dessa lógica, de que a China é vista nos EUA com mais concorrência, "seria interessante [para os Estados Unidos] ter relações estáveis com a Rússia de modo que possam consolidar esforços para lidar com esse desafio chinês", explicou especialista.

Saldo da cúpula entre Biden e Putin

Para ambos os líderes a cúpula foi eficaz, construtiva e positiva, eles parecem ter chegado a um consenso sobre a tentativa de determinar áreas de cooperação entre os dois países e defender os interesses mútuos.

Contudo, apesar de reconhecerem a importância da aproximação e do encontro como primeiro passo, ambos os lados não criaram grandes expectativas de obter resultados.

"Nos EUA, a visão prevalecente é bastante negativa quanto à Rússia, de que é uma concorrente, um desafio para os EUA, que deve ser tratada de maneira adequada, e conforme esta visão norte-americana, através de sanções, repressões, tenta de certa forma conter a Rússia", afirmou Gustavo Oliveira.

O especialista também ressalta que acredita que o governo norte-americano continuará sofrendo uma pressão dentro do país para que siga pressionando a Rússia, "algo muito comum no sistema político dos EUA, e que vai dificultar muito uma aproximação entre as duas potências".

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