Poder brando em 1º lugar: para que Rússia investe tanto em ajuda humanitária?

© Sputnik / Ministério da Defesa da Rússia  / Acessar o banco de imagensAutomóvel carregado com equipamentos médicos russos com destino à Itália para combater a COVID-19
Automóvel carregado com equipamentos médicos russos com destino à Itália para combater a COVID-19 - Sputnik Brasil
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Nesta quarta-feira (25), a Rússia enviou seu 15º avião militar com ajuda humanitária à Itália. O mundo pareceu surpreendido com a iniciativa de Moscou, que na verdade é cada vez mais recorrente. A Sputnik explica por que a Rússia investe em ajuda humanitária e o que espera receber em troca.

Após conversa telefônica entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, 15 aviões militares russos com médicos e equipamentos essenciais ao combate ao coronavírus foram enviados ao país mais afetado da Europa.

Na quinta-feira (26), médicos militares russos chegaram à província de Bergamo, na Itália, onde serão instalados gabinetes de crise ítalo-russos de luta contra o coronavírus.

Membro da União Europeia, a Itália impõe sanções econômicas contra a Rússia desde 2014 e faz parte da aliança militar que não hesita em realizar manobras consideradas agressivas por Moscou. Neste contexto, por que a Rússia realiza iniciativas de ajuda humanitária?

A política de auxílio internacional em momentos de crise não é nova, tampouco é ideia da Rússia. Especialistas de Relações Internacionais qualificam essas ações como "diplomacia do poder brando", isto é, ações que usam meios não militares para melhor a imagem do país no exterior. Mas será que é isso que busca Moscou?

O Ministério da Defesa da Rússia declarou que, ao enviar ajuda à Itália, Moscou também tem interesse em treinar seus médicos militares, obter experiência e intercambiar boas práticas, que poderão ser muito úteis no combate ao vírus dentro de casa.

Além da ajuda à Itália, a Rússia enviou mais de 1.000 testes para o novo coronavírus à Venezuela, país com o qual mantém laços estreitos, para arrepio de Washington. As relações entre Moscou e Caracas são criticadas por muitos como uma retomada da lógica da Guerra Fria na América Latina, na qual países que perdiam o apoio da superpotência norte-americana recorriam ao guarda-chuva de Moscou.

© Sputnik / Mikhail AlaeddinCaixa com medicamentos e equipamentos médicos enviados da Rússia para a Venezuela, em 21 de fevereiro de 2019
Poder brando em 1º lugar: para que Rússia investe tanto em ajuda humanitária?  - Sputnik Brasil
Caixa com medicamentos e equipamentos médicos enviados da Rússia para a Venezuela, em 21 de fevereiro de 2019

Por outro lado, com o estreitamento das relações com Caracas, o Kremlin busca reforçar a sua posição contra sanções econômicas unilaterais. A Rússia tem interesse em enfatizar que somente sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU são legais e juridicamente vinculantes. Nesse contexto, interessa a Moscou auxiliar os países que se encontram sob sanções que considera ilegais, como a Venezuela.

Nesta quinta-feira (26), Rússia, Venezuela e outros 7 países, incluindo a China, enviaram uma carta ao secretário-geral da ONU, António Guterres, solicitando a retirada de sanções unilaterais que dificultam a resposta dos países afetados ao novo coronavírus.

Combate a incêndios

Mas nem tudo no âmbito da cooperação internacional é geopolítica. Em 2016, por exemplo, a Rússia ofereceu ajuda material a países devastados por incêndios florestais, como Portugal.

Dois aviões anfíbios Beriev Be-200, com capacidade de carregar 12 toneladas de água, foram enviados a Lisboa em agosto de 2016 para combater incêndios florestais no país europeu.

© Sputnik / Aleksandr Pogotov / Acessar o banco de imagensAeronaves anfíbia russas, destinadas ao combate a incêndios e eliminação das situações de emergência, Beriev Be-200
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Aeronaves anfíbia russas, destinadas ao combate a incêndios e eliminação das situações de emergência, Beriev Be-200

Na ocasião, a Rússia enfrentava incêndios de escala superior aos de Portugal, concentrados principalmente na parte asiática do país. Em julho de 2019, as autoridades russas informaram que cerca de 3 milhões de hectares pegaram fogo na Sibéria.

Neste caso, dois países enfrentando desafios similares optaram por cooperar, quer para adquirir experiência e conhecer boas práticas, quer por compaixão frente às dificuldades de uma nação parceira.

Combate ao terrorismo na Síria

Além da cooperação internacional no âmbito do "poder brando", a Rússia também investe em ajuda no campo do chamado "poder duro", isto é, o poder militar. Apesar de não ser o único, o caso mais evidente internacionalmente é a ajuda de Moscou ao governo de Damasco.

Desde 2015, a Rússia, a pedido de Damasco, ajuda ativamente o governo da Síria na luta contra organizações terroristas e na manutenção da integridade territorial do país.

Esta ajuda não veio sem críticas internas ao governo de Vladimir Putin, uma vez que alguns russos consideram desnecessário investir recursos e equipamento militar em um conflito que, à época da intervenção russa, corria o risco de se prolongar por décadas, a exemplo dos conflitos no Iraque e no Afeganistão.

No entanto, na avaliação do governo russo, o terrorismo islâmico é, antes de mais nada, uma ameaça nacional. A Rússia convive com o extremismo religioso dentro de seu território desde meados da década de noventa. Por isso, na ocasião dos ataques de 11 de setembro, Moscou foi um dos primeiros países a fornecer apoio material e logístico a Washington na chamada guerra contra o terror.

Portanto, muitos na Rússia consideram a ajuda militar fornecida a Damasco como uma medida preventiva, que tem como objetivo impedir o aumento de atividades terroristas dentro do território russo.

De maneira indireta, o considerável sucesso da operação russa na Síria, que, ao que tudo indica, modificou a balança de poder no conflito em favor de Damasco, gerou benefícios à reputação das Forças Armadas russas e de sua indústria bélica.

O que a Rússia pode oferecer?

A Rússia é a 11ª economia do mundo, de acordo com o Banco Mundial, ficando atrás de países como os EUA, a China e até mesmo do Brasil, que ocupa o 9º lugar. Mas a atuação internacional de um país não precisa, necessariamente, depender do tamanho do seu bolso. Pelo contrário, a Rússia procura capitalizar em outros recursos que acumulou durante a sua história.

Um deles é o desenvolvimento do sistema de saúde. Herdeiro do sistema soviético, precursor do sistema cubano, a Rússia detém alta taxa de médicos per capita e sistema de saúde público abrangente, capaz de, em momentos de pandemia, fornecer auxílio e expertise para países parceiros.

© Sputnik / Aleksandr KryazhevFuncionária de fábrica produz roupas médicas e máscaras de proteção na região de Novossibirsk, na Rússia, 20 de março de 2020
Poder brando em 1º lugar: para que Rússia investe tanto em ajuda humanitária?  - Sputnik Brasil
Funcionária de fábrica produz roupas médicas e máscaras de proteção na região de Novossibirsk, na Rússia, 20 de março de 2020

Outra vantagem comparativa de Moscou é a mão de obra qualificada. De acordo com dados da OCDE, a Rússia tem 53% da população com formação superior e 93% com formação escolar completa.

Por isso, a Rússia tem bom desempenho na área de pesquisa, ciência e tecnologia, que é carente em muitos países subdesenvolvidos. O desenvolvimento em áreas que demandam alta tecnologia e especialização, como aeroespacial e de energia nuclear, são só alguns exemplos do potencial russo.

Por fim, a indústria bélica de Moscou, a segunda maior exportadora do mundo, também deve ser considerada como um vetor de influência do país. Com clientes que vão desde potências econômicas, como a China, até países aliados da OTAN, como a Turquia, a Rússia segue na vanguarda do desenvolvimento de novas classes de armamentos.

O poderio bélico de Moscou e sua expertise no âmbito militar são largamente reconhecidos desde os tempos da União Soviética. Mas a Rússia quer lembrar ao mundo que tem potencial em outras áreas, nas quais, como potência regional, pode e deve colaborar com a comunidade internacional.

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