Nesta quinta-feira, 30, milhares de estabelecimentos de diversas partes do país decidiram aderir ao Dia Livre de Impostos, criado em 2003 pela Câmara de Dirigentes Lojistas Jovem (CDL Jovem), com o intuito de deixar claro ao consumidor como a alta tributação afeta seu poder de compra. A lógica, segundo seus organizadores, é a de que "altos tributos sem retorno têm impacto ruim na vida das pessoas", tornam os produtos mais caros, gerando uma queda nas vendas do varejo, que passa a contratar menos funcionários. E, "sem emprego, as pessoas diminuem seus gastos e assim por diante, num ciclo".
— FCDL/RN (@FCDLRN) 27 de maio de 2019
No último dia 24, o Brasil chegou a R$ 1 trilhão em arrecadação de tributos em 2019, segundo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), marca que, nos anos anteriores, só estava sendo alcançada nos meses de junho ou julho. Em 2018, a carga tributária equivaleu a 33,58% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Tesouro Nacional, totalizando R$ 2,292 trilhões, R$ 155 bilhões a mais do que no ano anterior. Considerando os três últimos anos, o brasileiro trabalhou 459 dias só para pagar impostos.
— Câmara dos Deputados (@camaradeputados) 28 de maio de 2019
Por que o dinheiro não rende?
Para Maurício Stainoff, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado de São Paulo (FCDLESP), entidade que apoia o Dia Livre de Impostos, o grande problema no que diz respeito à baixa taxa de conversão dos tributos em benefícios para o povo é o fato de que, no Brasil, a maior parte da arrecadação, quase a totalidade, é destinada ao custeio da máquina pública. Segundo ele, sobra apenas algo em torno de 2% para investimentos estatais em desenvolvimento.
"A máquina pública é muito grande, a máquina pública é lenta, ela não produz, ela só consome recursos públicos. E, praticamente, o custo do Estado, ele toma toda a receita tributária do país", disse ele em entrevista à Sputnik Brasil.
Stainoff ressalta que quem paga o preço de toda essa tributação é o consumidor final, já que as empresas repassam os valores das taxas para os seus produtos.
"O que nós estamos fazendo no DLI (Dia Livre de Impostos)… demonstrando claramente para o consumidor quanto é o imposto. Então, na verdade, o DLI é uma grande promoção onde o desconto é a carga tributária. O lojista paga o imposto, ele não vai deixar de pagar, mas ele dá a carga tributária como desconto, como uma promoção."
Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), também considera o tamanho do Estado brasileiro um empecilho. Em declarações à Sputnik, ele afirma que esse "inchaço", representado pelos "gastos do governo com ele mesmo", impede que boa parte do que é arrecadado possa retornar para a sociedade. Além disso, também considera haver um grande desperdício nesse sistema, que arrecada de maneira centralizada, pela União, para, só em seguida, redistribuir parte do montante entre estados e municípios.
O especialista pondera que a alta carga tributária brasileira seria, obviamente, um problema menor se o dinheiro arrecadado fosse utilizado para trazer benefícios à sociedade. Hoje, segundo ele, os brasileiros pagam duplamente por muitos serviços, já que o que é dado na forma de impostos não traz o retorno esperado, forçando muitas pessoas a recorrerem a serviços privados.
"Acho que é um primeiro passo simplificar. O segundo passo, tornar mais justa a tributação. E um terceiro passo é utilizar melhor os recursos arrecadados e descentralizar essa arrecadação, para que não tenha o passeio do dinheiro, que sempre acaba gerando desperdícios. E, depois, então, reduzir a carga tributária. Mas, para isso, o governo precisa, do outro lado, reduzir os gastos. Sem redução dos gastos, não vai ser possível reduzir a carga tributária", afirma.
Tanto Solimeo quanto Stainoff entendem que a situação atual do país, de crise, não permite uma redução imediata da carga de tributos pagos pela população, que, segundo eles, afetam de forma mais aguda justamente a parcela com menor poder aquisitivo. Para tentar reverter esse quadro ou torná-lo menos grave, eles defendem maior participação popular nas discussões e nas cobranças sobre o governo, no que se refere à gestão do dinheiro arrecadado através de impostos e também quanto ao inchaço da máquina pública.
"É como um condomínio. A gente paga o condomínio e fica sempre de olho no síndico, né? Por que se a gente não ficar de olho, pode gastar mal o dinheiro. A mesma coisa é em relação aos governos, a gente tem que pagar, mas tem que exigir que o dinheiro seja bem aplicado. É chamar a atenção da sociedade para isso. Da mesma forma que o Impostômetro, é procurar conscientizar a população de que ela é contribuinte. E, como contribuinte, tem direitos. Mas também tem a obrigação de fiscalizar como é usado o seu dinheiro", sublinha o economista da ACSP.
Também em entrevista à Sputnik, o coordenador Nacional da CDL Jovem, Lucas Pitta, também culpou o alto custo da máquina pública pela baixa taxa de retorno dos valores pagos pela população ao governo, destacando ainda a "ineficiência do Estado em fazer gestão" e o "alto índice de corrupção".
"Aqui no Brasil, as mordomias que existem no setor publico não condizem com a realidade econômica mundial, rios de dinheiro são gastos com coisas supérfluas ao invés de serem devidamente investidos em serviços comuns para sociedade", disse ele.
De acordo com Pitta, o país tem um potencial de crescimento muito alto e vários empresários acreditam que os recursos estão represados aguardando que as devidas reformas sejam aprovadas. Com elas, ele espera "uma diminuição do custo do Estado" e "uma simplificação do nosso complexo sistema tributário, trazendo benefícios coletivos para o empresário e para a população". Para o coordenador da CDL Jovem, a realidade observada em outros países de carga tributária elevada não se aplica ao Brasil:
"Ao simplificarmos e reduzirmos a carga tributária, iremos atrair mais investimentos para o Brasil, aumentando assim a arrecadação no médio e longo prazos. Aliada à redução do custo da máquina pública, mais recursos irão sobrar para que sejam investidos na sociedade com serviços essenciais. Existem países onde a carga tributária é elevada e os serviços básicos à sociedade funcionam com eficiência. Mas, no Brasil, acreditamos que essa lógica não funciona. Portanto, somos a favor da redução da carga tributária para que o dinheiro fique nas mãos da população e assim eles possam fazer suas próprias escolhas."
A PEC 45/2019, aprovada no último dia 22 em sessão que julgou a admissibilidade constitucional da proposta, na CCJ, foi alvo de resistência apenas do PSOL, que decidiu obstruir a votação e se posicionar contrariamente ao texto. Embora partidos como PT, PDT e PSB tenham orientado votos a favor, alguns deputados da oposição fizeram ressalvas quanto ao mérito da proposta, dando sinais de que a mesma pode ter um caminho mais complicado na comissão especial. As principais críticas vão no sentido de entender que a PEC, no seu formato atual, não ataca a questão da desigualdade e da concentração de riquezas, focando apenas na taxação do consumo e não dos lucros e dividendos.
"Embora seja fundamental e prioritária uma reestruturação do modelo fiscal, a proposta em tramitação não ataca as distorções do nosso atual sistema e cria novas desigualdades. Lucros e dividendos, e grandes fortunas continuam isentos de tributação, por exemplo", afirmou a deputada federal Talíria Petrone (PSOL).
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