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Colapso e desordem do comércio mundial: que consequências teria saída dos EUA da OMC?

© REUTERS / Benoit TessierNavio de contentores francês CMA CGM Antoine de Saint Exupery durante sua inauguração oficial no porto de Le Havre
Navio de contentores francês CMA CGM Antoine de Saint Exupery durante sua inauguração oficial no porto de Le Havre - Sputnik Brasil
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Em 30 de agosto o presidente dos EUA, Donald Trump, advertiu que os EUA podem abandonar a Organização Mundial do Comércio (OMC) se a instituição não melhorar seu funcionamento. A Sputnik explica que papel desempenha a OMC no comércio global e como a possível saída dos EUA da organização poderia afetar a economia mundial.

Do GATT à OMC

A OMC sucedeu ao GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) que, por sua vez, foi assinado em 1947. Em 1947 o GATT contava com a presença de 23 países, que são considerados fundadores da OMC (que hoje tem 164 membros). O objetivo do acordo era reconstruir as economias devastadas pela Segunda Guerra Mundial, bem como coordenar os sistemas aduaneiros dos países membros para impulsionar a liberalização comercial e eliminar práticas protecionistas no que se refere ao comércio de bens.

O GATT estava baseado em dois princípios fundamentais: o princípio do tratamento nacional e o princípio da nação mais favorecida. O princípio do tratamento nacional determina que bens nacionais e bens estrangeiros devem receber o mesmo tratamento após entrarem no mercado doméstico e garante que as políticas tributárias e regulações domésticas não serão usadas para restringir o comércio internacional.

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Segundo o princípio da nação mais favorecida, os benefícios concedidos a um país (como, por exemplo, redução tarifária) devem ser estendidos a todos os países assinantes do acordo. É de assinalar que esse princípio encontra algumas exceções, relacionadas principalmente aos acordos de integração econômica. Foram esses dois princípios que se tornaram os pilares da OMC, fundada em 1995.

As negociações no âmbito do GATT (e, atualmente, da OMC) foram chamadas de rodadas e serviram para discutir e propor regras e normas gerais de comércio de bens. De 1947 a 1994, ocorreram oito rodadas de negociação.

Mas, com o passar do tempo, ficou claro que já não era suficiente coordenar o comércio de bens. Durante a Rodada Uruguai (1986-1994) foram estabelecidos novos acordos no comércio de serviços (GATS), investimentos (TRIMS) e propriedade intelectual (TRIPS). Tendo em consideração o alto grau de complexidade desses acordos, sua regulamentação só poderia se dar no âmbito de uma organização internacional. A Rodada Uruguai culminou com a criação da Organização Mundial do Comércio, com sede em Genebra, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995 e incorporou todos os acordos acima mencionados.

Resultados contrastantes

Sem dúvidas, o objetivo do GATT (e, depois, da OMC) de garantir o acesso mais equitativo aos mercados e promover o livre comércio deveria contribuir para o crescimento econômico global. Entre 1947 e 1994, a tarifa média global baixou de 40% para 4%. Nas últimas seis décadas o comércio internacional cresceu a um ritmo recorde e o processo de globalização se tornou a tendência mais importante na economia mundial.

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A OMC se tornou um palco internacional sem precedentes para discutir o comércio de bens e serviços e as questões ligadas aos investimentos e à propriedade intelectual. Os países membros da OMC são responsáveis por 98% do comércio internacional. A OMC permite também solucionar disputas comerciais entre os seus membros através do Órgão de Solução de Controvérsias.

Entretanto, a organizações ainda não conseguiu lidar com alguns problemas urgentes. A Rodada de Doha, lançada em 2001 e que ainda está em curso, não resolveu as disputas ligadas ao tamanho dos cortes de subsídios à agricultura por parte dos países desenvolvidos e, como consequência, às barreiras a produtos agrícolas exportados pelos países mais pobres.

O fracasso da rodada atual revela que os mecanismos existentes não permitem solucionar os problemas e divergências rapidamente. Às vezes levam vários anos para resolver disputas comerciais entre os países membros da OMC no âmbito do Órgão de Solução de Controvérsias, travando assim o processo de desenvolvimento do comércio.

Além disso, alguns países membros da organização acreditam que as regras atuais da OMC contribuem para o aumento da desigualdade entre os países mais ricos e os países em desenvolvimento.

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Hoje em dia a organização enfrenta uma crise sem precedentes. O presidente dos EUA, Donald Trump, aumentou as tarifas sobre as importações de aço e alumínio – para 25% e 10% respectivamente – causando um profundo desconforto nas relações de Washington com seus parceiros comerciais.

Mas como a administração de Trump argumenta a introdução das tarifas no âmbito da OMC? Na verdade, segundo o artigo XXI do GATT, o país pode adotar as medidas necessárias para proteger os interesses essenciais de sua segurança. Trump usou essa cláusula como pretexto para estabelecer tarifas sobre o aço e alumínio, declarando que a indústria siderúrgica "foi assolada por práticas agressivas" dos outros países e tem importância vital para a segurança nacional.

Entretanto, vários países não estão de acordo com os argumentos de Trump. A Rússia, a China e a UE recorreram à OMC contra as tarifas norte-americanas, declarando que elas não têm nada a ver com a segurança nacional e representam medidas de salvaguarda, permitidas pela OMC para proteger sua indústria doméstica, mas que preveem compensação a outros países pelos efeitos decorrentes da sua aplicação.

O processo de consultas e a solução de disputas poderia levar vários meses, agravando a situação na economia global e provocando uma guerra comercial de grande escala e o colapso dos laços comerciais existentes.

Possível saída dos EUA e o futuro da organização

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A administração de Donald Trump rejeitou as acusações dos seus parceiros e, para não introduzir as compensações e não justificar a adoção de medidas de resposta por outros países, continua declarando que as medidas foram adotadas por motivos de segurança nacional.

"Se não melhorarem, eu posso deixar a OMC", declarou Trump, que considerou o acordo sobre a criação da organização o "pior acordo comercial já feito".

Embora seja muito pouco provável que os EUA na verdade saiam da organização, a situação atual mostra que suas ações contradizem o objetivo principal da organização – a liberalização do comércio e eliminação das práticas protecionistas – e visam promover apenas seus próprios interesses.

Os EUA geram quase um quarto do PIB mundial e é evidente que as medidas tomadas por um ator tão importante têm consequências para todo o mundo. Sem a participação dos EUA a OMC não teria sentido como um palco internacional de negociações comerciais. Tendo em consideração a tendência de criação de integrações econômicas locais, de zonas de comércio livre e uniões econômicas, e a possível ausência de um órgão internacional que permita discutir os problemas a nível global, poderiam ser reestabelecidos as barreiras comerciais, que prejudicariam o crescimento econômico em muitos países, provocando crises e redução da qualidade de vida.

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As guerras comerciais e o agravamento dos conflitos também afetam a prosperidade das nações. Restrições e sanções tornam a produção dos bens e serviços menos eficaz e lucrativa e causam danos tanto para empresários como para seus empregados.

O agravamento das relações comerciais entre vários países, bem como a ameaça de uma guerra comercial e as questões ainda não resolvidas durante a Rodada Doha indicam que a OMC precisaria de reformas bastante profundas para continuar promovendo um comércio justo e a cooperação econômica.

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