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Empreiteiras gigantes confessaram crimes bilionários em sete estados e no DF

© AFP 2023 / Heuler AndreyMarcelo Odebrecht
Marcelo Odebrecht - Sputnik Brasil
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No meio do caminho tinha um cartel. Tinha um cartel no meio do caminho.

Duas gigantes da engenharia nacional assinaram acordos de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) nesta semana. Elas confessaram a formação de cartéis para fraudar licitações de obras viárias em São Paulo e na construção de metrôs em sete estados e no Distrito Federal.

Ou seja, as empresas faziam acordos ilegais de combinação de preços e resultados de licitações para evitar a concorrência.

Os acordos fazem parte das investigações da Operação Lava Jato e mostram crimes bilionários que afetaram o transporte público de mais de 25 milhões de brasileiros. A Sputnik explica quem são os envolvidos, os crimes praticados e os seus significados.

O que é um acordo de leniência?

O acordo de leniência é a delação premiada das empresas. Em troca de benefícios como a capacidade de poder seguir firmando acordos com o poder público, as empresas confessam crimes e ajudam as investigações.

Quais são as empresas que confessaram crimes?

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Os acordos de leniência divulgados nesta semana foram assinados por duas líderes do mercado no Brasil:

Odebrecht: Fundada em 1944, em Salvador, Bahia, é tida como a maior empreiteira do Brasil. Opera desde o setor de engenharia pesada até o de defesa e tecnologia. Com atividades em 16 países, foi a responsável por obras como Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, Galeão, a Usina Nuclear de Angra dos Reis, e o metrô de Caracas, na Venezuela. Em 2015, o grupo da empreiteira faturou R$ 532,5 bilhões.

A Odebrecht está nos holofotes do mundo político nos últimos anos com a delação premiada de seus dirigentes, que relataram pagamentos de propinas e corrupção nas mais variadas esferas de poder.

O herdeiro do conglomerado, Marcelo Odebrecht, acaba de voltar para sua mansão em São Paulo para cumprir prisão domiciliar após passar dois anos e meio em regime fechado.

Camargo Corrêa: com braços nas áreas de cimento, mobilidade urbana, engenharia e construção, incorporação imobiliária, têxtil e indústria naval, é uma companhia controlada pela família Camargo. Foi fundada em 1939, na capital paulista.

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Em 2015, a Camargo Corrêa operou em 16 países, empregou cerca de 27 mil funcionários e teve uma receita líquida consolidada de R$ 21,5 bilhões.

Em seus acordos com a justiça, as duas empreiteiras entregaram outras gigantes do setor, como OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão — além de outras empresas de pequeno e médio porte.

O que aconteceu?

O Odebrecht confessou ter feito parte de um esquema de cartel para fraudar licitações do Rodoanel, em São Paulo, e outras obras viárias da capital paulista. Com a participação de pelo menos 22 empresas, o acordo funcionou de 2004 a 2015.

O grupo tinha a "tabela amor", com os preços ofertados às autoridades nas licitações, já combinados, e a "tabela briga", com os preços que as empreiteiras realmente conseguiriam ofertar, caso houvesse uma concorrência real e não um cartel.

Quando o acordo rendia frutos, os representantes das empreiteiras comemoravam em locais de luxo em São Paulo, como o restaurante italiano Piselli.

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Já a Camargo Corrêa admitiu ter formado o Tatu Tênis Clube para fraudar licitações em obras de metrôs e transportes sobre trilhos em 7 estados e no Distrito Federal. Também faziam parte do cartel Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS e Odebrecht.

O nome do grupo é uma referência ao tatuzão, ferramenta utilizada para escavação dos túneis para metrô.

Outras empreiteiras de médio e pequeno porte, como a Carioca Engenharia e a Mendes Júnior, participavam do esquema. Para eliminar a competição, elas acertavam com as gigantes e diretoras do Tatu Tênis Clube que não iriam concorrer nas licitações sob a promessa de serem subcontratadas nas futuras obras.

Operando de 1998 a 2014, as obras nos estados da Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal, foram afetadas.

O que isso significa?

O historiador e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Pedro Campos é um estudioso do processo de formação das empreiteiras nacionais. Em sua tese de doutorado, Campos estudou como as grandes empresas de engenharia se consolidaram e formaram um pequeno e seleto grupo durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Ele explica que a prática de cartel não é uma novidade:

"É muito comum essas empresas arranjarem previamente o resultado das licitações, elas tentam combinar muitas vezes o resultado das concorrências para evitar a redução do custo da obra, para elas não terem baixos lucros ou prejuízos. Existe uma estrutura altamente cartelizada no setor de obras públicas, isso não é recente, não é uma criação dos últimos 15 anos, é algo que remonta à própria formação do setor. Eu verifiquei indícios de cartel antes, durante e depois da ditadura. Isso já tem algumas décadas de história."

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Campos também afirma que a ação de subcontratar empresas de menor porte é uma prática recorrente.

"Quem conhece um pouco do setor de obras públicas no Brasil sabe que algumas poucas grandes dominam as principais obras e as retalham repassando para as médias, pequenas e até grandes empreiteiras fazerem algumas partes".

Para o professor da UFRRJ, "as empreiteiras são especialistas em ganhar dinheiro do Estado".

São Paulo

A cientista política Daniela Costanzo estudou em sua tese de mestrado na Universidade de São Paulo a história das relações público-privadas no metrô da capital paulista. Segundo Daniela, o período em a Camargo Corrêa admitiu ter formado um cartel para fraudar as licitações coincide com mudanças na estrutura da Companhia do Metropolitano de São Paulo — estatal responsável pelo metrô.

"Antes, os gerentes tinham muito poder de decisão e a discussão era feita com uma equipe técnica muito forte. Eles tomavam as decisões e discutiam os projetos. A partir de 1999, quando ocorre um plano de demissões voluntárias muito grande, as decisões passam a serem tomadas somente pelos diretores, ocorre um insulamento político dos diretores. Os gerentes e o corpo técnico perdem espaço na companhia. Junto com isso vem a ideia de privatizar cada vez mais, de conseguir parceiros privados para financiar as linhas. Há esse paralelo e não dá para saber internamente o que acontece em relação ao cartel, mas dá pra saber que isso acontece ao mesmo tempo e não é a toa."

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No período em que a Camargo Corrêa afirmou ter formado um cartel, o Estado de São Paulo foi governado por Mário Covas (1995-2001), Geraldo Alckmin (2001-2006), Cláudio Lembo (2006-2007), José Serra (2007-2010), Alberto Goldman (2010-2011) e, novamente Geraldo Alckmin, que assume em 2011 e é o atual governador. Todos os governadores são do PSDB.

O metrô de São Paulo atende 4 milhões de passageiros por dia.

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