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Barril de pólvora no Oriente Médio: ao que levará confrontação entre Teerã e Washington?

© AFP 2023 / ATTA KENAREAgentes do Corpo de Guardiões da Revoluçao Islâmica durante a parada militar anual que marca aniversário do início de guerr com o Iraque de 1980-1988, Teerã, Irã, 2015
Agentes do Corpo de Guardiões da Revoluçao Islâmica durante a parada militar anual que marca aniversário do início de guerr com o Iraque de 1980-1988, Teerã, Irã, 2015 - Sputnik Brasil
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Recentemente, três países receberam o status de "pária" por parte dos EUA – ou seja, integraram a lista dos Estados duramente sancionados. Um destes países foi o Irã, que possui uma dolorosa história de relações com a Casa Branca. A Sputnik explica qual foi o motivo para isso e qual poderá ser o futuro desta batalha, por enquanto apenas verbal.

Vale destacar, porém, que nem para o Irã, nem para a Coreia do Norte, nem para a Rússia, este foi o primeiro caso de serem sujeitos a medidas restritivas norte-americanas. Pelo visto, as sanções se têm tornado a ferramenta predileta dos congressistas dos EUA que, o tendo feito uma vez, já não podem se negar esta "droga".

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É interessante que até o ano de 1979, quando se deu a Revolução Islâmica em território persa, o Irã tinha sido uma nação bem pró-ocidental que desfrutava de boas relações com o mundo, embora este fosse tão diferente devido a seus valores de democracia e religião cristã. Porém, a mudança do regime se efetuou em um contexto de antiamericanismo extremamente forte por parte dos golpistas, o que agravou bruscamente todos os laços existentes no momento entre os países ocidentais e a república islâmica.

O ponto sem retorno nas relações bilaterais foi marcado pela inédita captura de 62 reféns por ativistas universitários iranianos na embaixada americana em Teerã. Vale sublinhar que 55 deles foram libertados apenas 444 dias depois do incidente. A partir deste momento, a economia persa passou a experimentar toda uma série de sanções rigorosas, na sequência dos quais o país perdeu 50% das suas receitas petrolíferas.

Teerã — uma dor de cabeça permanente para EUA

Seria justo dizer que o Irã é um país cuja compostura, ao longo de décadas, tem gerado a maior irritação por parte da Casa Branca. Há muitos pontos na agenda que põem a nu as discordâncias críticas entre os dois países e, o que é o mais importante, o país persa não se apressa a fazer concessões, defendendo sua soberania, enquanto Washington mal consegue desmentir sua imagem de "gendarme" notório no Oriente Médio.

Sem dúvida, essa postura "ousada" desafia a Casa Branca. Por exemplo, esta não para de acusar Teerã de ser um dos principais (e para a administração Trump, o maior de todos) "patrocinadores de terrorismo". Como motivo, Washington apresenta o fato das autoridades persas apoiarem o movimento libanês de origem xiita Hezbollah que, por sua vez, está combatendo ao lado das tropas governamentais de Bashar Assad na Síria. Nem precisa explicar que isso, naturalmente, não satisfaz os interesses americanos na região.

Além disso, Teerã presta assistência aos rebeldes houthis no Iêmen, dado que contra estes luta um aliado americano de longa data — a Arábia Saudita. Recentemente, o país persa voltou a manifestar sua posição independente e a agitar os nervos do establishment americano na crise diplomática com o Qatar, se recusando a aderir ao bloqueio declarado pelos sauditas. Outro fator fulcral é a atitude bem agressiva dos iranianos para com Israel que, na opinião deles, está oprimindo o povo palestino.

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Em outras palavras, Teerã parece ser aquele ator que desafia todos os planos da Casa Branca relacionados com o Oriente Médio e, o que a preocupa ainda mais, tem bastante potencial para isso, ao contrário dos outros países debilitados pelas brigas internas.

Mas o ponto mais doloroso nas relações entre Washington e Teerã está focado, de fato, em um outro elemento — seu potencial nuclear.

Vale destacar que em meados no século passado, quando as jazidas de minerais necessários para a produção da energia atômica foram pela primeira vez descobertas no território persa, a Casa Branca não hesitou muito em colaborar com o regime do xá Pahlavi, efetuando trocas de especialistas, tecnologias e projetos.

Porém, com a queda da monarquia autocrática e a chegada da república islâmica teocrática, sendo esta mais inclinada a alcançar uma certa autossuficiência e independência no seu desenvolvimento interno, o país persa passou a ser cada vez mais estigmatizado pelo Ocidente. Para os EUA, através de seu presidente George Bush, até foi qualificado como um dos países do "eixo do mal".

Doloroso processo de reconciliação

Vale realçar que, desde o início dos projetos atômicos no território persa, o país sempre realçou que estes serviam apenas para fins pacíficos. Entretanto, o longo e espinhoso processo de conversações, inclusive entre a Agência Internacional de Energia Atômica e as autoridades iranianas, enfrentava inúmeros obstáculos colocados por ambas as partes — quando Teerã já estava pronto para fazer concessões e apresentava suas condições, o Ocidente as qualificava como inaceitáveis, e vice-versa.

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Foi isso que sucedeu, por exemplo, à iniciativa do Kremlin em 2005, quando as autoridades iranianas acordaram em transferir sua produção para o território russo. Contudo, algo neste acordo não agradou ao Ocidente e ele, consequentemente, foi descartado.

É interessante analisar também que, por mais estranho que pareça, entre os mediadores no âmbito da crise iraniana nos anos 2000 figurava também… o Brasil. Na época, o presidente Lula dinamizou consideravelmente sua política externa, inclusive no Oriente Médio e, após condenar criticamente a invasão americana no Iraque, se mostrou como pacificador nas negociações entre a então administração iraniana de Mahmoud Ahmadinejad e os países do Ocidente.

Para muitos, este foi um dos passos mais controversos da pauta externa petista ao longo de toda a presidência, dado que o presidente de um país que sempre se mostrou como neutro nos assuntos internacionais tomou uma postura bem resoluta em uma questão tão ambígua.

O presidente iraniano, por sua vez, expressou um desejo de construir uma nova "ordem mundial" em parceria com o Brasil e o apoiou na busca de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Isto, literalmente, fez explodir a imprensa internacional. Os jornais de todo o mundo estavam cheios de fotos "escandalosas" de Lula apertando a mão ao "ditador" Ahmadinejad; o renome do presidente petista foi minado tanto dentro do pais, como fora dele.

Contudo, na época também não houve acordo. O sucesso chegou mais tarde e foi atribuído à administração do antigo presidente dos EUA Barack Obama. Para muitos, o fato dele conseguir fazer com que o Irã aceitasse as condições do Ocidente em troca de um levantamento parcial de sanções foi a maior vitória diplomática da Casa Branca nas últimas décadas.

Novo conflito à vista?

Porém, a reconciliação não era para durar. Logo depois de chegar ao poder, o novo presidente Trump qualificou o acordo sobre o programa nuclear iraniano como "o pior na história" e se apressou a aplicar uma retórica bem agressiva em relação ao país persa, o ameaçando com "retribuição" e revisão do acordo. Além disso, em 2 de julho o líder americano assinou um projeto de lei que impõe sanções adicionais ao Irã, o que, evidentemente, não se encaixa muito na linha anteriormente traçada.

Para alguns analistas, estes passos do presidente republicano apresentam sua inalienável inclinação para "desmantelar" tudo o que a administração anterior fez, dado que a mesma situação é evidenciada no âmbito da saúde pública, com o programa Obamacare. Além disso, Trump experimenta uma queda brusca na popularidade, o que o obriga a encontrar novas estratégias para ganhar terreno, especialmente fora, pois, como se sabe, isto sempre ajuda a distrair a opinião pública dos problemas internos.

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Deste modo, a Casa Branca "escolhe" inimigos por todo o mundo, inclusive para justificar seu enorme orçamento para necessidades de defesa. E, nesta lista, parece que o Irã é o inimigo mais "conveniente". Se falarmos da Rússia, esta variante deixa com cabelos em pé qualquer político americano, pois é evidente que um tal conflito poderia acarretar consequências desastrosas. Quanto à Coreia do Norte, esta também pode representar uma certa ameaça, e os "falcões" americanos têm plena consciência disso. No que se trata do Irã, este não tem capacidade para atacar Washington de nenhuma maneira e, ao mesmo tempo, lhe dá um monte de pretextos para a confrontação, pelo menos verbal.

Por enquanto, toda a atenção do mundo está focada na península coreana. Ao mesmo tempo, os incidentes com participação de navios iranianos e americanos continuam acontecendo no golfo Pérsico. No meio da "histeria" ocidental quanto ao regime "maluco" de Kim Jong-un, é difícil dizer se Teerã voltará a ser o "inimigo número um" para a Casa Branca. Porém, se pode afirmar que esta tem toda a hipótese de arruinar aquilo que, ainda em 2015, foi alcançado com tanto esforço e empenho e fazer rebentar mais um "barril de pólvora" no Oriente Médio.

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