O futuro das relações laborais no caso dos estivadores de Lisboa

© AP Photo / Armando FrancaEm 9 de janeiro de 2012, começava outra greve de estivadores em Portugal, no porto de Lisboa
Em 9 de janeiro de 2012, começava outra greve de estivadores em Portugal, no porto de Lisboa - Sputnik Brasil
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Um acordo promovido pela intervenção do Governo português colocou término a quatro anos de greves às horas extraordinárias pelos trabalhadores do Porto de Lisboa.

A situação de precariedade e os vários atropelos à lei cometidos pela Associação de Operadores levaram a uma situação insustentável, que diz muito sobre aquilo que são as relações laborais nos nossos dias. Apesar da conquista por parte do Sindicato dos Estivadores, este mantém a sua luta ativa, promovendo uma manifestação para o próximo dia 16 de junho, alargada a todos os trabalhadores em situação precária. No fundo, foi sempre sobre esse ponto que se focaram as queixas dos estivadores.

Na sombra da sociedade

Durante muito tempo, as conversas públicas sobre o problema dos estivadores pareciam referir-se a um assunto do passado. Apesar de serem figuras centrais na economia do país, quer na importação como na exportação, para além da distribuição e abastecimento, os estivadores vivem na sombra da sociedade, num trabalho que, muitas vezes, foi referido como estando a caminho da inexistência, devido à mecanização do mesmo. No entanto, a realidade parece assumir-se com outros contornos, expondo-se à evidência a tentativa de criação de maiores margens de lucro através da exploração da mão-de-obra. A defesa de uma desregulamentação do trabalho portuário, como foi a seu tempo sublinhada pelo International Dockworkers Council (IDC), encontrou espaço nas decisões do anterior governo português, uma coligação de direita seguidora cega das indicações da União Europeia.

© AP Photo / Armando FrancaA de junho de 2016 não é a primeira greve de estivadores em Portugal. Nesta foto de novembro de 2012, por exemplo, estivadores marcham contra o desemprego no setor
A de junho de 2016 não é a primeira greve de estivadores em Portugal. Nesta foto de novembro de 2012, por exemplo, estivadores marcham contra o desemprego no setor - Sputnik Brasil
A de junho de 2016 não é a primeira greve de estivadores em Portugal. Nesta foto de novembro de 2012, por exemplo, estivadores marcham contra o desemprego no setor

Ao mesmo tempo, foram sendo criadas todas as condições para impor a precariedade aos trabalhadores do Porto de Lisboa, fosse através da manipulação de Sindicatos, com a criação de uma direção-fantoche que assumiu acordos à revelia dos próprios trabalhadores, fosse através da constituição de novas empresas que quebrassem o número de anos de serviço dos trabalhadores mais experientes ou que impusessem condições abaixo do regulamentado aos novos trabalhadores, fosse ainda através da imposição de horários que levassem ao desgaste acelerado dos trabalhadores. Esta soma de situações inaceitáveis, bem como a caducidade do Contrato Coletivo de Trabalho, conduziram à greve e a uma luta que encontrou sempre, do outro lado, uma parede surda às reivindicações, bem como a manipulação da informação nos principais órgãos de comunicação, com a Associação de Operadores a anunciar perdas diárias de 300 mil euros para os armadores (o que corresponderia a um ganho mensal de cerca de sete mil euros por trabalhador).

Os dados do acordo

Conforme anunciado pelo Ministério do Mar do Governo de Portugal, o diálogo entre o Sindicato dos Estivadores e a Associação de Operadores levou a um compromisso entre ambas as partes que permitiu ultrapassar divergências em pontos como a admissão de trabalhadores, desativando-se a empresa PORLIS (para onde estavam a ser empurrados os novos trabalhadores) e defendendo a ETP, que empregava 127 profissionais no Porto de Lisboa e assumiu, desde já, a contratação de mais 23 num período de seis meses.

Conseguiu-se ainda um acordo quanto à progressão de carreira, com um novo regime misto de promoções automáticas e por mérito, bem como uma nova tabela salarial com dez níveis. Finalmente, foi aceite pelas partes que o exercício de funções de “ship planning” e “yard planning” deve ser, prioritariamente, levado a cabo por trabalhadores portuários com experiência e preparação específica.

Finalmente, ficou também especificado um novo Contrato Coletivo de Trabalho, que deverá ser redigido e assinado num prazo de quinze dias, colocando no papel aquilo que foi alvo de diversas rondas negociais ao longo dos últimos meses.

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Uma perspetiva para o futuro

O tema da precariedade no trabalho deve ser uma das grandes preocupações para o futuro, sobretudo com os cenários de crise económica e de aumento da tecnologia para substituir a mão-de-obra humana. Nesta luta dos estivadores, cruzam-se ambos os temas, já que a crise económica abre espaço, em muitos locais, para uma precarização dos vínculos assumidos entre patrões e trabalhadores, levando a uma desvalorização do trabalho. A aceitação de mão-de-obra não qualificada para trabalhos que exigem um elevado nível de preparação também acaba por transformar um problema de uma profissão concreta, num problema que se estende a todos os trabalhadores.

A desregulamentação do trabalho é outro dos problemas que afeta trabalhadores por toda a Europa, com o crescimento de trabalhos sem qualquer vínculo, o que se apresenta como uma regressão em termos de conquistas laborais. Atrás dessa inexistência de vínculos, vem também o aumento da carga horária, sendo que a consolidação das 40 horas de trabalho semanal e a luta pelas 35 horas, são atacadas fortemente no quadro da política portuguesa, apesar de se ter reconquistado o direito das 35 horas no setor público, algo que tinha também sido perdido com o anterior governo de direita.

© AP Photo / Francisco SecoEm 29 de novembro de 2012, um ato de estivadores na frente do Parlamento em Lisboa tinha fogo
Em 29 de novembro de 2012, um ato de estivadores na frente do Parlamento em Lisboa tinha fogo - Sputnik Brasil
Em 29 de novembro de 2012, um ato de estivadores na frente do Parlamento em Lisboa tinha fogo

Finalmente, as questões da contratação coletiva e da progressão de carreira são outro dos pontos sensíveis no presente momento em Portugal. Quando nos deparamos com inúmeros casos de congelamento de salários e progressão de carreira em nome da crise, percebemos como, enquanto sociedade, vamos sendo empurrados para uma situação de precariedade absoluta. É por isso que António Mariano, presidente do Sindicato dos Estivadores, tem insistido no encarar o compromisso conseguido como uma meia-vitória, tendo em conta que se aplica apenas ao Porto de Lisboa, quando em Leixões e Sines existirão situações semelhantes. E mais, o problema dos estivadores é um problema de todos os trabalhadores portugueses.

Até dia 16 de junho, dia da manifestação contra a precariedade, somar-se-ão um conjunto de iniciativas públicas que permitirão um aprofundar da análise a esta questão.

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