'Primeiro sangue': afegãos contam como foram cometidas atrocidades das forças especiais australianas

© AFP 2023 / Shah MaraiSoldados australianos da Força Internacional de Apoio à Segurança na província de Uruzgan, no Afeganistão
Soldados australianos da Força Internacional de Apoio à Segurança na província de Uruzgan, no Afeganistão - Sputnik Brasil
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O escândalo sobre as ações das forças especiais australianas no Afeganistão ainda não terminou. De acordo com o relatório publicado, de 2005 a 2016 os militares australianos mataram 39 civis afegãos desarmados.

Segundo o relatório do major-general Paul Brereton, publicado após cinco anos de inquérito, soldados do Regimento Especial de Serviço Aéreo (SARS, na sigla em inglês) da Austrália mataram pessoas desarmadas que não podiam resistir.

Vítimas desarmadas

Uma das vítimas do esquadrão SARS foi um jovem residente da província afegã de Uruzgan, Mirza Khan. Ele foi morto quatro dias antes de seu casamento, na frente de sua família.

"Os australianos pousaram em uma colina perto de nossa casa", relatou à Sputnik Afeganistão o irmão do falecido, Shaesta Khan. "Arrombaram a porta e invadiram nossa casa, fizeram uma bagunça. Mirza foi derrubado com um tiro no pé, depois foi atacado por um cachorro. Ele o mordeu na garganta. Quando ficaram fartos dessa 'diversão', os militares puxaram o cachorro e dispararam vários tiros na cabeça e ombros de Mirza. Depois levaram seu corpo para fora de casa e o cobriram com uma capa. Ao voltar, revistaram nossa casa, mas não encontraram nada."

Shaesta Khan não entende por que os soldados australianos balearam seu irmão. Ele sugere que talvez pensassem que eram talibãs.

 

© SputnikShaesta Khan, irmão de Mirza Khan, morto na província afegã de Uruzgan
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Shaesta Khan, irmão de Mirza Khan, morto na província afegã de Uruzgan

"Não sabemos por que mataram meu irmão. Talvez pensassem que éramos talibãs, mas não tínhamos armas ou balas em casa. Qual é a nossa culpa? Destruíram toda a nossa casa. Será que eles tinham tido algum desacordo com meu irmão antes deste incidente? Não! Nem sequer os conhecíamos, nem sequer fazíamos ideia do tipo de pessoas que eram."

A mãe de Mirza Khan quase enlouqueceu devido à morte de seu filho. O terceiro filho e a terceira filha também têm estado com problemas mentais desde então.

"Estava em casa com meus netos pequenos", disse Mariam, mãe de Mirza Khan. "Os militares eram altos, eles estavam armados. Eu lhes pedi que não tocassem no meu filho, mas eles o mataram. Ele usava um colete, eles o tiraram, pegaram o celular e dispararam no queixo. Depois voaram para longe. Estou sempre pensando em Mirza. Meu filho queria muito se casar, esperava o dia do casamento. Tudo o que me resta é a memória dele e de sua noiva."
© SputnikMariam, a mãe de Mirza Khan, morto na província afegã de Uruzgan
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Mariam, a mãe de Mirza Khan, morto na província afegã de Uruzgan

De acordo com as palavras de moradores da aldeia, um outro civil foi morto naquele dia, Khadzhi Sardara. Ele foi alvejado na rua, quando saía da aldeia. As pessoas que o conheciam afirmam que não tinha nada a ver com os talibãs ou a Al-Qaeda.

Dezenas de mortos

Os militares do SARS estão no Afeganistão desde meados de 2001, quase desde o início da operação da coalizão norte-americana contra a Al-Qaeda e os talibãs. Sua missão principal é inteligência e vigilância.

Os militares australianos fazem longas incursões no interior do território controlado pelos militantes, transmitem as coordenadas de sua localização ao posto de comando.

Os soldados e oficiais australianos receberam diferentes prêmios por sua coragem durante as operações no Afeganistão. Seus feitos militares foram relatados pela mídia do seu país, no entanto, este outro lado das missões australianas no Afeganistão, marcadas pela brutalidade, permaneceu durante muito tempo escondido do público.

Em 19 de novembro, o major-general australiano Paul Brereton divulgou a existência de evidências confiáveis de que suas forças especiais mataram 39 civis desarmados e prisioneiros durante a guerra no Afeganistão.

O relatório do general, que tem investigado crimes de guerra desde 2016, baseia-se no testemunho de mais de 400 pessoas. As suas palavras são corroboradas por 20.000 documentos e 25.000 fotografias que os peritos estudaram. No entanto, na versão do documento preparada para o público em geral, alguns fatos foram omitidos "por razões de segurança, confidencialidade e legalidade".

Um total de 32 militares do SASR que regressaram do Afeganistão são acusados de massacres pela investigação militar. Destes, 25 são acusados de execuções e os outros de cumplicidade e por não reportarem os crimes.

Batismo sangrento

O general explicou a violência do SARS pela vontade dos soldados de vingarem a morte de seus colegas. De 2011 a 2012, 18 militares australianos foram mortos no Afeganistão.

Além disso, segundo Brereton, os soldados das forças especiais têm uma tradição que exige que os militares recém-chegados à zona de guerra sejam submetidos ao rito de "batismo" e conheçam o "primeiro sangue", não sendo preciso esperar um combate para isso.

As patrulhas simplesmente detinham alguns afegãos, o comandante decidia quem seria morto. Após as mortes, os militares colocavam armas nos corpos e tiraram várias fotos para documentar a "eliminação de insurretos perigosos".

A publicação do relatório Brereton teve o efeito de explosão de uma bomba na Austrália. Os ativistas dos direitos humanos exigem que os responsáveis sejam condenados com a maior severidade, figuras públicas insistem em provas psicológicas mais severas na seleção de candidatos para as forças especiais. O primeiro-ministro e o alto comando militar do país pediram desculpa aos afegãos.

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