Qual é a 'arma secreta' da Rússia para ganhar influência na África?

© Sputnik / Grigory SysoevParticipante do Fórum Rússia–África, em Sochi, recebe broches da bandeira da Rússia e do logotipo da Rossiya Segodnya, em 24 de outubro de 2019
Participante do Fórum Rússia–África, em Sochi, recebe broches da bandeira da Rússia e do logotipo da Rossiya Segodnya, em 24 de outubro de 2019 - Sputnik Brasil
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O Fórum Rússia-África, realizado nesta semana em Sochi, é mais um exemplo dos renovados esforços para impulsionar as relações bilaterais. Muito além de energia nuclear, armas e investimentos, a Rússia tem uma arma secreta para ganhar influência na África.

O aeroporto da cidade de Sochi, na Rússia, recebeu nesta semana mais de 100 mil visitantes, em sua maioria participantes do Fórum Rússia-África, encontro histórico realizado entre os dias 23 e 25 de outubro.

Ao evento compareceram 44 presidentes e primeiros-ministros, o que representa o ápice da recente investida diplomática russa para aumentar a influência do país no continente africano.

© Sputnik / Grigory SysoevA cidade de Sochi recebeu cerca de 100.000 visitantes para o Fórum Rússia-África, incluindo 44 chefes de governo
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A cidade de Sochi recebeu cerca de 100.000 visitantes para o Fórum Rússia-África, incluindo 44 chefes de governo

 

O renovado interesse de Moscou pela África vem em um momento único para o continente, de acordo com o editor do Relatório Visão Comum Rússia–África "Ravision 2030", Andrei Maslov:

"O crescente interesse da Rússia pela África coincidiu com a aceleração dos processos de integração no continente. África não é mais somente um território com mais de cinquenta Estados. Ela está emergindo como um ator independente nas relações políticas mundiais", disse Maslov à RT.

Por enquanto os resultados do Fórum, que se encerra na noite desta sexta-feira (25), são bastante promissores.

A Rússia perdoou uma dívida remanescente dos tempos soviéticos, que já alcançava U$20 bilhões (cerca de R$ 80 bilhões). De acordo com o Kremlin, o perdão da dívida abre caminho para novos negócios com o continente.

© Sputnik / Ilia PitaevDe acordo com dados preliminares, contratos no valor de R$48 bilhões foram firmados durante o Fórum Rússia-África
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De acordo com dados preliminares, contratos no valor de R$48 bilhões foram firmados durante o Fórum Rússia-África

Foi criado um mecanismo de financiamento do comércio em cerca de U$ 5 bilhões (R$ 20 bilhões) que deve impulsionar as trocas comerciais. Mas, antes mesmo do mecanismo ser colocado em prática, as partes já fecharam cerca de 50 contratos de negócios estimados em U$12 bilhões (cerca de R$ 48 bilhões).

Retomada da política externa para África

No entanto, os resultados do Fórum devem ir além de negócios lucrativos. De acordo com Maslov, a reunião selou as bases para aprofundamento das relações.

"A Rússia volta à África com novos valores e novos objetivos [baseados] no interesse comum", disse o analista.

Os líderes africanos que compareceram ao Fórum também se mostraram satisfeitos com os resultados. O presidente do Egito, Abdel Fattah al Sisi, declarou que o evento foi um "sucesso para todos os participantes".

© Sputnik / Ramil SitdikovFoto de líderes reunidos no Fórum Rússia-África, com destaque para o presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, à esquerda, e para o presidente da Rússia, Vladimir Putin, à direita
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Foto de líderes reunidos no Fórum Rússia-África, com destaque para o presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, à esquerda, e para o presidente da Rússia, Vladimir Putin, à direita

O presidente russo Vladimir Putin, na qualidade de anfitrião do encontro, classificou-o como "uma nova página nas relações da Rússia com as nações do continente africano".

"O encontro teve um caráter de reunião de negócios, mas com um clima amistoso e mesmo cordial, criando uma atmosfera única para as nossas discussões", disse Putin aos jornalistas.

De fato, o objetivo do fórum é dar um impulso para a influência russa na África, que tenta alcançar economicamente países como a China, os EUA e a Índia.

A influência da Rússia no continente, no entanto, não se restringe à energia nuclear, armas e compra de alimentos, mas também inclui bens intangíveis, como cultura, ciência e educação – o chamado "poder brando" de influência nas relações internacionais.

Educação é a chave

Ao contrário de ex-potências coloniais, como França e Grã-Bretanha, a Rússia tem uma imagem positiva no continente africano.

A União Soviética forneceu apoio significativo a muitos países africanos durante a sua luta pela independência. A influência soviética deixou um legado duradouro no continente, baseado principalmente nos robustos programas de cooperação educacional.

Muitos líderes africanos concluíram seus estudos na União Soviética. Dentre eles, o ex-presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba, o ex-primeiro-ministro do Chade, Youssouf Saleh Abbas, assim como o ex-vice-presidente da Tanzânia e atual líder da região semiautônoma de Zanzibar, Mohamed Shein.

© Sputnik / Valery Shustov Estudantes da Faculdade de Medicina da RUDN em laboratório, em outubro de 1980
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Estudantes da Faculdade de Medicina da RUDN em laboratório, em outubro de 1980

"A educação é uma componente chave do poder brando", disse Vladimir Filippov, reitor da Universidade Russa da Amizade dos Povos, à RT.

A instituição tem seu nome em homenagem ao líder da independência do Congo, Patrice Lumumba, herói africano brutalmente assassinado em um golpe militar apoiado pela CIA, em 1960.

"A URSS teve um papel central na criação dos sistemas educacionais de muitos países africanos", disse Filippov, notando que "a educação continua sendo o nosso maior poder".

Estudantes africanos na Rússia

Em 2018, cerca de 17.000 estudantes provenientes de mais de 50 países africanos estavam realizando seus estudos na Rússia, de acordo com Pavel Shevtsov, vice-diretor da Rossotrudnichesvo – agência federal responsável pelo fomento do intercâmbio cultural e educacional da Rússia.

© Sputnik / Ruslan KribokovEstudantes da faculdade de jornalismo da RUDN assistem à palestra, em fevereiro de 2016
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Estudantes da faculdade de jornalismo da RUDN assistem à palestra, em fevereiro de 2016

Todos os anos, a agência fornece bolsas de estudo integrais para 15.000 estudantes estrangeiros de todo o mundo. Além do apoio do Estado russo, parte dos estudantes africanos recebe apoio de empresas, como a Rusal ou a petroleira Rosneft, que os empregam em suas filiais na África ao fim dos estudos.

Mas a demanda africana por programas educacionais na Rússia é maior do que o programa de bolsas: no ano passado, 36.000 estudantes se candidataram a universidades russas.

Somente a Universidade Russa da Amizade dos Povos (RUDN, como é conhecida na Rússia), assinou 50 acordos de cooperação com instituições africanas, 20 deles somente nos últimos dois anos.

"A Rússia está muito bem posicionada quando o assunto é educação", disse o reitor da universidade.

Segundo Filippov, a Rússia é capaz de oferecer cursos de alta qualidade a preços muitos competitivos internacionalmente.

"Muitas famílias africanas não tem recursos para enviar seus filhos ao Reino Unido ou aos Estados Unidos. Mas podem financiar a educação dos seus filhos na Rússia".

Poder brando russo na África

O poder brando da Rússia na África não se limita à educação. A Rossotrudnichesvo dirige centros de cultura e ciências em oito países africanos, incluindo Egito, Tanzânia, República do Congo e Zâmbia, que estão empenhados ativamente em promover a cultura e a língua russa.

De acordo com Shvetsov, mais de 100.000 pessoas na África subsaariana dominam a língua russa. No norte da África e no Oriente Médio o número atinge 1,3 milhões de pessoas.

© Sputnik / Grigory SysoevEstudante da RUDN consulta dicionário russo-árabe: agência do governo russo fornece 15.000 bolsas de estudos integrais por ano
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Estudante da RUDN consulta dicionário russo-árabe: agência do governo russo fornece 15.000 bolsas de estudos integrais por ano

Pode ser que a presença Rússia na África ainda não tenha alcançado a de potências como a China e os EUA. Mas o país tem todo o potencial para fazer a diferença no continente.

Afinal, a Rússia não impõe condicionalidades quando faz investimentos no continente, como o fazem o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. A Rússia tampouco se vê inclinada a pressionar países africanos política e ideologicamente, como faz o Ocidente. Afinal, Moscou declara repetidamente que respeita a não ingerência em assuntos internos de outros países.

Considerando a renovação dos esforços diplomáticos para expandir o seu poder brando, sustentado em uma sólida base histórica que remete aos tempos soviéticos, a Rússia – que já foi pejorativamente descrita como "ator ad hoc" na África – não está poupando esforços para se tornar um ator de peso no continente.

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