Políticas de Bolsonaro e pandemia dificultam implementação do acordo do Mercosul com União Europeia

© Foto / MINISTÉRIO DA ECONOMIARepresentantes do governo brasileiro, do Mercosul e da União Europeia no dia do anúncio do acordo comercial em Bruxelas, Bélgica, em 28 de junho de 2019
Representantes do governo brasileiro, do Mercosul e da União Europeia no dia do anúncio do acordo comercial em Bruxelas, Bélgica, em 28 de junho de 2019 - Sputnik Brasil
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Especialista diz que com a COVID-19 economias se tornam mais protecionistas e entende que meio ambiente e direitos humanos no Brasil podem retardar a implementação do tratado.

Os efeitos da pandemia nas economias europeias e algumas políticas do governo Bolsonaro são entraves para que seja ratificado o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), apesar da pressão dos setores industriais dos países sul-americanos e europeus, disse Roberto Menezes, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UNB) em entrevista à Sputnik Brasil. 

Nesta quinta-feira (26), representantes de confederações do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, além da entidade industrial europeia Business Europe, divulgaram um comunicado em que defendem a implementação do acordo o mais rápido possível para criar oportunidades de negócios e promover o desenvolvimento sustentável.  

Mas segundo Menezes, também pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INEU), há resistência de alguns governos da Europa para que seus 27 parlamentos confirmem as tratativas rumo à implementação do acordo. 

"O texto do acordo visa juntar três cenários, três dimensões. Uma é comercial, a outra é de cooperação e a última é política. Alguns países europeus querem que o lado comercial seja desassociado dos outros dois. E um dos motivos é a pandemia da COVID-19, pois em momentos como esse, em tempos de crise, as economias nacionais tendem a ficar mais protecionistas", explicou Menezes.

Política ambiental

Outro obstáculo levantado por nações como França e Alemanha, por exemplo, é a atitude do governo Bolsonaro em áreas como a política ambiental.

"A resistência francesa cresceu porque desde seu início o governo brasileiro tem adotado uma política ambiental que é a desconstrução do que era feito desde 2004 em relação ao desmatamento e à Amazônia. A ação da Alemanha no Fundo da Amazônia é um exemplo disso. E a Alemanha é um dos motores do processo de integração europeu. E Bolsonaro não deu resposta concreta até agora a todas as evidências de seu tratamento aos números e ao tratamento dedicado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)", comentou.

Essa opinião foi reforçada pelo alemão Bernd Lange, presidente do Comitê de Comércio do Parlamento Europeu. Em debate na Câmara dos Deputados, este ano em Brasília, ele disse que o acordo não será ratificado pelos europeus sem regras claras que garantam o compromisso das partes com o desenvolvimento sustentável.

"Já disse na Europa que o acordo como está não deverá ser ratificado, porque não temos como garantir que o parceiro vai cumprir com suas obrigações”, alertou Lange, que participou de seminário virtual promovido pela Frente Parlamentar Mista de Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Direitos humanos

Mas segundo Menezes, os europeus também veem com ceticismo outro tema sensível e muito atual no Brasil, o relacionamento de Brasília com direitos humanos, especialmente os dos povos indígenas.

"Há uma pressão de parlamentares europeus e também de setores da sociedade civil destes países sobre a maneira como Bolsonaro tem desdenhado e atacado os povos indígenas como a falta de demarcação das terras deles e um tratamento de quase desprezo para estes povos durante a pandemia da COVID-19. Então os europeus destacam que o acordo está amarrado demais e isso é usado como pretexto para, de tempos em tempos, a França mostrar que as negociações não andarão. Para mim, enquanto [o presidente Emmanuel] Macron estiver lá haverá grande dificuldade a curto prazo", disse.

Menezes entende que acordo "ficará na pauta dos parlamentos até que venha a ter condições políticas para ser aprovado". Vale lembrar que, para entrar em ação, o acordo precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os 31 países que fazem parte dos dois blocos - quatro na América do Sul e 27 da Europa, já considerando aí a saída do Reino Unido da UE.

O professor lembra também que há uma enorme assimetria nas realidades econômicas de cada bloco. Os países do Mercosul, por exemplo, exportam apenas 5% de bens industriais, enquanto o oposto acontece na Europa cuja cota de exportações deste setor é de 95%. Ou seja, para os sócios sul-americanos, o acordo não representa um crescimento substantivo que possa influenciar as exportações na área industrial.

As intenções do acordo

Ainda assim, houve este movimento na quinta-feira (26) por parte das confederações sul-americanas. O mote se remete ao anúncio do acordo no dia 28 de junho de 2019 após 20 anos de negociações. A ideia sempre foi criar uma das maiores áreas de livre comércio do planeta. Juntos, os dois blocos representariam cerca de 25% da economia mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas visando impulsionar o comércio entre os dois continentes. 

Pelo texto, o acordo pretende eliminar as tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos através de cotas preferenciais de importação com tarifas reduzidas. O processo de eliminação de tarifas varia de acordo com cada produto e deve levar até 15 anos contados a partir da entrada em vigor da parceria intercontinental.

De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o acordo reduz, por exemplo, de 17% para zero as tarifas de importação de produtos brasileiros como calçados e aumenta a competitividade de bens industriais em setores como têxtil, químico, autopeças, madeireiro e aeronáutico.

Um estudo da Confederação aponta que, dos 1.101 produtos que o Brasil tem condições de exportar para a União Europeia, 68% enfrentam tarifas de importação. Com a abertura do mercado europeu para produtos agropecuários brasileiros, mais investimentos devem ser aplicados na própria indústria nacional, já que dados do setor mostram que o agronegócio consome R$ 300 milhões em bens industrializados no Brasil para cada R$ 1 bilhão exportado.

Para os países do Mercosul, o acordo prevê um período de mais de uma década de redução de tarifas para produtos mais sensíveis à competitividade da indústria europeia. No caso europeu, a maior parte do imposto de importação será zerada tão logo o tratado entre em vigor.

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