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Negar ditadura militar mancha credibilidade internacional do Brasil, diz cientista político

© Folhapress / Zanone Fraissat O presidente Jair Bolsonaro é acompanhado pelo general Luiz Eduardo Ramos durante solenidade comemorativa do Dia do Exército na sede do Comando Militar do Sudeste, na zona sul de São Paulo, em 2019.
 O presidente Jair Bolsonaro é acompanhado pelo general Luiz Eduardo Ramos durante solenidade comemorativa do Dia do Exército na sede do Comando Militar do Sudeste, na zona sul de São Paulo, em 2019. - Sputnik Brasil
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Cientista político Maurício Santoro destacou as tensões entre o governo brasileiro e diversas organizações internacionais na área dos Direitos Humanos e de Meio Ambiente.

A Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou ao governo brasileiro, ainda em abril, uma autorização para realizar uma missão ao país para investigar denúncias sobre desmonte promovido pelo atual governo em relação aos mecanismos de reparação às vítimas da ditadura militar.

O pedido foi feito pelo Grupo de Trabalho de Desaparecimentos Forçados da ONU e consta de um informe que será apresentado a todos os governos em duas semanas, em Genebra (Suíça).

O governo, no entanto, ainda não informou se vai ou não aceitar o requerimento.

Sputnik Brasil conversou sobre o tema com Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

"O Brasil está muito atrás dos outros países na América Latina em termos de reparação às vítimas das suas ditaduras. Por exemplo, se compararmos com Argentina, Chile, Uruguai e Peru, em todos houve a prisão de ex-ditadores ou de integrantes do aparato repressivo das polícias ou das Forças Armadas. Nada disso aconteceu no Brasil. O que houve aqui foi o pagamento de indenizações financeiras à muitas dessas vítimas e algum esforço também em termos de políticas de memória, de pesquisa sobre esse passado", disse o professor.

Para ele, isso ocorreu porque não houve, por parte das elites políticas brasileiras, uma "tomada tão consensual da importância desses fatos". Ele destacou que as ações nesse sentido ficaram restritas aos governos de três presidentes: Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

"Claro que isso tudo mudou em 2018 com a eleição do presidente Jair Bolsonaro que, expressamente, condenou esse tipo de política pública e defendeu sempre o regime autoritário que existiu no Brasil entre 1964 e 1985. Não é por acaso também que nós observamos esse esvaziamento das iniciativas governamentais", explicou o cientista político.

Segundo uma recente declaração do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o governo brasileiro ainda não fechou o calendário de visitas de procedimentos especiais para 2020 e 2021 em função da pandemia do novo coronavírus. Maurício Santoro concordou que a pandemia criou obstáculos e problemas para o funcionamento do Estado. No entanto, destacou ele, o Brasil tem longa história de dificuldades para fornecer informações para ONU, com muitos relatórios periódicos atrasados, "em particular no campo dos Direitos Humanos". Esse problema afetou as mais diferentes gestões e "evidentemente está muito presente na administração atual".

"Não acredito que, neste caso especificamente, o coronavírus seja o responsável por essa dificuldade em prestar contas. Ao meu ver, isso [ocorre] muito mais em função dos problemas políticos e da falta de compromisso do governo brasileiro com a questão da reparação às vítimas da ditadura", acrescentou o entrevistado.

O professor lembrou que o governo brasileiro tem sido pivô de diversas tensões em organizações internacionais e no sistema ONU. A política externa do país tem sido bastante crítica às instituições multilaterais, que supostamente atenderiam uma "agenda globalista".

"O governo coloca muita ênfase em questões de soberania nacional, diante da dificuldade brasileira de corresponder à essas expectativas do exterior. Isso tem levado a abalos muito grandes da credibilidade do Brasil, em particular em temas relacionados ao Meio Ambiente e Direitos Humanos, que são aquelas áreas das políticas públicas em que as posições do governo brasileiro mais tem se distanciado daquilo que se tornou um consenso internacional. Ou pelo menos um consenso entre as democracias, países desenvolvidos e até muitos países da América Latina, que avançaram bem mais do que o Brasil na agenda dos Direitos Humanos", afirmou Santoro.

De acordo com o professor, algumas posições do atual governo seriam tão extremas, em termos de Direitos Humanos e de Meio Ambiente, que poderiam ser classificadas como negacionismo.

"Negar que determinados problemas e fatos graves estão acontecendo: isso é o que há de pior em termos de credibilidade internacional de um país. Tradicionalmente, desde a redemocratização, a posição diplomática dos governos brasileiros em relação a assuntos de Direitos Humanos tinha sido muito mais a de admitir que esses problemas acontecem no Brasil, mas também de apresentar os esforços que os governos brasileiros vinham fazendo para lidar com essas dificuldades. Então o que nós estamos vendo agora nesses últimos dois anos é um retrocesso diante de uma situação que já era bastante difícil, bastante complicada. Isso cria muitos problemas para o Brasil e pode inclusive levar até a retaliações políticas contra o país", concluiu o interlocutor da agência.
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