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Opinião: Processo de privatização da Rússia deve servir de exemplo para o Brasil

© REUTERS / Stringer/FilesBoris Yeltsin e Vladimir Putin, em Moscou, em 7 de maio de 2000
Boris Yeltsin e Vladimir Putin, em Moscou, em 7 de maio de 2000 - Sputnik Brasil
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“O processo de privatização na Rússia deu mais e melhores resultados do que no Brasil.” A avaliação é do cientista político e professor aposentado de Relações Internacionais Antônio Paim, que falou sobre o tema com exclusividade para a Sputnik Brasil.

Cientista político que durante muitos anos deu aulas em três instituições universitárias do Rio de Janeiro – a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a PUC (Pontifícia Universidade Católica) e a extinta Gama Filho, Antônio Paim é autor do recém-lançado livro “O Patrimonialismo Brasileiro em Foco”. Nele, o cientista político explica o que é um Estado Patrimonial (um ente dominado pela burocracia), analisa a evolução política no Brasil, inclusive a privatização iniciada no Governo Fernando Henrique Cardoso, e dedica um capítulo exclusivo à privatização na Rússia.

Antônio Paim destaca que o processo de privatização na Rússia teve início no Governo de Boris Yeltsin, primeiro presidente da Federação Russa, com o Primeiro-Ministro Yegor Gaidar. Era o ano de 1992, e desde então a privatização vem se aprimorando nos Governos de Vladimir Putin e Dmitri Medvedev.

Sputnik: O que podemos entender como patrimonialismo ou Estado patrimonial?

Antônio Paim: Na década de 1970, aqui no Brasil, houve uma discussão sobre se poderia aplicar-se esta categoria ao país. Ela é uma criação de Max Weber, filósofo alemão, e foi muito desenvolvida em relação à Rússia por Karl Witze Gel. Há um livro do Professor Raymundo Faoro que expressa bem o de que se trata. O livro se chama “Os Donos do Poder”. A ideia é a seguinte: antes de haver um governo representativo, aqui no Ocidente, essa nova forma que se chamou de Estado moderno, o Estado tradicional era uma espécie de Estado patriarcal no qual não havia uma separação muito nítida entre o patrimônio da Casa Real e o patrimônio da nação. O resquício que ficou disso aparece no comportamento de alguns Estados modernos, os quais mereceriam esta categoria. É a apropriação de uma parte do Estado, sobretudo quando ele interfere na economia pela burocracia estatal.

S: É a preponderância da burocracia sobre a máquina administrativa?

AP: Exatamente, como se fosse uma coisa própria, não a serviço de outros, de terceiros, da sociedade, etc.

S: O que caracteriza o Estado patrimonial é este predomínio da burocracia?

AP: Exatamente isso, mas não é só o predomínio. É como se ela fosse a dona da coisa, não devesse prestar contas. Nesta discussão da aplicação da categoria ao Brasil, Raymundo Faoro fez uma primeira difusão deste conceito, mas quem deu um quadro real da forma como se aplicasse ao Brasil, como se teria apresentado, é Simon Schwartzman, que publicou o livro “São Paulo e o Estado Nacional”. Esta nossa discussão coincidia, na década de 1970, com a crise provocada pelo petróleo, e nas décadas seguintes a emergência da ideia da privatização. A economia europeia tinha sido estatizada e o caminho para sair daquilo seria a privatização. A aplicação da categoria de patrimonialismo ao Brasil foi associada a essa ideia da privatização, que desenvolvi na segunda edição do meu livro “A Querela do Estatismo’, na década de 1970. Depois se arrefeceu essa discussão, mas como o Governo Fernando Henrique foi na segunda metade da década de 1990, ressuscitou-se essa questão da privatização no Brasil. Em geral, apesar de ela ter sido muito bem-sucedida, sobretudo no que diz respeito à telefonia, é uma coisa mal vista, não é popular. Agora com essa crise desencadeada pela operação Lava-Jato, que identificou roubalheiras milionárias na Petrobras, voltou esta discussão. A ideia – minha e dos participantes desse livro, todos colegas universitários, da academia – era justamente chamar a atenção para a complexidade que é sair desse patrimonialismo. Como a privatização é um dos caminhos, eu fiquei muito bem impressionado com o sucesso da privatização russa. O Governo Putin pôs ordem no processo, pois se estabelecera uma certa desordem econômica subsequente à privatização do Yegor Gaydar, e aqui no Brasil ficou uma confusão muito grande, parecendo que havia a reestatização da economia, o que me parecia incorreto. A intervenção do Governo Putin diz respeito ao reordenamento do setor de energia e não é uma reestatização absoluta, inclusive há a participação de uma grande empresa estrangeira de petróleo, que é a British Petroleum. A mim parecia que a privatização de Gaydar é uma coisa muito bem-sucedida. Deduzi dali que e criou uma coisa que não é habitual, que é a formação de uma classe média difundida, generalizada. A Rússia é um país muito tradicional, mas a diversificação da população não era muito grande porque havia um campesinato muito grande e um desenvolvimento industrial, anterior ao regime soviético, relativamente limitado a São Petersburgo, etc. Não havia essa situação que, do ponto de vista do Ocidente, seria favorável ao governo moderno representativo. A ideia do livro é essa.

S: Yegor Gaydar, que o senhor cita, foi o primeiro-ministro do primeiro presidente da Federação Russa, Boris Yeltsin. Foi com ele que teve início esse processo de privatização das empresas estatais da Rússia?

AP: Ele fez uma privatização em massa, pois o Governo soviético era dono de tudo. Com exceção dos grandes conglomerados, ele encontrou, segundo estudos acadêmicos independentes, uma forma engenhosa de efetivar essa privatização, que foi a distribuição de bônus.

S: O senhor faria uma comparação entre a privatização no Brasil e a da Rússia – em qual dos dois países ela foi mais bem-sucedida?

AP: Foi bem-sucedida na Rússia. No Brasil ela foi muito limitada. O Governo Fernando Henrique privatizou a telefonia, depois privatizou a petroquímica, foi um processo de modernização, de agregação. Depois, há uma grande empresa da qual a Petrobras é sócia, portanto, não resultou grande coisa. E o setor siderúrgico, onde não houve nenhuma grande multinacional, uma empresa gigantesca, enquanto que na Rússia o efeito foi automático.

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