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Marcelo Lavenère: Não há motivo jurídico para o impeachment de Dilma

ENTREVISTA COM MARCELO LAVENERE 2 DE 06-10-15
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O advogado Marcelo Lavenère, um dos dois autores do pedido de impeachment de Fernando Collor de Mello, compara as condições daquele ato, em 1992, com a situação atual e afirma que com Dilma Rousseff o caso é diferente. O Dr. Lavenère falou com exclusividade à Sputnik Brasil.

Em 1992, o então Presidente Fernando Collor de Mello, hoje senador pelo Estado de Alagoas, enfrentou um processo de impeachment deflagrado a partir de denúncias de seu irmão, Pedro Collor, de que uma organização liderada pelo chefe do Poder Executivo estava se beneficiando do poder para obter vantagens pessoais. Mesmo tendo renunciado durante a instauração do processo no Congresso Nacional, Collor de Mello teve o impeachment decretado e foi definitivamente afastado do poder, que passou a ser exercido, em sua plenitude, pelo até então Vice-Presidente Itamar Franco.

Passados 23 anos, a Presidenta Dilma Rousseff se vê ameaçada de também sofrer processo de impeachment e consequente afastamento do poder. Esta hipótese, porém, é rejeitada pela própria chefe do Executivo, ao afirmar na cerimônia de posse do seu novo Ministério, na segunda-feira, 5, que irá governar até 2018, último ano do seu segundo mandato, conquistado nas eleições de outubro de 2014.

Sobre o assunto, Sputnik Brasil entrevistou, com exclusividade, o advogado Marcelo Lavenère Machado, especialista em Direito Constitucional, Administrativo e Eleitoral e presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entre os anos de 1991 e 1993. O Dr. Marcelo Lavenère foi um dos dois autores do pedido de impeachment contra Fernando Collor de Mello, tendo sido o outro autor o jornalista Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), na ocasião, presidente da ABI – Associação Brasileira de Imprensa.

Nesta entrevista, Marcelo Lavenère compara as situações de Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, e afirma que até o momento não há fatos juridicamente demonstrados que mereçam a instauração de processo de impeachment contra a atual presidente da República.

Sputnik: O senhor vê possibilidade de comparação entre o sucedido com o então Presidente Fernando Collor de Mello e o que acontece hoje com a Presidenta Dilma Rousseff?

Marcelo Lavenère: Numa primeira visão, é possível se pensar, já que houve o impeachment do Presidente Collor e agora se cogita o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Poderia se imaginar que houvesse circunstâncias semelhantes nos dois momentos históricos. Como acompanhei de perto o impeachment do Presidente Collor e estou acompanhando agora o episódio que ocorre em relação à Presidenta Dilma, posso afirmar que as circunstâncias e o ambiente em que um e outro se dão são absolutamente diferentes. Naquele momento o Presidente Collor estava sendo acusado pessoalmente de ter praticado atos ilícitos fraudatórios da confiança do voto durante o mandato para o qual ele tinha sido eleito. Neste momento atual, a Presidenta Dilma Rousseff, além de não estar sendo apontada como tendo feito nenhum ato que pudesse justificar o impeachment, aquelas acusações que estão lançadas contra ela se referem a fatos pretéritos, a fatos anteriores ao mandato da presidente, que começou este ano em janeiro. Por isso entendo que não há motivo jurídico, não há fatos relevantes semelhantes na hipótese do impeachment de Collor e na eventual propositura, naturalmente indevida, de um pedido de impeachment da Presidenta Dilma.

S: Recuando 23 anos…

ML: É interessante e conveniente explicar como este processo de impeachment se desenvolve. Depois das denúncias feitas pelo irmão do presidente, acusando várias pessoas, inclusive o presidente da República como sendo chefe de uma quadrilha que se apropriara do Governo – a acusação era dirigida ao presidente da República –, nós propusemos a abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), formada por deputados e senadores. A CPMI chegou a seu término e o relatório final reconhecia que havia acusações graves contra o presidente da República. Este relatório foi aprovado por unanimidade, e a partir daí surgiu a necessidade da abertura de um procedimento de impeachment. A Constituição Brasileira diz que, para ser pedido um impeachment, quem está legitimado a fazer isso é qualquer cidadão que esteja em dia com suas obrigações eleitorais. Uma entidade, uma Assembleia Estadual, um chefe de um governo, qualquer pessoa jurídica não tem legitimidade para pedir o impeachment, que é um procedimento devido exclusivamente ao cidadão. Por este motivo foi que eu atuei na qualidade de cidadão. Mas na verdade por trás da minha assinatura estava o fato de que eu era o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e a assinatura do Dr. Barbosa Lima Sobrinho, que assinou como pessoa física, como cidadão, tinha por trás uma entidade muito respeitada, a Associação Brasileira de Imprensa. Nós dois assinamos este pedido e somos os autores do único processo de impeachment que até hoje aconteceu num país do mundo e que tenha chegado a seu término sem uma convulsão, sem uma turbulência, sem uma ruptura dos cânones institucionais.

S: O presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha, disse que esta semana dará andamento a alguns pedidos que lhe foram apresentados, entre os quais o do eminente jurista Hélio Bicudo, ex-integrante do Partido dos Trabalhadores. O senhor vê condições de este pedido prosperar?

ML: O processo de impeachment é um misto de processo jurídico com processo político. Se levarmos em conta exclusivamente o seu aspecto político, ou seja, a vontade de determinados segmentos de representantes políticos quererem exercer o impedimento ou a ruptura do mandato de uma presidente que foi regularmente eleita, então corremos o risco, sim, de haver isto que eu chamo um golpe, porque o processo de impeachment não é somente um processo político, ele é um processo jurídico, e a Constituição prevê hipóteses concretas em que um presidente da República pode sofrer um processo de impeachment. Como não foi praticado pela Presidenta Dilma, no curso deste mandato, nenhum daqueles atos que justificariam, teoricamente, a propositura de um processo de impeachment, posso concluir que qualquer pedido de impeachment da Presidenta Dilma será um pedido sem fundamentação jurídica e portanto não deve ter o apoio e a aprovação por parte dos deputados. Mas, repito, este é um processo que vai ser apreciado pela Câmara dos Deputados e estará sujeito às maiorias eventuais ou não que se formem naquela Casa Legislativa.

S: O que se diz até o momento é que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, receberá os pedidos porém a palavra final ele delegará a comissões de deputados.

ML: A deliberação final na Câmara pela admissibilidade ou não da abertura de um processo de impeachment é uma votação no Plenário da Câmara. Votam os 513 deputados apreciando o parecer que venha ou de uma Comissão Parlamentar de Inquérito ou da Comissão de Constituição e Justiça. Se votada a admissibilidade do impeachment e for acolhida essa admissibilidade, abre-se o processo do impeachment já não mais da Câmara Federal, porém corre no Senado da República, é o tribunal que vai julgar o processo sob a presidência do presidente da Suprema Corte. Em hipótese alguma o presidente da Câmara ou do Senado fará parte do julgamento final do processo de impeachment, se vier a ser aprovado.

S: Supondo que o processo venha a ser instaurado, a Presidenta Dilma seria afastada imediatamente do cargo?

ML: Admitida a admissibilidade do recurso e instaurado o processo no Senado, a Constituição prevê que a presidente se afaste do exercício do cargo, se for o caso. Ela continua sendo presidente da República, mas quem exerce o cargo é o vice-presidente da República. Se o impeachment vier a ser negado, o presidente volta para o exercício do cargo; se for aprovado, uma das consequências é a perda do cargo, a cassação do mandato.

S: Fala-se de várias coisas simultaneamente, levando a opinião pública a uma certa confusão, a uma certa perplexidade diante de tantas argumentações.

ML: Certamente. Os grandes veículos da imprensa brasileira atendem aos interesses das elites econômicas e tomam o partido muito claro de oposição ao atual Governo, que tem raízes em convicções políticas afeiçoadas aos interesses populares, aos interesses do povo mais pobre. O grande conglomerado de televisão e os principais jornais desenvolvem sabidamente uma campanha de desqualificação do Governo atendendo aos seus anunciantes e atendendo aos interesses que esses grandes veículos representam. Como esses grandes veículos de comunicação, tendo um partido tomado, têm uma opção de veicular as teses da oposição política ao Governo, isso cria, sim, no espírito do povo brasileiro, uma má informação, uma informação deformada, desviada, que é lamentável que possa existir num país como a democracia brasileira.

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