Noam Chomsky sobre guerra midiática global: “há uma batalha pela Internet”

© flickr.com / Andrew RuskNoam Chomsky
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Quando os grandes meios de comunicação definem a agenda e a percepção pública, torna-se cada vez mais importante compreender o papel da guerra de informações na mídia corporativa. A Sputnik falou com um dos maiores pensadores contemporâneos para discutir o assunto: o linguista, filósofo e ativista político norte-americano Noam Chomsky.

Professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ele se define como um socialista libertário e é responsável por uma extensa contribuição ao debate sobre as tendências globais da mídia. Na entrevista a seguir, ele recupera grande parte dos argumentos que vem defendendo nos últimos anos, expressos em uma entrevista à Canadian Broadcasting Corporation em 1995. 

Sputnik: a midiatização é um fenômeno antigo, mas lento. Ela basicamente define o papel da mídia na criação de agendas e, depois, permite que o establishment político a siga. Ela também intervém no processo de tomada de decisão da sociedade civil e dos políticos. Como esse processo de midiatização vai influenciar a política e a sociedade nos próximos dias/anos?

Noam Chomsky: Depende de como pessoas como eu e você reagirem — uma questão para a ação, não para a especulação. Bem, você não pode caracterizar isso em uma frase. É complicado. Mas, para uma espécie de primeira aproximação, a mídia se comporta exatamente como você esperaria que as instituições desse caráter se comportassem. Tome, digamos, a mídia comercial. Trata-se de grandes conglomerados, grandes corporações, muito rentáveis, partes de conglomerados ainda maiores e, como você diz, passando agora para estágios de megafusão.

Eles [a mídia comercial, os grandes conglomerados] têm um produto, a saber, um público. Eles o vendem para um mercado, a saber, os anunciantes.

A grande mídia – como o New York Times e o Washington Post, aqueles que meio que definem a agenda para os outros – ela é direcionada para setores privilegiados da população, setores de tomada de decisão, setores administrativos, gestores culturais, e assim por diante. Então, trata-se de enormes negócios rentáveis vendendo públicos privilegiados para outras empresas. Bem, que tipo de imagem de mundo uma pessoa sã esperaria surgir dessa interação? Não é difícil descobrir.

S: Estamos vivendo em um mundo cada vez mais conectado e em um mundo transparente? A mídia – especialmente os meios noticiosos – está vivendo sob imensa pressão para colocar a informação primeiro entre os seus consumidores de notícias. Este e vários outros fatores levaram a uma guerra de informação. Você poderia, por favor, elaborar este tema um pouco mais com algum exemplo atual?

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NC: Só posso direcioná-lo para o que eu escrevi sobre o assunto, que foi bastante. Se os múltiplos canais de televisão apenas se transformam em mais e mais vias para as mesmas organizações tirânicas levarem a cabo suas agendas… A agendas delas é muito clara: você pode lê-la nos manuais da indústria de relações públicas, onde eles são bastante francos sobre isso e têm sido há muito tempo. A agenda delas é realizar o que o principal guru da indústria de RP, Edward Bernays, anos atrás chamou de manipulação consciente e inteligente dos hábitos organizados e da opinião das massas, que ele considerava ser um elemento central da democracia. Ele não era, aliás, nenhum reacionário. Ele era um liberal Kennedy-Roosevelt, altamente respeitado em Cambridge. E o que ele estava apresentando – isto calhou de ficar no manual principal da indústria de RP, mas refletiu atitudes intelectuais generalizadas – significa criar desejos artificiais, atomizar as pessoas, separá-las umas das outras, certificar-se de que elas não nos perturbem, pessoas importantes na arena política, transformá-las em átomos isolados de consumo, obedientes, tendo as opiniões 'certas' que não nos incomodem, e devidamente jingoístas [partidários de doutrinas ultranacionalistas e belicosas] e apoiadoras do poder. Esta é a agenda. E eles ficam felizes em te falar isso. E eles gastam enormes quantias de dinheiro com isso. Bem, se é isso em que os 500 canais se transformam, [trata-se] apenas de outra técnica de coerção.

S: Que tipo de medo as celebridades midiáticas enfrentam em termos de seu sucesso e sustentabilidade como estrelas ou ícones entre seu público-alvo ou em um ambiente midiatizado? E, em sua opinião, o que é mais importante para o sucesso de uma entidade midiática: um ideal jornalístico de status de celebridade ou as notícias?

NC: Não preste muita atenção a estrelas e ícones. E existem, a essa altura, milhares de páginas de documentação bastante sólida que mostrando que o que você espera, você recebe. Não surpreende. Em premissas de mercado livre mais ou menos mínimas, isto é basicamente o que você esperaria. O interesse do trabalho é mostrar que a expectativa não só é verificada, mas é esmagadoramente verificada. Por outro lado, existem fatores conflitantes, então se você olhar mais de perto, você descobrirá que há muitos jornalistas que têm plena integridade profissional e honestidade e querem chegar à verdade. Alguns deles, aliás – alguns dos mais conhecidos deles – são ainda mais cínicos a respeito da mídia do que eu, mas encontram formas de trabalhar entre eles [e] e muitas vezes se comprazem com coisas bastante importantes. 

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Outro fator conflitante é que a grande mídia – digamos, a mídia nacional, aqueles que eu mencionei – tem uma espécie de contradição interna, do mesmo modo que têm as escolas e as universidades. Quero dizer, por um lado ela tem uma espécie de função de doutrinação e é real. Por outro lado, ela tem a responsabilidade de apresentar a pessoas importantes – pessoas que fazem grandes decisões –, de oferecer a elas uma imagem toleravelmente realista do mundo. E essas duas demandas entram em conflito. Você vê isso muito dramaticamente em um jornal como o Wall Street Journal, que tem algumas das melhores reportagens no país [EUA] porque seu público deve sabe quais são os fatos se estiver, você sabe, interessado em fazer dinheiro e coisas do tipo. Por outro lado, quando você passa para as páginas editoriais, não chega a ser nem uma piada de quadrinhos.

S: Em que direção a guerra midiática está levando? Será que ela vai dar um impulso à mídia de notícias em termos de bom conteúdo ou vai piorar em termos de valor de notícia?

NC: Mais uma vez, depende de pessoas como nós. Depende de como ela é usada.

A tecnologia é geralmente bastante neutra. Ela não se importa se você a usa para coagir ou para libertar e liberar as pessoas. E toda a tecnologia de comunicações, da imprensa ao rádio, à televisão e à Internet, tem potencial coercitivo e tem potencial libertador. Depende de quem está no comando.

Se for democraticamente gerida e controlada, ela pode refletir os interesses públicos e servir aos interesses públicos. Se for privatizada, colocada sob o controle de tiranias privadas – ou de Estados totalitários e assim por diante – que não apenas ignoram a vontade pública, mas também não incentivam – de fato, desencorajam – a participação pública, bem, então, vai ser algo completamente diferente. Depende de qual caminho ela toma. Neste momento, há uma batalha pela Internet. E também pelos múltiplos canais [de televisão].

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