“É significativo que o Papa visite Bolívia e Equador, em luta contra os imperialistas”

© AFP 2023 / VINCENZO PINTOPapa Francisco discursa para multidão em Guayaquil, maior cidade do Equador
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O Papa Francisco está desde o domingo, 5, em visita a três países da América do Sul. O jornalista e professor Marco A. Gandásegui, hijo comenta o significado desta viagem para governos progressistas como o de Rafael Correa, no Equador, e o de Evo Morales, na Bolívia.

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Até domingo, 12, último dia do seu périplo sul-americano, o Papa Francisco terá sido recebido pelos Presidentes Rafael Correa, Evo Morales e Horacio Cartes (este, do Paraguai). O sociólogo e professor Gandásegui, hijo, da Universidade do Panamá, pesquisador do CELA – Centro de Estudios Latinoamericanos Justo Arosemena e diretor da Revista Tareas falou com exclusividade à Sputnik Brasil.

Marco A. Gandásegui, hijo afirma: “É muito significativo que o Papa Francisco inclua em sua viagem pela América do Sul países como Bolívia e Equador, que estão em luta aberta contra as oligarquias locais e as potências imperialistas da América do Norte e da Europa.”

A seguir, a entrevista com o especialista em assuntos latino-americanos.

Sputnik: Um Papa latino-americano, Francisco, visita esta semana o Equador, a Bolívia e o Paraguai. O que se pode esperar dos resultados desta visita papal aos três países?

Marco A. Gandásegui, hijo: Os povos latino-americanos têm esperanças de que o líder da Igreja Católica Apostólica Romana apoie as demandas da sua juventude, das suas mulheres e das etnias reprimidas e discriminadas. É muito significativo que o Papa Francisco inclua em sua viagem pela América do Sul países como Bolívia e Equador, que estão em luta aberta contra as oligarquias locais e as potências imperialistas da América do Norte e da Europa. Sem dúvida, a visita proporcionará mais forças aos setores comprometidos com as mudanças que favorecem os grupos sociais mais pobres.

S: Quando um Papa deixa o Vaticano rumo a outros países, ele o faz na dupla condição de líder da Igreja Católica Apostólica Romana e de chefe de Estado. Como é possível conciliar estas duas condições?

MAGh: Como chefe de Estado do Vaticano, o Papa da Igreja Católica não tem poder convocatório. Ele só exercita este poder sobre um grupo de burocratas que compõem a Cúria Romana. Já como líder espiritual de mais de um bilhão de pessoas no mundo inteiro, o Papa concentra em sua pessoa um enorme poder de atração. Dentre os mais de um bilhão de católicos no mundo, cerca de 400 milhões vivem na América Latina.

S: O Papa Francisco chegou a Quito num momento em que o Equador registra intensas manifestações contra o Governo de Rafael Correa, manifestações que, para alguns analistas políticos, podem estar sendo influenciadas por interesses externos. De que forma o Papa poderá contribuir para que os protestos se acalmem?

MAGh: O reconhecimento do Papa Francisco das lutas populares no Equador é um primeiro indicador de apoio ao povo equatoriano. O Equador está fazendo enormes avanços em sua política social, especialmente em relação aos povos indígenas reprimidos e discriminados durante séculos. O Papa está dando à revolução cidadã um grande apoio. Ao mesmo tempo, está rechaçando as intenções desestabilizadoras das oligarquias e de Washington.

S: O Presidente Rafael Correa sinalizou para os Estados Unidos que “o fortalecimento de blocos como BRICS e Unasul transforma os países da América Latina em um novo polo de poder”. Em quais aspectos o Papa Francisco pode contribuir para este fortalecimento?

MAGh: Ainda é muito prematuro falar da constituição de novos blocos. O mundo está muito dividido, e estamos presenciando como cresce no horizonte uma nova hegemonia. No caso da América Latina, há fortes divisões. Ainda há países dominados por oligarquias locais que utilizam a força ideológica ou armada para reprimir seus povos. Esta divisão, por sua vez, é estimulada pelos Estados Unidos.

S: No caso da Bolívia, que disputa com o Chile a faixa de terra que seria uma saída boliviana para o Oceano Pacífico, o Presidente Evo Morales também espera reforçar as pretensões internacionais?

MAGh: A Bolívia tem toda a comunidade internacional a seu favor. O Papa Francisco não se pronunciará sobre este ponto. Mas o fato de ele incluir a Bolívia em sua primeira visita à América do Sul é muito significativo. O Chile, por sua vez, tem mantido um discurso equivocado, por quase um século, em relação às suas divergências com a Bolívia para concretizar uma saída para o mar por parte da nação boliviana.

S: Recentemente, as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia elogiaram a posição do Papa em relação ao meio ambiente e ao uso da terra. Esta visita do Papa aos três países latino-americanos poderá ter consequências políticas consideráveis?

MAGh: Sem dúvida, o Papa Francisco manipulou com muita habilidade o seu discurso em torno dos pontos mais destacados de sua agenda mundial e regional. Com relação à sua encíclica em defesa do meio ambiente, Francisco identificou os responsáveis pela situação desastrosa em que se encontra o futuro da humanidade. Somos uma espécie em perigo de extinção. O Papa reitera a necessidade de pôr fim às políticas do “capitalismo selvagem” e às ações de dejetos sistemáticos que os setores dominantes desenvolvem em escala global.

S: Dos três países que recebem a visita papal, dois – Equador e Bolívia – são presididos por homens cujo pensamento é considerado de esquerda (Rafael Correa e Evo Morales, afinados com o falecido presidente da Venezuela Hugo Chávez). Já o presidente do Paraguai, Horacio Cartes, é um homem de direita e um dos empresários mais prósperos do país. Como a diplomacia do Papa Francisco se equilibra entre as duas vertentes políticas da América do Sul?

MAGh: A visita do Papa ao Paraguai é ao país, não ao presidente da vez. Sua visita está voltada para o povo paraguaio para lhe dar força em sua luta histórica por construir um país digno e soberano. É uma resposta vigorosa por parte do Papa à crescente militarização e ao empobrecimento de um país que já foi um exemplo de desenvolvimento na região.

S: Ainda no âmbito das posições políticas do Papa em relação aos países da América do Sul, é conveniente lembrar as divergências que o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio (hoje Papa Francisco) mantinha com o casal presidencial da Argentina, Nestor e Cristina Kirchner. Como chefe de Estado, no caso o Vaticano, Bergoglio foi suplantado por Francisco? 

MAGh: Há uma clara diferença entre um cardeal no âmbito da política local e um Papa que tem de falar em nome de uma Igreja que possui mais de um bilhão de fiéis. Cristina Kirchner não mudou a sua política populista, que é resultado da correlação de forças sociais na Argentina. Sua preocupação principal é de que seu partido político vença as próximas eleições. O Papa Francisco – e, no caso, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio – está muito longe desta luta eleitoral entre os setores dominantes argentinos. Sem dúvida, Francisco terá suas preferências políticas, mas hoje ele já não é mais o cardeal arcebispo de Buenos Aires.

S: Num momento em que o sentimento religioso é amplamente discutido, que papel desempenha o Papa no mundo e, particularmente, diante dos mais de 1,2 bilhão de fiéis da Igreja Católica?

MAGh: O Papa – e Bispo de Roma – perdeu muita influência política no último século. Mas, na medida em que adota políticas mais próximas das camadas populares, poderá recuperar os espaços perdidos. Algo deste gênero permitiu ao Papa João XXIII resgatar o perfil de uma Igreja Católica derrotada havia meio século. Em outra direção, o Papa João Paulo II encabeçou uma luta anticomunista que lhe permitiu consolidar uma aliança com os setores mais poderosos do mundo financeiro. Agora, Francisco enfrenta os desafios do século XXI com decisão e muita originalidade. A questão sobre o “capitalismo selvagem”, a destruição da natureza, a crescente pobreza e as guerras são temas que preocupam toda a humanidade. Francisco conseguiu tocar em aspectos que transcendem os templos e chegam a todos os lugares, aos postos de trabalho e às escolas no mundo inteiro.

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