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Especialistas em Planejamento Familiar e em Direito Penal discutem aborto em casos de zika

ENTREVISTA COM CELIA REGINA SILVA E COM FERNANDA TORTIMA
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O aumento do número de gestantes contaminadas pelo zika vírus, provavelmente associado ao incremento dos casos de microcefalia, levou a Organização Mundial de Saúde a recomendar aos países afetados – como o Brasil – que promovam alterações em seu ordenamento jurídico e permitam a essas gestantes interromper a gravidez.

A proposta dividiu opiniões tanto entre a população em geral quanto entre especialistas da área da saúde dedicados ao estudo do zika vírus, seu tratamento e sua prevenção. Em razão destes fatos, o Instituto Data Folha realizou uma pesquisa cujos resultados indicaram que 58% dos entrevistados são contrários a essa eventual possibilidade de aborto para as grávidas contaminadas com o zika, enquanto 32% são favoráveis. Os 10% restantes preferiram não opinar.

Em torno destas questões, Sputnik Brasil ouviu a ginecologista e obstetra Célia Regina da Silva e a advogada Fernanda Tórtima. Ambas apontaram a extrema complexidade da questão. Para Célia Regina da Silva, coordenadora de Planejamento Familiar da Maternidade-Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “o planejamento familiar e a educação sexual são fundamentais para que as famílias decidam se e quando deverão ter filhos”. Já Fernanda Tórtima, presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, citou os dois casos em que o aborto é permitido pelo Código Penal (gravidez resultante de estupro e comprovação de que a gestação oferece risco à saúde da mulher) e a decisão do Supremo Tribunal Federal permitindo a interrupção da gravidez quando a criança é vítima de anencefalia, ou seja, ausência de cérebro.

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Sobre a proposta da OMS, de que mulheres grávidas contaminadas pelo zika vírus possam proceder de forma legal à interrupção da gravidez, a Dra. Célia Regina Silva lembra que, “na realidade, ainda está havendo um grande debate no nível da Organização Mundial de Saúde pela disseminação dos casos de microcefalia e toda a consequência em saúde pública que isso poderá desencadear. Eu diria que essa decisão final da OMS ainda não está muito clara, ela coloca em caráter emergencial internacional, mas para abrir a discussão a respeito do assunto”.

A coordenadora de Planejamento Familiar da Maternidade-Escola da UFRJ considera que “essa questão do aborto, em nosso país, ainda necessita de muita discussão”.

“Eu não sou favorável ao aborto no sentido dessa situação drástica, considerando o seguinte: a microcefalia leva a lesões cerebrais em diferentes níveis e não sabemos em que nível uma criança que é portadora da microcefalia terá essas lesões”, diz a Dra. Célia Regina. “Temos que considerar também que a mulher que teve infecção pelo zika vírus pode ter seu filho com lesões cerebrais sem microcefalia. Como fica a situação dessa mulher que teve seu filho, que não tem microcefalia mas tem lesões cerebrais graves? Então esse critério para o aborto em mulheres portadoras de microcefalia necessita de uma ampla discussão. Quando se fala na autorização nos casos de anencefalia, o diagnóstico é precoce, por volta de 12 semanas já temos o diagnóstico para que haja a intervenção e autorização para o aborto. No caso da microcefalia o diagnóstico é mais tardio, por volta de 24 semanas, muitas vezes 28 semanas. E ainda há uma agravante, pois estamos tendo uma dificuldade muito grande, na saúde pública, para liberação dos diagnósticos laboratoriais para comprovação do zika vírus. Muitas vezes é colhido o material e levamos de um a dois meses para conseguir o resultado. Essa é a realidade que estamos tendo no nosso país. É uma situação extremamente grave em saúde pública.”

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Por seu lado, a coordenadora de Planejamento Familiar da Maternidade-Escola da UFRJ, advogada Fernanda Tórtima, explica que há dois casos, apenas, em que o Código Penal Brasileiro permite o aborto: o risco de vida para a gestante e o fato de a gravidez ser decorrente de estupro. “Não há outro caso previsto em lei. O Supremo Tribunal Federal (STF) já estendeu a possibilidade de aborto aos casos de inviabilidade do feto, como é o caso da anencefalia, em que a ciência já demonstrou que seria totalmente inviável a vida. Não é o caso das deformidades decorrentes da zika, ou, pelo menos, não são todos os casos. Já ouvimos falar de casos em que as deformidades foram tão grandes, a gravidez seguiu e no final já havia risco para a gestante porque a gravidez teria se tornado inviável. É possível e espero que o STF se posicione também em relação aos casos de deformidades que não tornem a vida inviável por conta do vírus da zika. De fato, seria exigir da gestante uma dor relativamente grande até porque ela sequer saberia qual o grau da deformidade do feto para seguir com aquela gestação.”

“Eu sou contra o aborto, mas sou absolutamente favorável à descriminalização do aborto”, acrescenta a advogada. “Conheço casos como o da Alemanha, onde o aborto é permitido até os três meses de gravidez, inclusive pago pelo Estado, desde que a gestante se submeta a um aconselhamento psicológico para ela ter a certeza de que realmente quer abortar e para que evite uma gravidez indesejada novamente. Parece-me que a criminalização não seria nunca a solução. Então eu tenho uma tendência a ser sempre favorável a descriminalizar situações de aborto porque ele é um problema de saúde pública que deve ser resolvido por outros meios. Não acho que o Direito Penal vá resolver a questão, até porque sabemos que o aborto vai acabar sendo feito de forma clandestina ou até de formas artesanais que geram um risco enorme para a mulher.”

Finalmente, a advogada Fernanda Tórtima, coordenadora de Planejamento Familiar da Maternidade-Escola da UFRJ, afirma que “há de se pensar em alterar a legislação ao caso de comprovação de infecção por zika. Se o Brasil ainda não estiver preparado para liberar o aborto até três meses de gravidez em qualquer caso, que é o modelo alemão, que pelo menos se ajuste um modelo ao outro. Que, por exemplo – e me parece essa uma solução salutar –, se permita até três meses de gravidez, quando não há ainda uma formação neurológica que importe sofrimento para o feto, para os casos em que haja comprovação de infecção pelo vírus da zika. Seria um modelo intermediário que poderia funcionar, obviamente se exigindo um aconselhamento psicológico para ver se a mulher não poderia seguir adiante e ter um filho com deformidade mas que não importaria em absoluta inviabilidade do feto.”

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