Malvinas: uma ferida que insiste em não fechar

© AP Photo / Natasha PisarenkoMemorial da Guerra das Malvinas, Argentina
Memorial da Guerra das Malvinas, Argentina - Sputnik Brasil
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Neste sábado, 10 de junho, a Argentina comemora uma data com um sabor amargo, o Dia da Afirmação dos Direitos Argentinos sobre as Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sandwich, áreas controladas pelo Reino Unido desde a invasão de 1833 e que se tornou um impasse entre os dois países desde a década de 80.

Nem mesmo as tentativas de mediação da Organização das Nações Unidas (ONU) e a assunção de Maurício Macri à presidência conseguiram demover a Grã-Bretanha de devolver os arquipélagos à Argentina. Para muitos especialistas, o impasse parece estar muito longe do fim, uma vez que, embora sem a justificativa de ordem econômica — a região não tem reservas significativas nem de pesca, nem de hidrocarbonos — Malvinas e adjacências têm um valor geopolítico estratégico: estão a pouco mais de 1 mil quilômetros da Antártida e do Estreito de Magalhães, sendo assim um posto importante para o controle da navegação não só nos oceanos.

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Villa, apesar do significado do 10 de junho, são poucas as possibilidades de a Argentina reaver algum dia a posse das Malvinas e dos arquipélagos adjacentes. O professor observa que após o fim da Guerra das Malvinas a população das ilhas é eminentemente britânica, e o que o referendo realizado pelo Reino Unido, há alguns, anos consultando a população se ela queria permanecer sob o governo inglês ou voltar ao argentino foi meramente pró-forma, um recado indireto, segundo ele, dado por Londres a Buenos Aires.

Questionado sobre como é possível, em pleno século 21, uma nação ter direito sobre uma porção territorial a 12 mil quilômetros de distância de suas fronteiras, Villa diz observa que, do ponto de vista geoestratégico, a região é bastante importante.

"Lá é um ponto de passagem entre três oceanos, o Índico, o Atlântico e o Pacífico, o que faz com qualquer país pense duas vezes antes de se retirar da região. Ambos (Reino Unido e Argentina) têm interesses importantes na Antártida. Três países podem ser considerados como tendo forte reivindicação quanto ao território da Antártida: Argentina, Chile e Inglaterra. Ter uma soberania numa região como a das Ilhas Malvinas sempre vai ser bastante estratégico", diz o professor da USP.

Na visão de Villa, desde o fim da Guerra das Malvinas, a Argentina sofreu as piores consequências, em especial para os jovens envolvidos no conflito, porque foram marginalizados no retorno e estigmatizados pela sociedade como perdedores.

As lembranças de um jovem fuzileiro argentino

Para lembrar aquele tempo de combates, perdas e transformações na vida política e social da Argentina, a Sputnik Brasil ouviu uma das testemunhas do conflito, Carlos Jorge Sili, membro da Associação dos Veteranos da Guerra das Malvinas, à época com 18 anos e integrante dos Fuzileiros Navais, os primeiros a desembarcar na zona de conflito.

"Minha unidade era o Batalhão de Infantaria da Marinha Nº 5, que chegou às Malvinas em 5 de abril para formar parte da defesa das ilhas. Ocupamos as posições principais em Puerto Argentino, onde as primeiras baixas foram nossas. Eles (ingleses) tinham maior número de efetivos e de equipamentos, mas nós dominávamos os terrenos. E tanto foi assim que, quando houve a rendição em 14 de junho, eles ficaram surpresos, porque estavam quebrados em termos de logística. Eles perderam barcos importantes, que foram postos a pique."

Sili reconhece que, apesar das desvantagens, inclusive numéricas, a moral da tropa era elevada. A volta, porém, foi problemática.

"O retorno foi caótico, porque a sociedade naquele momento não queria saber de nada, tínhamos sido derrotados, ela não queria reconhecer o veterano de guerra, e por isso custou muito a reinserção à sociedade."

Ex-combatente Armando González em um campo minado pelo exército argentino durante a Guerra das Malvinas - Sputnik Brasil
Ex-combatente da Guerra das Malvinas: 'Voltei para onde deveria estar minha sepultura'

Apesar de ter testemunhado a violência do conflito, Sili, hoje com 53 anos e jubilado, defende o serviço militar obrigatório para todos os países, mas reconhece que, naquele momento, o regime militar não podia continuar, porque era necessária a volta da democracia."Nenhum país que tem um governo militar tem boa condução, porque o militar não está preparado para conduzir um país. O militar é para cuidar do país, não conduzi-lo.” 

Passadas mais de três décadas, o veterano das Malvinas defende a invasão, mesmo reconhecendo o alto preço que o país pagou.

"O conflito teria que acontecer em algum momento, porque a Inglaterra, como é de conhecimento de todos, é um país invasor, não tem territórios próprios e por isso busca os distantes. Vão se cumprir 150 anos de usurpação permanente das Malvinas. Se a Argentina não tomasse a iniciativa de recuperar o que é nosso, a ilha ficaria permanentemente para a Inglaterra. Trinta e quatro anos depois sabemos que nenhuma guerra é boa, porque deixa sequelas, perda de vidas e muita dor entre os familiares. Cabe a este Governo ou a outro que venha, de forma diplomática, recuperar o que nos pertence."

O conflito em torno das Malvinas começou quando tropas argentinas tomaram Puerto Argentino (Port Stanley), a capital do arquipélago, em 2 de abril de 1982. A resposta da Grã-Bretanha foi imediata, deslocando para o Atlântico Sul uma força-tarefa com 28 mil homens, quase quatro vezes maior do que o contingente argentino. O saldo final dos combates para a Argentina foi de 649 mortos e um número não revelado de feridos. Os britânicos contabilizaram 255 mortos e 777 feridos. O custo da campanha foi avaliado em US$ 5 bilhões. Politicamente, a Primeira-Ministra Margareth Thatcher consolidou seu poder de influência na Europa, e do lado argentino a derrota contribuiu para acelerar a queda da ditadura militar.

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