Bloco de Esquerda contesta ingerência do Banco Central Europeu

© AFP 2023 / Daniel RolandThe Euro logo is pictured in front of the former headquarter of the European Central Bank (ECB) in Frankfurt am Main, western Germany, on July 20, 2015
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Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, esteve no início deste mês (7) em Lisboa para participar em algo considerado inédito: a primeira reunião do Conselho de Estado do mandato do novo presidente da República, a convite do próprio Marcelo Rebelo de Sousa.

Na manhã desse dia, Draghi reuniu-se, a sós, com o chefe de Estado, depois almoçou com ele e com o primeiro-ministro, com o ministro das Finanças e com o governador do Banco de Portugal.

O motivo oficial da participação de um estrangeiro no Conselho de Estado, órgão de aconselhamento do presidente da República, era “fazer uma exposição sobre a situação económica e financeira europeia".

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A conversa entre os conselheiros não se resumiu a este tema.  

No encontro, Draghi deixou várias “recomendações” ao atual governo, entre elas que “não se justifica anular reformas anteriores”, ou seja as reformas de orientação neoliberal levadas a cabo pelo anterior governo.

O presidente da República sublinhou a importância da presença do presidente do Banco Central Europeu no Conselho. E explicou: "Nas relações internacionais há um aspeto de particular importância, que é a relação pessoal, a cumplicidade quando as pessoas se conhecem e conhecem os problemas e a realidade de cada país".    

"Mais importante do que ele disse, foi aquilo que ele ouviu, com chamadas de atenção certamente sobre a especificidade da situação portuguesa", não sendo "a mesma coisa" conhecer à distância, em Frankfurt.

Para Marcelo Rebelo de Sousa "foi uma ocasião única e muito enriquecedora e é assim que se deve ler globalmente a mensagem" deixada por Draghi.

O chefe de Estado, questionado sobre as críticas de ingerência dos assuntos internos que foram feitas pelos partidos de esquerda, afirmou que "as instituições europeias fazem parte da nossa vida porque isso é resultado da partilha de soberania".

Na concentração do Bloco de Esquerda contra a vinda do presidente do Banco Central Europeu, realizada no mesmo dia em Lisboa, que noticiámos na altura, a Sputnik colocou algumas perguntas ao deputado do BE no Parlamento, Jorge Costa, que falou no evento.

Recorde-se que o Bloco de Esquerda é um dos partidos que integra o acordo parlamentar de apoio ao governo.

Sputnik: O Bloco de Esquerda dá apoio ao governo. O primeiro-ministro disse que iria respeitar as instituições europeias. Mas agora vocês estão a protestar contra uma pessoa das instituições europeias. Não acha que isso é uma contradição?

Jorge Costa: Não, o Bloco de Esquerda tem uma orientação clara sobre o que é a inserção portuguesa na Europa e sobre o papel que as instituições europeias realmente existentes têm tido sobre a política portuguesa.

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O partido Socialista tem outro entendimento sobre estas matérias mas isso não nos impede de nos colocarmos a favor de soluções positivas, que possam ser maioritárias no Parlamento, como aquelas que foram encontradas ainda agora na aprovação do Orçamento de Estado. Portugal vai ter um salário mínimo que vai ser aumentado 5% em cada ano, nos próximos anos, foram revertidos cortes ilegítimos nos salários dos funcionários públicos ao longo dos últimos anos, foram aumentados os apoios sociais que tinham sido cortados pelo governo anterior e essas alterações mostram que é possível um caminho diferente daquele que vinha sendo percorrido, que hoje Mario Draghi vem dizer que era o bom caminho, que era o caminho certo, aquele de que não se deveria ter saído. Esta arrogância das instituições europeias perante a democracia é qualquer coisa que condena a Europa e que faz com que seja com cada vez maior desconfiança que os cidadãos e os povos da Europa encaram as instituições, que são incapazes de encontrar soluções positivas para os povos europeus. Se olharmos para a crise dos refugiados, se olharmos para as tendências de desagregação que em vários países da Europa se veem manifestando contra a presença na União Europeia, se olharmos para a falta de respostas para as políticas sociais e de emprego, que são os grandes problemas que hoje a Europa atravessa, percebemos que o projeto da União Europeia está definitivamente condenado e que é preciso uma mobilização forte em todos os países da Europa para que a solidariedade entre as nações europeias possa dar origem a um novo projeto e a uma nova corrente de solidariedade que responda pelas pessoas e pelo respeito da humanidade que hoje falta e que hoje está à vista em toda a Europa. A crise dos refugiados é o sinal mais claro e mais brutal daquilo em que as instituições europeias transformaram o projeto europeu. 

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O Banco Central Europeu tem responsabilidades agravadas na forma como o país foi conduzido nos últimos anos, na forma como uma grande parte da população foi empurrada para a pobreza e até para a emigração. Isso não deveria ser posto debaixo do tapete, não deveria ser visto como natural. As responsabilidades do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional, que fizeram o memorando que teve as consequências que teve para Portugal, esse percurso não deveria ser escondido e muito menos deveria aceitar-se com esta naturalidade. Se o Banco Central Europeu, que é a mesma instituição que tem estado a impor formas de reestruturação do setor bancário, formas de concentração bancária a favor dos grandes grupos financeiros europeus, que esse Banco Central Europeu seja convidado de honra de um momento institucionalmente importante que é a primeira reunião do Conselho de Estado. A política de “quantitative easing” e este leque de políticas que foram senso sucessivamente ampliadas sempre com a mesma falta de resultados demonstra que a política de apoio ilimitado ao sistema financeiro, de liquidez sem fim, de crédito ilimitado, a partir das instituições europeias, com dinheiro dos contribuintes, não resulta em estímulo à economia real, não resulta em criação de emprego, não resulta em investimento público, porque as entidades que podem promover esse investimento público, que podem estar dispostas a ter políticas económicas ativas são os Estados, os Estados europeus e esses o Banco Central Europeu persiste em recusar-se a financiar. O acesso exclusivo do sistema bancário a essas injeções de liquidez têm resultado no fracasso da política europeia para enfrentar a crise. É por isso que a estagnação continua, a deflação continua, que o desemprego em massa continua e que a Europa se encontra nesta situação de desagregação social, agravada pela crise humanitária dos refugiados, pela ascensão da extrema-direita e este é um cenário muito preocupante que estas instituições têm sido incapazes de lidar com a crise.      

S: Em relação aos Panama Papers, curiosamente a mídia falou logo dos offshores referindo-se ao presidente Putin, falou também relativamente a outros países considerados inimigos dos Estados Unidos, mas não foi referido nenhum responsável norte-americano implicado nos offshores. O que acha sobre isso?

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J.C: Nós temos muita expectativa que, ao longo do tempo em que vão sendo desvendados os documentos, todas as pessoas envolvidas em negócios obscuros e ilegais, com recurso a estes paraísos fiscais, que essas situações sejam conhecidas e sejam responsabilizados, especialmente aqueles que têm funções públicas e funções de representação política, que respondam pelos ilícitos que eventualmente tenham praticado, pela forma como fugiram ao fisco nas suas jurisdições. Isso tem que ser feito com critérios de objetividade jornalística e, portanto, não é pela origem nacional de cada um dos casos que eles devem ser selecionados em termos de acesso ao público, em termos de divulgação. É claro também que estas informações, ao contrário do que sucedeu noutros episódios de divulgação pública de dados ocultos, os casos da Wikileaks, etc., estas são bases de dados que não estão de acesso aberto, não estão consultáveis e, portanto, isso permite que aqueles que fazem a seleção do que é divulgado tenham um papel que exige uma muito maior responsabilidade, um escrutínio muito forte. Aqueles quq decidem aquilo que se torna ou não se torna do domínio público, quando se trata de notícias da importância que estas têm, têm que atuar com o maior respeito pelas regras deontológicas, das regras da profissão de jornalista, do que é a comunicação social e do dever de informação.

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